sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Tropicália


























Resistência pela Liberdade

Além de uma análise importante, é bem contado o contestado movimento musical homônimo no documentário Tropicália, que revelou como lideranças Caetano Veloso e Gilberto Gil, a partir de 1967. O diretor Marcelo Machado resgata uma fase cultural quase esquecida na história do Brasil, onde fervilhavam os festivais de músicas populares, com predominância os da TV Record, famosos por revelarem talentos numa época difícil na vida dos brasileiros que viviam amordaçados pelo regime ditatorial implantado em 1964. Em outubro de 1968, as garantias constitucionais foram cassadas com o fechamento do Congresso Nacional, uma subtração escandalosa dos estado de direito dos cidadãos, diante da edição do famigerado AI-5, um ato para calar quem era contra o Regime Militar.

O longa mostra Caetano e Gil sendo exilados do país, com destino involuntário de Londres, pois suas canções incomodavam, apesar de serem muitos sutis ao usarem metáforas, como se depreende com músicas aparentemente ingênuas, como a Baby, cantada por Gal Costa, ao pronunciar “da margarina”, “da gasolina”, dentro de um contexto de insatisfação. Caetano não era visto com muita simpatia ao cantar Alegria, Alegria, mencionando a Coca-Cola, Brigite Bardot e bombas, embora sem maiores conotações políticas. Ou ainda a magnífica “É proibido proibir”. O compositor em entrevista para uma TV de Lisboa com seu companheiro Gil, entendia que o movimento deixara de existir com o exílio. Há ainda uma passagem pelo Festival de Ilha Weight, na Inglaterra, com a canção “Shoot me dead”, numa bela passagem cantando com o escritor Antônio Bivar tocando violão.

O documentário que levou cinco anos para ser produzido, avalia os efeitos do furacão e o impacto do Tropicalismo  na música como choque cultural nos brasileiros, causados por ídolos ainda em atividade, como os próprios protagonistas, Gal Costa, Maria Bethânia e os Mutantes de Rita Lee e Arnaldo Batista, fortemente influenciados pelos Beatles, onde se realçava as roupas coloridas e diferentes das que ditavam a moda na época. Havia uma resistência muito grande pela introdução da guitarra elétrica, logo associada ao rock and roll dos EUA e Inglaterra, inclusive com passeatas de movimentos contrários. Mas ao mesmo tempo enfatiza o acerto da mescla deste instrumento elétrico com sons pífaros do Nordeste.

O Tropicalismo tinha que derrubar enormes barreiras, pois era visto como um movimento regional de cantores baianos não reconhecidos pelos grandes astros como o Rei Roberto Carlos e Chico Buarque. Era uma ideologização pela busca de um novo movimento, como aconteceu equivocadamente com a Tropicália, conflitada por equívocos dos defensores intransigentes da MPB, Bossa Nova e a Jovem Guarda. Havia uma grande efervescência musical contrapondo timidamente com o ápice da ditadura militar e os tempos duros que não poupavam ninguém, mas os festivais pululavam e incendiavam a juventude nas grandes noitadas na televisão como uma histeria nacional, através de gritos, urros e vaias, para quem não caía nas graças da plateia, dentro de um confronto de ideologias, arrebatando audiências fantásticas no embalo musical, pois as novelas não tinham o poder de persuasão e contundência dos dias de hoje, como bem retrata o excelente documentário Uma Noite em 67 (2010), de Renato Terra e Ricardo Calil.

Tropicália mostra uma juventude bradando pelo antiamericanismo e o nacionalismo sendo o grito de guerra em forma de protesto contra a ditadura. O inconformismo de uma geração amordaçada estava por todos os lados. Os festivais eram como uma válvula de escape, assim como foi a extraordinária manifestação de cem mil pessoas no enterro do estudante secundarista Édson Luís, que morreu no Rio de Janeiro, em março de 1968, assassinado pela Polícia Militar durante uma manifestação estudantil no Restaurante Calabouço, no centro da cidade.

