terça-feira, 27 de agosto de 2013

Flores Raras



Perdas Amorosas

Vem do consagrado cineasta Bruno Barreto o sensível drama Flores Raras, com roteiro de Matthew Chapman e Julie Sayres, baseado no livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmen L. Oliveira, que abriu oficialmente a 41ª. edição do Festival de Gramado deste ano. É o 19º. longa do diretor brasileiro que tem em sua filmografia obras badaladas como Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), O Que é Isso Companheiro? (1997) e Última Parada 174 (2008).

Aborda o romance entre a arquiteta carioca Lota de Macedo Soares (Glória Pires- está magnífica e impecável na interpretação deste difícil papel) com a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop (a australiana Miranda Otto em inspirada e surpreendente atuação). Elas vivem uma grande e louca paixão no Brasil, completamente fora dos padrões para a época, durante os anos 50 e 60, interligando o choque cultural ao relacionamento das duas mulheres. A trajetória acompanha por 16 anos a turbulenta união que abalou o amor de Lota com sua namorada, a dançarina americana Mary Morse (Tracy Middendorf), que recebe como recompensa uma criança como adoção. A felicidade aparente de seus sorrisos num mundo heterossexual esbarra nos ciúmes e desilusões do relacionamento a três na mesma casa.

O filme apresenta uma companheira disposta na ajuda à poetisa, uma das mais importantes do século XX, que veio para o Rio de Janeiro em 1956, depois de restabelecer e assumir a relação. Constrói em Samambaia uma linda residência no morro de bela vegetação, local de inspiração que dará o Prêmio Pulitzer pela publicação de suas poesias à Bishop, uma mulher sensível, alcoólatra, de personalidade frágil e com problemas existenciais pelas frequentes lembranças de um passado marcado pela mãe e as internações abruptas no hospício. Não esconde seu desconforto e até uma decepção acentuada com o povo brasileiro, que jogava bola nas praias do Rio em pleno golpe militar de 1964, sem demonstrar irresignação com a situação política caótica.

Lota é filha de um político frio e distante, o protótipo pai ausente que não tem um vínculo afetivo familiar. Consagrou-se ao idealizar o Parque do Flamengo, porém o drama a retrata como uma mulher forte que desaba por amor e entra em depressão pela perda circunstancial da amada. Barreto conduz a trama com habilidade e demonstra sensibilidade no trato das personagens e suas relações homossexuais. Mostra duas pessoas maduras e livres de preconceitos para uma união de quem se apaixona perdidamente e que vivem dias esplendorosos em suas vidas profissionais, fruto do vínculo afetivo e da cumplicidade. Mas há o viés da discórdia da preterida que nunca esqueceu esta condição, embora esteja radiante como mãe afetiva, falta-lhe o complemento de quem ama e que a trocou por outra. Neste aspecto há o tom do melodrama e o filme dá uma caída, indo ao encontro do romance frustrado e até novelesco, porém não chega ruir com a proposta consolidada.

O longa faz uma reflexão sobre a existência nos versos bem elaborados, como também mostra a dor da perda e a busca da interação em todos os momentos de suas vidas. A angústia se faz presente e toma conta dos próximos dias e do futuro nebuloso que se aproxima para as apaixonadas. A melancolia da poetisa e suas bebedeiras homéricas contrastando com o pragmatismo da arquiteta que dá apoio a Carlos Lacerda (Marcelo Airoldi) na sua pretensão de chegar à presidência da República, mais a mentira da dançarina sobre as cartas e sua incômoda situação de voyeur são situações que irão desembocar em rupturas.

As atuações marcantes de Glória Pires e Miranda Otto, fazem de Flores Raras um filme comovente e sutil. Delicado em determinados momentos na sua estética, corroborado por uma bela fotografia com imagens radiantes para dar beleza na história, por vezes triste e em e outras que emocionam. Os versos da poetisa são pura poesia para uma americana que vivia seu mundo à parte e eram inevitáveis os rumos diferentes tomados pelas protagonistas, mas na realidade nunca se afastam totalmente, pois o vínculo da união é mantido com construção e rompimento. Sem acenar com facilidades demagógicas para problemas complexos ou na defesa de uma causa. Deixando tão somente a força da paixão ser mais forte do que manter os laços de união. Uma reflexão dos costumes e do moralismo abordados com razoável profundidade.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Bling Ring- A Gangue de Holywood



















