terça-feira, 15 de outubro de 2013

Uma Primavera com Minha Mãe

















Vida e Morte

Stéphane Brizé surpreendeu muito bem com o exercício sobre a existência no cotidiano, ao abordar os conflitos familiares e as perspectivas na vida de um metódico pedreiro e uma professora no ótimo filme Mademoiselle Chambon (2009). Faz uma reflexão sobre a rotina que embrutece e a sombria amargura que toma conta do corpo do protagonista absorvido pela fantasia de uma derrotista visão inalcançável. O cineasta francês novamente retoma o tema, acrescenta a reinserção social e a eutanásia como subtemas, lançando um olhar pessimista sobre o ser humano e sua trajetória dilacerada por marcas de um passado neste fabuloso Uma Primavera com Minha Mãe, num retrato dolorido de profundas mágoas entre mãe e o filho na busca do perdão para o reconciliamento, dentro de um clima de desordem de relacionamento entre duas pessoas maduras, mas que beira a requintes de adolescentes conflitados e extasiados com a vida, numa atmosfera pouco alentadora de um futuro promissor.

Alain Evrard (Vincet Lindon- excelente no papel, não poderia ser outro para transmitir os sentimentos apenas pelo olhar; já brilhara em Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret e em Mademoiselle Chambon) é um ex-apenado que cumpriu 18 meses de prisão, que busca sua ressocialização e o reingresso no mercado de trabalho. Há enormes dissabores nesta fase e consegue apenas, por períodos curtos, serviços na reciclagem do lixo; e nos remete para o ex-assaltante e imigrante senegalês no longa Intocáveis (2011), de Eric Toledano e Olivier Nakache. O retorno à casa da mãe (Hèléne Vincent) é mais um desconforto, logo azedando as relações interpessoais na conturbada relação familiar. Surgem algumas mágoas da infância e o conflito estremece ainda mais com a descoberta por acaso do tumor maligno e com metástase nos exames da genitora, bem como sua ideia obstinada de abreviar a vida na Suíça, por livre e espontânea vontade.

A eutanásia é colocada no filme de forma direta e incisiva, sobre o direito de morrer e a escolha para não sofrer, discussão então vista às avessas no extraordinário O Amor (20012), de Michael Haneke; também recentemente no drama A Bela que Dorme (2012), do veterano Marco Bellocchio; e ainda no melhor de todos que é Mar Adentro (2004), de Alejandro Amenábar, ao abordar de forma direta um homem que luta para pôr fim à sua vida. É um tema polêmico e sempre há barreiras intransponíveis encontradas na sociedade, família e em especial pela igreja.

No drama francês não se discute tais situações e os ingredientes são outros e bem apimentados. Há uma passividade acachapante no filho pela sua frieza com o desenrolar dos acontecimentos, do prólogo até o epílogo, exceto na cena em que surta, como poucas vezes vista no cinema. Alain é um homem de poucas luzes e está num mundo diferente daquele vivido na infância, diante das circunstâncias decorrentes dos caminhos da vida. Encontra-se num beco sem saída com sua condição de ex-prisioneiro e a relação com as mulheres também lhe causa indignação pelo passado atormentador e desconfortável, como a mulher (Emmanuelle Seigner) que o ama e não consegue entender o que se passa, diante dos solavancos do estremecido affaire que vai sendo minado e afeta a continuidade, muito mais pela vergonha do protagonista do que da pretendente.

Uma Primavera com Minha Mãe é comovente e arrebatador com cenas magníficas, como o reencontro de mãe e filho para salvar o animal de estimação; ou na cena da janela, em que a velha senhora trava uma luta diária incansável pela dignidade de morrer, é observada com o carinho maternal reprimido e sufocado. Um filme dilacerante pelo realismo cênico de um desfecho que embrulha o estômago e dá uma sensação de impotência diante da doença terminal como a narrativa dramática para a reflexão sobre toda a agonia do ocaso sem volta. Instiga pelas relações sofridas entre dois seres desesperançados, emociona pela condução sem arroubos ou pieguismos baratos, num roteiro enxuto que destrói dogmas existentes dos defensores da vida a qualquer preço. Perturba pela sua essência direta rasgando a alma do espectador numa profunda amostragem sobre a morte e as consequências de seus vínculos e relações decorrentes de uma vida repleta de contratempos e solidão para uma decisão tomada com lucidez neste drama intimista e sem perspectiva para o ser humano. Eis um filme que se insere entre as melhores produções de 2013.

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