O longa mostra que os artistas musicais eram muito visados, como também eram os cineastas como Glauber Rocha, idealizador do Cinema Novo e simpático ao Tropicalismo, com referência no Terra em Transe (1968), ao retratar metaforicamente o país fictício Eldorado por um jornalista e poeta, que oscila entre diversas forças políticas em luta pelo poder. Machado não deixa dúvidas ao associar a música Tropicália de Caetano, composta para uma peça teatral de José Celso Martinez, uma montagem transgressora para “O rei da vela”, de Oswald de Andrade, sendo o artista plástico Hélio Oiticica o autor do nome Tropicália, título de uma instalação no Museu de Artes do Rio de Janeiro.

Um filme para todas as gerações, tendo como marco histórico a música servindo de fresta para a libertação das amarras de uma juventude anestesiada por uma tirania antidemocrática que assolou todos os brasileiros naqueles anos, ficando na tela como reflexão mais aprofundada a evolução musical do Tropicalismo, apesar da confusão estabelecida contra suas ideias tidas como contraditórias, mostra o realismo e a nitidez do retrato de tempos antagônicos culturalmente, com a imposição de uma censura não só dos militares como dos próprios artistas de outras matizes, que não entendiam o que estava acontecendo, mas que deixou raízes e veio para ficar, abrir cabeças fechadas e vislumbrar novos horizontes neste fabuloso Tropicália.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

A Vida de Outra Mulher



















Bendita Amnésia

A indústria cinematográfica da França não atravessa uma boa fase definitivamente. Parece dar mostras de um cansaço ou esgotamento de ideias novas para realizar grandes filmes. Apresenta uma fadiga que inocula os diretores atualmente, resultando em obras menores e discutíveis. O último Festival de Cinema Varilux realizado no Brasil em nada contribuiu e sequer inovou ou deixou grandes recordações, exceto o badalado Intocáveis (2011), de Eric Toledano e Olivier Nakache. Outro longa aclamado pelo público francês, mas sem grande repercussão no Brasil foi A Riviera Não é Aqui (2010), de Dany Boon. Há ainda no circuito comercial filmes como Bem Amadas (2011), de Christophe Honoré e Os Infiéis (2011), de Jean Dujardin e Gilles Lellouche, produções apenas intermediárias e discutíveis se for observado o aspecto de uma proposta convincente com um resultado excelente. Estão distantes de uma obra qualificada e definitiva. Mas há as exceções como O Artista (2011), de Michel Hazanavicius; ou arrasador O Segredo do Grão (2007), de Abdellatif Kechiche; ou ainda do contundente Cachê (2003), de Michael Haneke.

Diante desta miséria que grassa no mercado dos cinéfilos, surge um outro longa-metragem que padece de uma estrutura mais consistente, o sofrível A Vida de Outra Mulher (2012), tendo na direção a estreante Sylvie Testud, que se inspira no romance de Frédérique Deghelt. A cineasta demonstra poucos recursos técnicos para dar uma obra convincente e manter com segurança o clímax do enredo até o fim. A trama tem Marie (Juliette Binoche) que em “boa hora” perde a memória ao se levantar num belo dia ensolarado, quando completaria 41 anos, tema bastante recorrente no cinema. Acorda como uma mulher de 25 anos e sua memória apaga nos últimos 15 anos em que viveu casada e com um filho menor, o cotidiano e as particularidades inerentes de um casal. A protagonista não lembra do que aconteceu com o pai doente, sua relação deteriorada com a mãe e sequer que é uma executiva de negócios bem-sucedida.

O longa descamba para o melodrama choroso e piegas, com bonitas tomadas das ruas de Paris e um lindo passeio pelo rio Sena num Bateau Mouche navegando pelas águas da cidade das luzes, onde Marie, a empresária e autoritária, esposa egoísta que despreza o marido (Mathieu Kassovitz), está em busca constante do passado e quer recuperá-lo, além de uma mãe sem tempo para o filho. Busca a reconquista de seu amor outrora e a retomada do que aconteceu no período de esquecimento, que beira em situações cômicas e constrangedoras, tanto com o filho como com o marido e o processo de divórcio.

Um dos grandes problemas de A Vida de Outra Mulher é a previsibilidade do desenlace, não há uma construção de personagens fortes ou uma abordagem psicológica dos mesmos, que estão à deriva e soa como criaturas perdidas no enredo. Nem a musa do cinema francês Juliette Binoche que dá vida própria para a protagonista, não consegue salvar o filme, embora esteja excelente em seu papel, clássica e talentosa, esbanjando como sempre sua beleza e sensualidade.

