segunda-feira, 26 de abril de 2010

Chico Xavier- O Filme



Chico Universal

Daniel Filho é um diretor de atores e atrizes e sua condição de ter trabalhado em TV o ajuda muito neste aspecto. Tem as estrelas na mão e sabe o que faz com simplicidade, embora muitas vezes se deixe trair e misture linguagem televisiva com cinematográfica. Não é o caso, portanto, de Chico Xavier- O Filme, onde mantém uma capacidade de prender o público com boa fluência narrativa, desenvolvendo com moderada dose emocional seus 125 minutos, onde conta a vida do médium espírita mais famoso do Brasil, razão pela qual está levando multidões ao cinema. Esta cinebiografia relata a vida em flashbacks de Chico Xavier desde criança (Matheus Costa) quando ouvia vozes de pessoas falecidas, entre elas sua mãe (Letícia Sabatella).

Seus relatos eram sempre ironizados e desprezados pelos adultos, sob alegação da influência do demônio que estaria por trás nas imaginações férteis do garoto. Sofre nas mãos da madrinha (Giulia Gam) que o cuida por pedido do pai ausente por suas viagens (Luís Melo). Tem apoio e compreensão na madrasta (Giovanna Antonelli) que o incentiva e o encaminha com suavidade para sua obstinada busca religiosa. Ao atingir a maioridade (Ângelo Antônio) passa a usar sua mediunidade para psicografar cartas de pessoas mortas em sessões espíritas ou em seu isolamento mental. Logo, torna-se famoso na sua cidade natal, acaba se mudando para Uberaba e tem a oposição feroz do padre (Cássio Gabus Mendes) que o acusa de fraude, ao publicar livros de pessoas famosas que morreram. O médium sempre atribui suas autorias ao espírito de luz Emmanuel e em algumas ocasiões a Bezerra de Menezes.

Mas há a presença amiga do padre Scarzelo (Pedro Paulo Rangel) que o aconselha para ser uma pessoa correta e pregadora espiritual com apenas uma palavra dita porém três vezes: disciplina. Sua fama corre o mundo e já envelhecido (Nélson Xavier- incrível a semelhança do ator com o personagem) irá participar do célebre programa Pinga-Fogo, na década de 60, na Rede Tupi, sob o comando de um experiente âncora (Paulo Goulart), tendo na direção de imagem Orlando (Tony Ramos) casado com Glória (Christiane Torloni), que coincidentemente tem um filho morto pelo melhor amigo, através do disparo de um revólver.

É solenemente questionado à exaustão com a a participação ao vivo de telespectadores, mas ainda sem cores. Responde às perguntas e fala com enorme capacidade de comunicação de sua trajetória no espiritismo. A perda do filho de Glória e de Orlando é o mote principal da trama, procurando manter a densidade e atenção da plateia embebecida pelos dotes mediúnicos de Chico Xavier e sua tolerância como pessoa humana, bem como seu desprendimento quase beiram à catarse. A carta psicografada é levada ao tribunal e aceita pelo juiz e a absolvição pelos jurados é um fato histórico relatado no livro de Marcel Souto Maior que deu origem ao roteiro da película. A infância sofrida, a resistência contumaz da igreja e os processos sofridos pelo Conselho de Medicina não o fazem desistir, acarretando em mais fiéis que vão se avolumando e sua fama ultrapassa as fronteiras do Brasil, chamando a atenção de jornalistas do exterior.

Mesmo sendo defenestrado pelo catolicismo e pelos médicos, sendo chamado de charlatão, contrói sua imagem e atinge o ápice como uma das figuras de maior autoridade e ilibada conduta, com créditos irrefutáveis pela sua dignidade e obsessiva paixão pelo amor aos próximos. Numa das cenas revela ser um um homem de carne e osso, com suas fragilidades inerentes do ser humano, ao gritar e esbravejar dentro do avião que está passando por uma zona de turbulência. Ainda que a igreja restrinja e se oponha ao médium Chico Xavier, fica clara a universalidade do longa, tanto pelo público que o assiste, como nos debates nas rodas familiares e nos locais de trabalho.

Pessoas cadeirantes vão assistir com fé e buscam na prece de Cáritas, no epílogo do filme, quase que uma redenção de seus problemas, colocando a religiosidade na busca para a cura de suas doenças. Chega a ser comovente tal cena, com pessoas rezando no cinema ou com os olhos marejados de lágrimas, com as almas mais leves e lavadas. Nem percebem ou quase que passa que despercebido que, as luzes quando começam a se acender, está rodando a entrevista antiga do Pinga-Fogo e sai de cena Nélson Xavier, pois diante de sua semelhança acaba por confundir muitos espectadores nos créditos finais. Poucas pessoas abandonam a sala, permanecendo até o último segundo das orações emanadas da tela, saboreando como se fose a cereja do bolo.

Chico Xavier- O Filme é um longa-metragem diferente pela emoção e pela expectativa criada em volta deste monumental personagem do mundo espiritual, que morreu exatamente no dia em que os brasileiros comemoravam a conquista da Copa do Mundo, em 30 de junho de 2002, assim como sempre planejara e difundia partir para a eternidade, sem traumas, dores e tristeza de seus seguidores e aficcionados.