Tédio Luxuoso

Com Bling Ring- A Gangue de Holywood, Sofia Coppola novamente se debruça sobre o tédio, tema recorrente da cineasta juntamente com solidão, presentes em todos seus filmes, como visto recentemente em Um Lugar Qualquer (2010), ao realizar um ensaio instigante solidificou-se como uma cineasta voltada para as coisas simples do cotidiano no aspecto genérico, mas ao mesmo tempo tão complexas no abismo que é o sentimento humano e a vida sem sentido. Assim foi também no fabuloso Encontros e Desencontros (2003), com o frenesi das luzes de Tóquio fustigando um casal perdido numa imensa selva de pedra, com a iluminação colorida servindo como um cenário estonteante pelos contrastes de beleza e angústia. A agonia das almas estava estampada em cada rosto ou gesto. Mas em Maria Antonieta (2006), apesar de alguns excessos por histrionismos exagerados, não chegou a comprometer o bom resultado.

Neste seu quinto longa-metragem, a diretora se baseia em fatos reais extraídos da revista Vanity Hair, sobre uma reportagem com o título Os Suspeitos Usavam Louboutins, escrito pela jornalista Nancy Jo Salesb, posteriormente virou um livro, abordando o culto da fama pela sociedade consumista. Aparentemente nada mais banal do que cinco adolescentes reunirem-se para invadir casas em Los Angeles, entre 2008 e 2009, sob a argumentação pífia da obsessão pelas roupas, sapatos, joias, pinturas femininas e carro conversível de artistas famosos fashions, entre os quais Paris Hilton, Megan Fox, Lidsay Lohan, Orlando Bloom.

Coppola usa o artifício do pretexto dos furtos para abordar o tédio de jovens solitários que fumam e cheiram drogas, para depois cometer delitos que vão se avolumando cada vez mais numa ciranda sem fim. Uma reflexão sobre a juventude atual é proposta, como realizada no filme Na Estrada (2012), de Walter Salles, ainda que de outra época, retrata a saga da contracultura dos jovens perdidos no mundo do pós-guerra, deixando nítidos os reflexos violentos do período da Grande Depressão americana de 1929.

O drama norte-americano reconstitui os adolescentes de uma gangue juvenil oriundos de pais ausentes e com problemas de relacionamentos. Saem sufocados de suas residências no subúrbio à procura de aventuras, indo ao encontro da diversão perigosa de invadir suntuosas mansões de celebridades que acarretará em transtornos irreversíveis nas suas vidas pacatas, diante do fato inequívoco da ilegalidade pelos furtos e roubos que se sucedem. A cineasta já havia realizado uma obra similar em As Virgens Suicidas (1999), ao enfocar uma família saudável e próspera que vive num bairro de classe média, composta por um professor e a esposa religiosa, com cinco garotas adolescentes que atraem a atenção dos rapazes da região. Diante do suicídio de uma delas, as relações familiares se fragilizam e se estabelece um confronto para burlar as rígidas regras da mãe.

A cineasta retrata o valor estimativo dos objetos subtraídos e concomitantemente foca o jovem de baixa autoestima, que busca fama e se satisfaz ao conquistar mais de 800 amigos virtuais no Facebook. A banalidade se sobrepõe ao rigor das normas de civilidade que são questionadas e colocadas em xeque por pessoas vazias e sem objetivo de vida que se satisfazem numa diversão ilegal, mas utilizada como protesto na busca da legitimação para os atos juvenis inconsequentes. Porém, o culto ao dinheiro e aos ídolos são retratados linearmente e não chega a ser aprofundado. Há muita perda de tempo em cenas de planos longos de planejamento, para após invadir as casas; bem como desnecessárias e cansativas as sessões de maquiagens e danças incessantes, sem elipses precisas para o corte.

O tédio como vazio existencial de uma solidão nos tempos modernos e virtuais é abordado com razoável complexidade. Falta um mergulho maior na estrutura psicológica dos personagens principais Marc (Israel Broussard) e Rebecca (Katie Chang), pseudônimos de Nick Prugo e Rachel Lee, além das outras garotas interpretadas por Taissa Farmiga, Emma Watson e Claire Julien. Está sem consistência estrutural a tese desenvolvida sobre os ensinamentos do best-seller de autoajuda O Segredo, contrapondo com a desglamourização dos anti-heróis da diretora, ao ser mencionado o clássico Bonnie & Clyde (1967), de Arthur Penn.

Bling Ring- A Gangue de Holywood traz reflexões tênues sobre a existência vazia dos adolescentes, diante da ausência dos pais na educação e na cultura dos filhos, embora rasa a proposta que não avança na montagem, ao deixar o drama enfadonho nos seus dois terços iniciais. As soluções previsíveis ficam para epílogo e já são aguardadas pelo desenrolar da trama sobre as futilidades que se desdobram e resultam na delinquência precoce por falta de limites que leva o indivíduo ao sofrimento maior pelo desconforto da vida.