Eis um filme que não escapa do rótulo de descartável por ser irregular, diante do vazio e da superficialidade que aborda o tema de forma linear, beirando para o apelativo, decepciona àqueles que foram em busca de uma proposta mais audaciosa e menos comercial. Resta uma película primordialmente para fazer chorar, na mesma linha de outras realizações análogas americanas como os melodramáticos Para Sempre (2012), de Michael Sucsy e Como se Fosse a Primeira Vez (2004), de Peter Segal.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Cosmópolis

Derrocada do Capitalismo

O canadense David Cronenberg chega novamente ao cinema com mais um filme experimental na sua longa carreira. É um diretor dinâmico em sua brilhante trajetória cinematográfica. Realizou filmes de terror como A Mosca (1986), embora assustador, mas ao mesmo tempo extremamente cativante e romântico; ou em Gêmeos-Mórbida Semelhança (1988), sobre irmãos idênticos de temperamentos opostos; mas nos ótimos dramas Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2007), busca um cinema voltado para a denúncia social, a corrupção e o medo como temas mais palatáveis, embora realizados com bastante crueza. Já em Um Método Perigoso (2011) se aprofunda e vai ao encontro das mazelas e perturbações psíquicas e neuróticas inerentes dos mortais e insatisfeitos seres humanos, num excelente drama reflexivo da psicanálise e suas teorias divergentes de um cinema autoral.

Cosmópolis é um retorno ao passado do diretor, quando dirigia filmes vanguardas, às vezes beirando o grotesco como A Mosca. Porém dá uma derrapada ao adaptar para as telas o livro homônimo do americano de Don DeLillo, embora haja fidelidade nos diálogos, aborda na trama um jovem de ouro bilionário e egocêntrico que detém o poder no mundo das finanças. Eric Packer (Robert Pattinson) se vê acima dos mortais trancafiado dentro de sua limusine branca blindada, uma espécie de bunker, mas começa a mudar ao perceber seu universo desmoronando, sendo iminente o esfacelamento falimentar de seu meio aristocrata, diante da bolha financeira que acarreta prejuízos astronômicos pela desvalorização e o degringolar da moeda yuan na China.

Os temas centrais do longa são o Capitalismo em derrocada e os valores mundiais com o embate árduo entre o poder e a culpa. Há o questionamento das bolsas despencando no mercado financeiro e a bancarrota se instalando, que resulta em protestos de anticapitalistas ferrenhos pela passagem nas ruas do presidente dos EUA, enquanto isso a limusine passeia pelas ruas silenciosa, tentando levar o indiferente Packer ao barbeiro até o outro lado da cidade, sofre avaria por pichamentos. É um obcecado por cortar o cabelo quase que diariamente, momento raro quando deixa seu refúgio para uma busca implícita da liberdade, sempre com um bom aparato de segurança para se manter distante dos manifestantes.

Packer se mostra frio e insensível com o mundo que se esboroa aos seus pés. Fazer sexo não tem emoção e matar torna-se um ato normal para sua sobrevivência. A morte não lhe perturba, tanto faz viver ou morrer. Ter um relacionamento profundo com vínculo lhe soa algo sem razão maior e distante da emocionalidade. O mundo das finanças está explodindo, mas ainda ele recebe visitas momentâneas no seu esconderijo fortificado, como a transa fugaz com uma mulher (Juliette Binoche- desperdiçada em seu papel).

Cronenberg erra feio a mão, ao convidar para o papel principal o ator Robert Pattinson, da saga Crepúsculo, rodando dentro de seu veículo como se fosse uma instalação impenetrável, reflexo do poder desmesurado do Capitalismo selvagem que se esvai, contestado freneticamente pelo cineasta através do manifestante (Mathieu Amalric- também é desperdiçado numa aparição relâmpago). Num elenco de primeira qualidade, tendo ainda no epílogo o eficiente e correto Paul Giamatti, outro que foi pouco aproveitado, é incompreensível que ótimos atores surjam em aparições meteóricas, para que o protagonista interpretado pelo inexpressivo Pattinson esbanje sua péssima performance. Como ilustração, neste ano em Cannes, em entrevista coletiva, ao falar sobre o convite de Cronenerg, assim se manifestou: “sou um covarde e um merda”.

