Relações Perigosas
O triângulo amoroso já rendeu vários bons filmes pelas mãos
de diversos cineastas pelo mundo. Agora Beto Brant e Renato Ciasca dirigem com
muita habilidade e dão um suporte denso nesta nova incursão pela paixão entre
três seres distintos e antagônicos no instigante Eu Receberia as Piores
Notícias de seus Lindos Lábios, com Ciasca e Maçal Aquino assinando o enxuto
roteiro.
A trama tem no vértice a espetacular Camila Pitanga, sensual
ou catatônica, em sua maior atuação no cinema, ao encarnar de forma despudorada
a jovem instável de belo corpo Lavínia. Este papel lhe rendeu como a melhor
atriz no Festival do Rio. Nos outros extremos estão os dois homens: o fotógrafo
forasteiro Cauby (Gustavo Machado- não está no mesmo patamar de interpretação
de Pitanga), com um olhar nos fatos quer acontecem ao seu redor, faz da moça
sua musa inspiradora em seu atelier fotográfico; e do outro lado o marido
Ernani (Zécarlos Machado), um pastor que lança palavras de estímulos aos seus
devotos, mostrando o suposto caminho do bem e alertando sobre os problemas que
rondam a região, tendo em vista as constantes devastações da Floresta Amazônica
com as consequências do clima, vegetação, relevo, fauna, flora e a preservação.
Fala das queimadas e da ausência de um governo mais atuante e divorciado das
peculiaridades daquelas pessoas humildes.
Aproveitando mote do romance proibido, os diretores mostram
um povo empobrecido no Pará, predominantemente de índios, onde seus habitantes
vivem em condições precárias pela pobreza ali arraigada, bem próxima dos
protagonistas principais e com uma boa dose de densidade aos personagens são
evidentes em cada cena que avança até o epílogo, fluindo belas imagens de uma
fotografia esplendorosa, entrecortadas por cenas apimentadas de sexo com um
erotismo de muita sensualidade.
O drama vai crescendo aos poucos, mas já no início o dono do
jornal (Gero Camilo) alerta o fotógrafo e antevê dias difíceis e conturbados,
ao recitar versos de poemas de Cecília Meireles, numa clara alegoria de um
final com tendência de tragicidade. Tanto a perda do olho de Cauby, como o estado
de catatonismo de Lavínia, são ingredientes sinistros de uma região violenta e
acometida de selvageria, passando por um processo de incivilização de povos e
governantes dentro de um sistema bancarrota. Dá margem para um olhar
preocupante e devastador de uma área geográfica em conflito de cangaceiros. É
visível que o pistoleiro está presente e bem perto como uma ameaça, como na
cena em que o fotógrafo o recebe sem perceber, mas que dará desdobramentos por
mortes encomendadas e prisões de inocentes com o transcorrer da trama.
Eu Receberia... mostra-se como uma película pungente com
bastante intensidade no desenrolar. Aborda o passado da musa no Rio e Janeiro
com magnífica discrição, sem ser omisso e deixando os fantasmas surgirem em sua
cabeça, razão pela qual resiste em deixar o marido pastor. A doença da
hibernação que a aflige causa-lhe medo, diante da possibilidade da reviravolta
que teria de dar em seu futuro. Luta contra as lembranças da vida marginal que
a persegue, estando agora num quase isolamento no interior da Amazônia,
buscando exorcizar freneticamente os fantasmas que estão ao seu redor.
O filme fala de amor e de interação entre personagens que
querem se reabilitar. Lavínia tem na ânsia da paixão e da insaciabilidade o regozijo
de uma situação menos opressora, diante do contexto de um espaço imaginário,
onde a emoção está acima da razão como forma de escapar da perversidade de um
mundo infestado de maledicências e picuinhas. Ciasca e Brant conduzem o filme para um clímax adequado sem
firulas e exageros, nem dispersivo ou apelativo. Brant é um diretor seguro e
completou agora seu sétimo longa-metragem, com destaques para os anteriores O Invasor (2002), Ação entre Amigos (1998), e o melhor de todos é Os Matadores (1997). Fica um recado da
obra: o cinema brasileiro precisaria de outras realizações deste nível de
reflexão como este excelente e maduro longa, que faz pensar e tentar entender o
universo humano.