Vida e Morte
Stéphane Brizé surpreendeu muito bem com o exercício sobre a
existência no cotidiano, ao abordar os conflitos familiares e as perspectivas na
vida de um metódico pedreiro e uma professora no ótimo filme Mademoiselle Chambon (2009). Faz uma
reflexão sobre a rotina que embrutece e a sombria amargura que toma conta do
corpo do protagonista absorvido pela fantasia de uma derrotista visão
inalcançável. O cineasta francês novamente retoma o tema, acrescenta a reinserção
social e a eutanásia como subtemas, lançando um olhar pessimista sobre o ser
humano e sua trajetória dilacerada por marcas de um passado neste fabuloso Uma Primavera com Minha Mãe, num
retrato dolorido de profundas mágoas entre mãe e o filho na busca do perdão
para o reconciliamento, dentro de um clima de desordem de relacionamento entre
duas pessoas maduras, mas que beira a requintes de adolescentes conflitados e
extasiados com a vida, numa atmosfera pouco alentadora de um futuro promissor.
Alain Evrard (Vincet Lindon- excelente no papel, não poderia
ser outro para transmitir os sentimentos apenas pelo olhar; já brilhara em Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret e
em Mademoiselle Chambon) é um
ex-apenado que cumpriu 18 meses de prisão, que busca sua ressocialização e o
reingresso no mercado de trabalho. Há enormes dissabores nesta fase e consegue
apenas, por períodos curtos, serviços na reciclagem do lixo; e nos remete para
o ex-assaltante e imigrante senegalês no longa Intocáveis (2011), de Eric Toledano e Olivier Nakache. O retorno à
casa da mãe (Hèléne Vincent) é mais um desconforto, logo azedando as relações interpessoais na
conturbada relação familiar. Surgem algumas mágoas da infância e o conflito
estremece ainda mais com a descoberta por acaso do tumor maligno e com metástase
nos exames da genitora, bem como sua ideia obstinada de abreviar a vida na
Suíça, por livre e espontânea vontade.
A eutanásia é colocada no filme de forma direta e incisiva,
sobre o direito de morrer e a escolha para não sofrer, discussão então vista às
avessas no extraordinário O Amor
(20012), de Michael Haneke; também recentemente no drama A Bela que Dorme (2012), do veterano Marco Bellocchio; e ainda no
melhor de todos que é Mar Adentro (2004),
de Alejandro Amenábar, ao abordar de forma direta um homem que luta para pôr
fim à sua vida. É um tema polêmico e sempre há barreiras intransponíveis
encontradas na sociedade, família e em especial pela igreja.
No drama francês não se discute tais situações e os
ingredientes são outros e bem apimentados. Há uma passividade acachapante no
filho pela sua frieza com o desenrolar dos acontecimentos, do prólogo até o
epílogo, exceto na cena em que surta, como poucas vezes vista no cinema. Alain
é um homem de poucas luzes e está num mundo diferente daquele vivido na infância,
diante das circunstâncias decorrentes dos caminhos da vida. Encontra-se num
beco sem saída com sua condição de ex-prisioneiro e a relação com as mulheres
também lhe causa indignação pelo passado atormentador e desconfortável, como a
mulher (Emmanuelle Seigner) que o ama e não consegue entender o que se passa,
diante dos solavancos do estremecido affaire que vai sendo minado e afeta a
continuidade, muito mais pela vergonha do protagonista do que da pretendente.
Uma Primavera com
Minha Mãe é comovente e arrebatador com cenas magníficas, como o reencontro
de mãe e filho para salvar o animal de estimação; ou na cena da janela, em que
a velha senhora trava uma luta diária incansável pela dignidade de morrer, é
observada com o carinho maternal reprimido e sufocado. Um filme dilacerante
pelo realismo cênico de um desfecho que embrulha o estômago e dá uma sensação
de impotência diante da doença terminal como a narrativa dramática para a
reflexão sobre toda a agonia do ocaso sem volta. Instiga pelas relações sofridas
entre dois seres desesperançados, emociona pela condução sem arroubos ou
pieguismos baratos, num roteiro enxuto que destrói dogmas existentes dos
defensores da vida a qualquer preço. Perturba pela sua essência direta rasgando
a alma do espectador numa profunda amostragem sobre a morte e as consequências
de seus vínculos e relações decorrentes de uma vida repleta de contratempos e
solidão para uma decisão tomada com lucidez neste drama intimista e sem
perspectiva para o ser humano. Eis um filme que se insere entre as melhores
produções de 2013.
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