O roteiro do drama traz uma boa proposta, mas o diretor faz um mosaico que  resulta numa indigesta salada de fruta, ao misturar violência, capitalismo, fobia urbana, sociologia e uma filosofia barata, mesclados numa crítica com ilações inverossímeis ao mundo virtual e cibernético desproporcional, jogando fora um elenco de luxo para dar um aparato insustentável a um ator medíocre, mais afeito a papéis como um vampiro esdrúxulo e inconsistente, distante do personagem andrógino e robotizado que se imagina no contexto.

Cosmópolis não alcança uma abordagem eloquente e sequer razoável para a incomunicabilidade do protagonista com o mundo real. Não chega a aprofundar a relação do dinheiro para construir um universo imaginário e claustrofóbico, onde o Capitalismo ingressa num processo de falência, mas explorado de maneira rasa num filme sonolento, onde as ações de violência parecem gratuitas e evasivas, sucumbindo uma magnífica obra, pelos sucessivos erros de uma direção equivocada num paradoxal formalismo excessivo e experimental.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Intocáveis













Solidariedade Pragmática

Eric Toledano e Olivier Nakache adaptaram para o cinema uma história real de uma inesperada amizade genuína, entre um milionário tetraplégico e um ex-assaltante de uma joalheria, um imigrante do Senegal que busca seu reingresso social na França dos brancos. O filme Intocáveis tem um toque de humor cáustico na busca pela igualdade entre duas pessoas opostas social e intelectualmente.

A comédia retrata o aristocrata Phillippe Pozzo di Borgo (François Cluzet- de atuação sóbria), autor do livro O Segundo Suspiro, onde conta ter sofrido um acidente num parapente que lhe causa uma moléstia irreversível e o faz andar de cadeira de rodas, com uma vida beirando à vegetativa. É um homem culto e de bom gosto musical, ouve Vivaldi Johann Bach, Chopin. É rico e tem vários carros potentes de último tipo na garagem. Do outro lado está Driss (interpretado magistralmente pelo ator Omar Sy, sendo o primeiro negro a ganhar o César, o Oscar francês), um jovem negro espirituoso de porte atlético, de hábitos rudes e com passagem pela polícia por assalto, mora num pequeno apartamento com seu irmão, um rapaz com problemas de conduta e com atividades ilícitas. Às vezes chega a ser um brutamonte, usa da violência física para colocar ordem na casa e na vizinhança, mas tem uma índole bondosa, é romântico e sedutor, não pode ver um rabo de saia que se derrete e vai atrás. Driss tem uma alma iluminada pelo alto astral, pois nunca deixa a peteca cair, indo sempre ao encontro das belezas encantadoras da vida. É contratado pelo ricaço como cuidador-enfermeiro, logo o casamento torna-se perfeito com Phillippe, pois levanta o astral do patrão, como numa leitura motivacional de autoestima pela sabedoria da escola da vida mesclada com pitadas de autoajuda.

Intocáveis aborda um tema universal que é o reingresso na sociedade de um ex-apenado, tendo agravada a situação por ser um imigrante naturalizado, oriundo de um país africano e ex-colônia francesa. As piadas são razoáveis, às vezes beira a grosseria e rudeza, mas no contexto funciona como um elemento de descontração e bom humor. O filme é simples na sua estética, deixando as metáforas afastadas do enredo, indo direto ao ponto como o choque cultural, sem grandes rodeios ou simbologias das desgraças sociais.