Uma lição de vida para todas as classes sociais de A a E que o assistem, do pobre ao mais abastado, do branco ao negro, da criança ao mais idoso; enfim, a universalidade é o que pregava, sem preconceitos ou preferências, afastando-se do mundo financeiro. Pobre ficou e feneceu, pois doava o dinherio de seus livros assim como se doava às pessoas.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar



Autoritarismo Familiar

Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar
é o mais novo filme deste próspero diretor francês Christophe Honoré, que se debruça e aborda com sensibilidade as lacunas e os conflitos familiares. Os prazeres da vida e os seus incômodos restritos as suas peripécias e andanças multifacetadas, tendo na mãe a figura da falsa moralista e conservadora, embora com um passado nada recomendável para tanta tirania e proselitismo.

Este tema faz parte essencial de sua filmografia com seu estilo humano e preocupado com os elementos decorrentes do núcleo da família, assim como já o fizera no Em Paris (2006), tratando o relacionamento de dois irmãos que moram com o pai, que acabara de se separar da mãe, convivendo com tragédia da morte da irmã e da depressão profunda com tendências suicidas do irmão mais velho que rompera com a noiva. Já em A Bela Junie (2008), a garota de 16 anos apresenta problemas de relacionamento na escola, logo após a morte da mãe e o suicídio aflora novamente como temática contundente para Honoré.

Lena (Chiara Mastroianni- divinamente bela e talentosa- a filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve dá aula de interpretação) é uma mãe de dois filhos, recém-separada, larga o emprego num hospital de Paris e vai morar com os pais e os irmãos na Bretanha, interior da França, onde passou sua infância. É surpreendida num belo dia com a presença incômoda do ex-marido (Jean-Marc Barr) que fora convidado pela sua mãe Annie (Marie-Christine Barrault) para tentar conciliar seu casamento. Lena não é vista como pessoa normal por Annie que a controla como se fosse uma criança grande; tem na figura do pai (Fred Ulysse) a meiguice e a solidariedade paterna, ainda que ausente diante do temor constante da morte; no irmão caçula (Julien Honoré) uma pessoa insegura com um namoro instável; surge o amante e apaixonado pretendente (Louis Garrel- ator fetiche do diretor, trabalhou em três filmes recentes de Honoré); tem ainda na irmã grávida (Marina Föis) a intromissão inadequada.

O núcleo familiar é debatido e questionado com veemência. A opressão materna é o centro nuclear debatido, tendo um controle desmedido do rumo e destino de seus descendentes. A relação conflitante de pais e filhos é evidente, especialmente pela figura materna, já questionada tantas vezes: tanto pela separação, morte e opressão na sua filmografia pequena mas claramente atenta com o cerne familiar como da figura autoritária matriarcal.

Sua crítica é reveladora ao demonstrar o passado da mãe, com vestígios e confissões incongruentes com seu discurso moralista, devastado pela sua inaptidão no trato com a filha. Fica a falsidade das palavras e dos atos hostis e degenerativos entre mãe e filha e a inclusão indesejada do ex-marido que é um pai ausente e relapso com seus filhos. Novamente vem o embate pais e filhos e seus propósitos de relações afetivas. O longa Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar pode ser classificado como uma maturidade atingida pela mescla do equilíbrio de um roteiro enxuto e na abordagem direta, sem grandes metáforas.

Lembra em muito o magnífico O Casamento de Rachel (2008), de Jonathan Demme, pelas adversidades e conflitos familiares reinantes num ambiente que era para ser festivo e virou infernal. Também em Nome Próprio (2007), de Murillo Sales, a força e a coragem de Camila que quer ser escritora a qualquer preço, aparecem como elementos de uma inglória luta constante desta personagem, assim como de Lena para ter sua independência familiar, soltando as amarras desta mulher que tem pretensões diferentes daquele mundo que lhe é imposto quase por coação e impulsionada por valores morais conservadores e nada éticos. Em Um Conto de Natal (2008), do talentoso diretor francês Arnaud Desplechin, a perda de um filho ocasiona uma catarse nos pais refletindo nos outros dois irmãos que sofrem toda a angústia da perda e da culpa, associadas como fator de desagregação, assim como na obra-prima francesa Horas de Verão(2008), de Olivier Asayas, que aprofunda com maestria o ecossistema familiar demonstrando toda a desarmonia quando morre a mãe e os filhos brigam pela divisão patrimonial dos bens e seguem caminhos distintos, fundindo o elo até então existente.

A busca da lenda bretã é emblemática, não só por dar o título ao filme, como as tentativas diversas da moça que vai derrubando todos seus pares de forma inapelável em slow motion. Os mitos se revelam e as aparências não são o que se parecem ser. Fica a mitologia na tela e Honoré conduz o longa como se fosse um condão de diversidades e vai se equilibrando para o epílogo. Há os corpos de nus frontais dos irmãos revelando o exibicionismo ingênuo de uma geração perdida e em conflito. Porém, para Lena há evidências de uma dívida de amor ou uma culpa pelo passado que agora no presente lhe espera para resgatar seus tormentos e aflições que estão ancorados em sua cabeça.

A citação do filme Interlúdio (1946), de Alfred Hitchcock, em que Ingrid Bergman evidencia a divisão de seu coração em dúvidas demonstra as fases da vida de Lena: campo e cidade; submissão e rebeldia; mitologia e realidade. Por toda a sua complexidade e seu dinamismo de abordagem singular, Honoré vai se firmando como um diretor maduro e de indiscutível criatividade, com temas atuais e complexos, acarretando em análises psicológicas dignas de um artesão voltado para um mundo em tempo real.

Assistir seus filmes dá prazer e a mesmice passa longe, desabrochando toda uma alegoria de inventibilidade criativa da mais alta finesse e suavidade, mesmo que ocorra pela forma do choque necessário e sempre alerta, visa mexer com o espectador mais desatento ou que busca somente o entretenimento.