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Hannah Arendt



Pensamento Polêmico

Novamente a cineasta Margarethe Von Trotta faz parceria com a excelente atriz Barbara Sukowa no seu último longa-metragem Hannah Arendt, coprodução da Alemanha com a França. Em 1986, Barbara interpretou Rosa de Luxemburgo, de Margarethe e dividiu a estatueta de melhor atriz em Cannes com a brasileira Fernanda Torres. Sua carreira decolou com o genial diretor alemão Rainer Werner Fassbinder em Berlin Alexanderplatz (1980) e Lola (1981). Está impecável e atua magistralmente no papel da filósofa judia-alemã cinebiografada (1906-1975). Dá vida e emoção no desenrolar do filme, mostra-se madura e de um potencial inato de interpretação exuberante, como poucas vezes visto no cinema e arrasa. Há algumas expressões faciais, além do sorriso tímido que lembram Marieta Severo.

A narrativa foge do linear e vai traçando um painel diversificado da protagonista, com flasbacks do passado e sua relação amorosa com o festejado filósofo Heidegger, seu grande mestre de influência acadêmica, intercalando no aparente casamento sólido com o crítico Heinrich Blutcher (Alex Milberg), dando uma dimensão natural e singular. Hannah é uma mulher feminista para a época, sempre com um cigarro na boca, embora refutasse esta definição, assim como renegava ser chamada de filósofa. A trajetória de escritora se desenvolveu rápido por frequentar ambientes de intelectuais renomados. É imperioso destacar que o sionismo sempre esteve presente em suas obras literárias e ao escrever artigos para a revista norte-americana The New Yorker, pois fora contratada para cobrir o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann, um dos responsáveis pela morte de seis milhões de judeus nos campos de concentração, que foram reunidos no polêmico livro Eichmann em Jerusalém, em 1963. Consagrou-se com a expressão “a banalidade do mal” e publicou ainda As Origens do Totalitarismo, publicado em 1951, mas foi acusada ainda assim de antissemita, embora tenha no passado se exilado na França, com fuga para os EUA em 1941, para se livrar da fúria do nazismo.

A cinebiografia com uma dramaticidade em alto estilo retrata a controversa polemizada pela publicação dos artigos nos EUA, ao escrever que nem todos os criminosos de guerra eram os monstros que se faziam crer e que Eichmann não era nenhum Mefisto, em referência ao famoso romance Fausto de Goethe, afirmando que o julgamento em Jerusalém era de fachada e não passava de uma farsa. Causou grande celeuma, com cartas sendo enviadas para sua residência e para a revista com protestos de ira e ódio, inclusive ameaças de morte.

Hannah foi marcante como pensadora no século XX, por ter ideias corajosas, avançando na discussão pela reflexão sobre “pensar”, invocando Platão e Sócrates para defender sua tese, onde afirma que o homem que se submete a cumprir ordens superiores para executar crimes contra a humanidade, deixa de ser racional e age mecânica e instintivamente sem ser adepto da maldade. Além de Heidegger, teve influência na carreira o mentor sionista alemão Kurt Blumenfeld (Michael Degen), com quem discute num café em Jerusalém, sobre os rumos do julgamento imparcial do acusado em Israel, que fora sequestrado em Buenos Aires. Há fidelidade na trajetória contada pelos pensamentos liberais, porque embora não postulasse inocência do executor por não saber o que estava fazendo, aprovou a condenação na forca pelo ato da consumação. Sua teoria direcionava para a política de assassinatos em massa e que o algoz apenas cumpria ordens superiores, tendo em vista que o fato de já ser uma besta humana o impedia de pensar.

Hannah Arendt é um filme sobre a intolerância para com o raciocínio da escritora que ama as pessoas e não os povos, como afirma numa cena. A diretora deixa fluir as fragilidades da protagonista, como do mal desafiando o pensamento do bem, ou a burocracia se sobrepondo ao livre modo de expressão de uma intelectual. São colocadas questões como as contradições do mestre Heidegger aderindo ao nazismo, embora a independência das ideias Hannah seja execrada pelos incautos, sofre uma campanha urdida por incomodar na teimosia de posicicionar-se livremente, utilizando seu sarcasmo e frieza para desmontar o estatuto moral das vítimas, diante da mediocridade do revanchismo sem freios e por mencionar a culpa indireta em falsos líderes judeus no genocídio.

