Vem do consagrado cineasta Bruno Barreto o sensível drama Flores Raras, com roteiro de Matthew
Chapman e Julie Sayres, baseado no livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmen
L. Oliveira, que abriu oficialmente a 41ª. edição do Festival de Gramado deste
ano. É o 19º. longa do diretor brasileiro que tem em sua filmografia obras
badaladas como Dona Flor e Seus Dois
Maridos (1976), O Que é Isso
Companheiro? (1997) e Última Parada
174 (2008).
Aborda o romance entre a arquiteta carioca Lota de Macedo
Soares (Glória Pires- está magnífica e impecável na interpretação deste difícil
papel) com a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop (a australiana Miranda
Otto em inspirada e surpreendente atuação). Elas vivem uma grande e louca paixão
no Brasil, completamente fora dos padrões para a época, durante os anos 50 e 60,
interligando o choque cultural ao relacionamento das duas mulheres. A
trajetória acompanha por 16 anos a turbulenta união que abalou o amor de Lota
com sua namorada, a dançarina americana Mary Morse (Tracy Middendorf), que
recebe como recompensa uma criança como adoção. A felicidade aparente de seus
sorrisos num mundo heterossexual esbarra nos ciúmes e desilusões do
relacionamento a três na mesma casa.
O filme apresenta uma companheira disposta na ajuda à poetisa,
uma das mais importantes do século XX, que veio para o Rio de Janeiro em 1956,
depois de restabelecer e assumir a relação. Constrói em Samambaia uma linda
residência no morro de bela vegetação, local de inspiração que dará o Prêmio
Pulitzer pela publicação de suas poesias à Bishop, uma mulher sensível,
alcoólatra, de personalidade frágil e com problemas existenciais pelas frequentes
lembranças de um passado marcado pela mãe e as internações abruptas no
hospício. Não esconde seu desconforto e até uma decepção acentuada com o povo
brasileiro, que jogava bola nas praias do Rio em pleno golpe militar de 1964,
sem demonstrar irresignação com a situação política caótica.
Lota é filha de um político frio e distante, o protótipo pai
ausente que não tem um vínculo afetivo familiar. Consagrou-se ao idealizar o
Parque do Flamengo, porém o drama a retrata como uma mulher forte que desaba
por amor e entra em depressão pela perda circunstancial da amada. Barreto
conduz a trama com habilidade e demonstra sensibilidade no trato das
personagens e suas relações homossexuais. Mostra duas pessoas maduras e livres
de preconceitos para uma união de quem se apaixona perdidamente e que vivem dias
esplendorosos em suas vidas profissionais, fruto do vínculo afetivo e da
cumplicidade. Mas há o viés da discórdia da preterida que nunca esqueceu esta
condição, embora esteja radiante como mãe afetiva, falta-lhe o complemento de
quem ama e que a trocou por outra. Neste aspecto há o tom do melodrama e o
filme dá uma caída, indo ao encontro do romance frustrado e até novelesco,
porém não chega ruir com a proposta consolidada.
O longa faz uma reflexão sobre a existência nos versos bem
elaborados, como também mostra a dor da perda e a busca da interação em todos
os momentos de suas vidas. A angústia se faz presente e toma conta dos próximos
dias e do futuro nebuloso que se aproxima para as apaixonadas. A melancolia da
poetisa e suas bebedeiras homéricas contrastando com o pragmatismo da arquiteta
que dá apoio a Carlos Lacerda (Marcelo Airoldi) na sua pretensão de chegar à
presidência da República, mais a mentira da dançarina sobre as cartas e sua
incômoda situação de voyeur são
situações que irão desembocar em rupturas.
As atuações marcantes de Glória Pires e Miranda Otto, fazem
de Flores Raras um filme comovente e
sutil. Delicado em determinados momentos na sua estética, corroborado por uma
bela fotografia com imagens radiantes para dar beleza na história, por vezes
triste e em e outras que emocionam. Os versos da poetisa são pura poesia para
uma americana que vivia seu mundo à parte e eram inevitáveis os rumos
diferentes tomados pelas protagonistas, mas na realidade nunca se afastam
totalmente, pois o vínculo da união é mantido com construção e rompimento. Sem
acenar com facilidades demagógicas para problemas complexos ou na defesa de uma
causa. Deixando tão somente a força da paixão ser mais forte do que manter os
laços de união. Uma reflexão dos costumes e do moralismo abordados com razoável
profundidade.