Um filme polêmico e ao mesmo tempo instigante pela forma e o conteúdo em desbravar um universo de mentiras e calúnias, por isso uma extraordinária obra para ser vista e discutida, ao retirar os véus da linearidade e abordar com pluralismo de opiniões, sem cometer excessos ou devaneios inconsequentes de uma mulher fascinante, de bom gosto literário, senso crítico apurado, determinada e que nunca se submete aos caprichos dos que pretendem lhe tirar alguma vantagem. Contundente nas recordações sobre os desdobramentos da vida, seus ensinamentos reflexivos e as emoções existenciais.

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Amor Pleno














Paixões Tediosas

O bissexto e ermitão cineasta Terrence Malick tem por formação a filosofia. Leva uma vida de enclausuramento, não dá entrevistas, raramente é fotografado e passa anos sem filmar. É perfeccionista em seu trabalho, roda centenas de negativos e usa seu tempo burilando material para editar uma obra. Realizou em 2011 o fabuloso A Árvore da Vida, porém desta vez não deixou passar muito tempo para realizar um novo longa. E este veio em forma de continuidade do filme anterior, filosofando sobre o amor e as paixões desencontradas, o vazio existencial e a busca pelo imaginário da completude da vida em Amor Pleno. Se no drama anterior falava sobre a ausência de Deus, interligando religião com a perda de um dos três filhos, questionando a opressão do pai. Agora reverte a situação e faz uma verdadeira ode a Cristo pelos ensinamentos do padre Quintana (Javier Barden- caricato e irreconhecível), um exilado religioso que luta arduamente com os desígnios da vocação.

A trama é um experimental poema sobre o nada e o tudo, com interpretações sob a luz natural, numa linda fotografia e um cenário radiante de flores espalhadas pelos campos, enormes gramados regados por chafarizes numa cidade interiorana dos EUA, depois de uma breve passagem por Paris e a ponte dos cadeados dos amantes apaixonados. Neil (Ben Affleck- se raramente atua bem, agora está pior do que nunca) é um homem infeliz e indeciso em seus romances. Conhece a francesa Marina (Olga Kurylenko) na Cidade Luz e se casam, mas a mulher tem como interesse maior obter seu green card para estabelecer-se definitivamente nos Estados Unidos, depois de ser abandonada pela filha de 10 anos que foi morar com o pai num lugar distante. O casamento por conveniência traz dissabores e uma degradação iminente na relação conturbada. Neil reencontra sua ex-namorada Jane (Rachel McAdams) e engata uma reconciliação com promessas de um relação sólida.

Tanto na forma como no conteúdo de Malick está o empirismo estético e cansativo de figuras humanas flutuando de um lado para outro, sem se encontrar com o que querem ou nem sabem o que procuram. Na realidade parecem zumbis dilacerados num contexto de cores esfuziantes, com a alma em pedaços num tédio fastidioso que danifica a ideia da continuidade, causando bocejos, diante do excessivo esvaziamento da proposta. A narrativa peca pela falta de estrutura, ao usar um artifício perigoso como de não dar seguimento verossímil aos personagens. Descontextualizado e solto para manejar em off com som, imagem e música, resultando numa miscelânea desastrosa de montagem e que leva o drama a sucumbir inapelavelmente.

Amor Pleno está dissociada e distante das obras–primas do cineasta, tais como: Terra de Ninguém (1973), Cinzas no Paraíso (1978) e Além da Linha Vermelha (1998). Malick é um artesão na acepção a palavra como poucos, mas que se perdeu pelo abuso voluntário do excesso nesta obra sequencial, como um segundo filme de uma trilogia sobre a existência, o sentido da vida e um olhar no futuro da humanidade. Talvez feche o ciclo e reapareça a arte e o poder de criação num futuro, deixando para trás esta complexa viagem enfadonha ao infinito.

Eis um drama sensitivo pela estética, mas sem força de construção de personagens. Mexe no cérebro e com o equilíbrio do espectador na sua plenitude, para uma reflexão até o fim da existência, sem ter a pretensão de chegar a algum ponto de vista racional, embora crucial, mas se deixa levar por pensamentos menores e simplistas, dando luz para um olhar frustrado que aflora desordenadamente, embora haja o impacto sensorial num presente momentâneo não consegue trazer reflexões do grande enigma da vida. Sobra ousadia, mas falta densidade dramática no contexto das cenas que se tornam estéreis por ausência rítmica de elaboração plausível. São sequências sem diálogos na busca do indivíduo e sua insignificância no planeta.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Tese Sobre um Homicídio



















O Crime

Não é apenas mais um filme estrelado por Ricardo Darín, visto recentemente no longa Elefante Branco (2012), dirigido por Pablo Trapero, protagonizava um padre doente que vai ao encontro de um colega envolvido numa trama de tráfico de drogas, brigas de gangues e os subempregos de crianças no mundo do crime com muito realismo e expressividade. Agora o ótimo e sempre elogiado Darín interpreta o veterano advogado aposentado Roberto Bermudez, de 55 anos, que se dedica como professor de uma faculdade de direito, em Buenos Aires, no notável thriller policial Tese Sobre um Homicídio, que tem na produção a mesma equipe do badalado O Segredo dos Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella. A direção é de Hernán Goldfrid, que estreou no longa-metragem Música en Espera (2009), teve no enxuto roteiro a assinatura de Patrício Vega, que se baseou no livro de Diego Paszkowski, mostra seus méritos em torno da expectativa criada do acusado e as reviravoltas da trama, sugerindo um clima investigativo de suspense como nos velhos policiais noir.

Foi visto por quase dois milhões de pessoas na Argentina, o que não é pouca coisa, tem seu sucesso comparado a O Segredo dos Seus Olhos, vencedor do Oscar estrangeiro de 2010. Tem um enredo astuto com um crime acontecendo dentro do estacionamento da faculdade, sendo o corpo observado pelo catedrático de Direito Penal e seus alunos em plena aula. Antes do fato, um retardatário chega à sala e leva uma carraspana do docente, um recém-divorciado que pega as ex-alunas e não quer saber de compromissos sérios. Não é nenhum exemplo de sobriedade e retidão, mas seu ego é enorme e se infla rápido, diante de um invejável saber jurídico criminal desenvolvido em aula e mesclado com prepotência.

O filme gira para o egocentrismo invasivo do advogado na pele de um investigador de um crime que aconteceu embaixo de seus olhos. Isto lhe soa como imperdoável e logo sua dedicação para desvendar o enigma vem revelar uma pessoa obsessiva e a imaginação não tem limites. Faz recair toda a suspeita sobre o melhor aluno, um rapaz que é filho de um grande amigo e seu admirador confesso. O jovem Gonzalo (Alberto Ammann) passa a ser visto como um psicopata matador de mulheres, diante da tese do crime perfeito e suas regras são investigadas minuciosamente. As evidências são quase que montadas e os artifícios do professor direcionam como uma verdade absoluta à espera da próxima vítima, ou seja, a irmã da assassinada Valeria Di Natale.

Goldfrig conduz sutilmente o espectador para o discípulo querendo superar o mestre, deixando aflorar as circunstâncias que poderão incriminá-lo, mas centra o foco na obstinação tresloucada de Bermudez e o obsessivo direcionamento para a culpabilidade de Gonzalo, em face das teses sobre crimes e a perspicácia na abordagem da matéria com domínio amplo sobre o que fala e escreve. Suas andanças por países europeus e alguns crimes ocorridos por onde passou, deixam o professor ainda mais atilado e convicto de um serial killer de mulheres bonitas e atraentes. São retratadas nas cenas que se seguem um clímax da perda completa da lucidez e do aspecto ético profissional, com a ausência de imparcialidade na investigação paralela. Instala-se um caos nas improvisações que vão desde a polícia até a medicina legal, passando por um judiciário ultrapassado e inócuo, para resolver um simples crime num estacionamento de uma faculdade. É a falência de toda uma conjuntura estrutural de um sistema decadente. A morte é uma alegoria para a destruição de todos os setores e organismos das células de uma sociedade.

O longa-metragem policial faz refletir sobre o ciúme, diante da iminência da perda do domínio do poder. Estaria o advogado feliz com o que faz, após deixar a profissão e se dedicar a lecionar? Sua vida pessoal em descompasso e virada do avesso não seria um indicativo de insegurança? São questões colocadas com a ascensão rápida do seu pupilo, vem causar um transtorno de ansiedade e por consequência um labirinto de dúvidas com a lucidez se esvaindo, diante da imersão abalada no aspecto emocional e com a razão sendo colocada num plano secundário.

Tese Sobre um Homicídio aborda estas concessões e questionamentos lançados pelo cineasta, que busca uma cumplicidade do espectador para desvendar o crime ou indicar elementos com fartos subsídios para associar o prólogo com o epílogo, fazendo-o suspirar mais aliviado somente com os letreiros dos créditos finais na tela, neste excelente policial noir argentino que instiga. Um filme de closes nos rostos para mostrar os sentimentos dos personagens envolvidos e bem secundados por uma trilha sonora que dá o tom como um fio condutor, mostra-se eficiente e impecável na trama.