Porém há uma clara intenção dos diretores de usar no roteiro alegoricamente as clássicas frases da Revolução Francesa, de 1789. A começar pela fraternidade, clara e expressa entre os protagonistas; a igualdade entre pessoas diferentes de classes sociais e culturais, sendo atraídas pela solidariedade de uma amizade pura; e finalmente a liberdade como símbolo da união entre aqueles dois seres distintos que saem para voar num parapente, como se fosse uma volta ao passado que vitimou o aristocrata, bem como andar em alta velocidade pelas ruas de uma perplexa Paris, diante do elo selado entre os dois amigos advindo de uma relação de trabalho inverossímil. Para o empregado há o complemento do vigor daquela fortaleza física, também sua humanidade e do modo extrovertido de levar a vida, curtindo suas benesses patrocinadas pelo seu chefe; já para o paraplégico existe a compensação retribuída pelo dinheiro, poder e a relação com a arte das pinturas de Goya e Dali e a ópera ofertada para Driss, numa interação complementar da relação sadia, bem como de sua solidariedade fraternal que causa o estreitamento e a aproximação para a atitude de amor e carinho, ao aproximar Phillippe de sua grande paixão platônica, através da grande qualidade do cuidador, que é o pragmatismo para tudo no cotidiano. Ensina que deve ser deixado de lado as frases requintadas e rebuscadas de efeitos vazios lançadas nas correspondências virtuais ou por cartinhas, onde o resultado é pífio.

O longa não tem a profundidade de um filme como O Porto (2011), do finlandês Aki Karismäki, que aborda o sofrimento e a ojeriza de uma casta que vira as costas, fruto da xenofobia racial, com um olhar de misericórdia e esperança, nem de Claire Denis no instigante Minha Terra, África (2009); ou do arrasador O Segredo do Grão (2007), do tunisiano Abdellatif Kechiche; ou ainda do contundente Cachê (2003), de Michael Haneke.

Eis um filme que recebeu nove prêmios César e é fenômeno de público e já alcançou mais de 20 milhões de espectadores na França, sendo a segunda maior bilheteria de todos os tempos em seu país, ficando atrás somente de A Riviera Não é Aqui (2010), de Dany Boon, que ultrapassou os 21 milhões. Há méritos inegáveis ao abordar uma relação solidária de duas pessoas opostas que se conhecem por acaso e que são amigas até hoje. Embora a reinclusão social seja um dos temas, não há uma profundidade acentuada, longe de um resultado reflexivo além do razoável como lição de vida, gratidão e superação, nesta obra que se afasta do politicamente correto e acena num mergulho superficial nas licenciosidades e extravagâncias para buscar-se a alegria de viver numa amizade louca, cômica e faiscante, tida pelos dogmas normativos como improvável.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Las Acácias















Solidão na Boleia

Las Acácias é mais um filme intimista vindo do Prata com tema da solidão e subtema o desemprego, muito bem dirigido pelo neófito Pablo Giorgelli. Foi destaque no 1º. Festival de Cinema Argentino realizado em Porto Alegre. Participou da 35ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, ano de 2011, e ganhou o Prêmio Câmera de Ouro de 2011, uma distinção do Festival de Cannes ao melhor longa-metragem de um diretor estreante. Abocanhou o prêmio de melhor roteiro no 29º. Festival de Havana e ainda o de melhor filme e montagem na 60º. Edição de Cóndor de Prata.

Em outras produções, este tema tão recorrente e universal da solidão também esteve presente, como nos longas A Velha dos Fundos (2010), de Pablo José Meza; no instigante A Chuva (2008), de Paula Hernández; em O Homem ao Lado (2009), de Mariano Cohn e Gastón Duprat, numa reflexão magistral da privacidade e das relações em sociedade de duas famílias envolvidas pela complexidade dos seres humanos; na comovente comédia romântica contemporânea Medianeras (2011), de Gustavo Taretto, com uma temática sobre os solitários em Buenos Aires na era do amor virtual; no fascinante Encontros e Desencontros (2003), de Sofia Coppola, retratando dois personagens sozinhos o tempo todo, sofrendo com o fuso horário em Tóquio; mas nada se compara com o inesquecível episódio Shaking Tokio, dentro do longa Tóquio (2008), dirigido pelo coreano Bong Joon-ho, num dos mais melancólicos e devastadores relatos de isolamento humano no cinema.

A trama tem no caminhoneiro Rubén (Germán da Silva- de atuação irrepreensível e convincente) que transporta toras de madeira acácia do Paraguai para a Argentina. Numa das constantes viagens, há um pedido expresso do dono da carga para dar carona à filha de sua empregada, Jacinta (Hebe Duarte) é uma mãe com a uma filha de 5 meses, de pai desconhecido, em busca de emprego na Capital dos portenhos e ficará hospedada na casa de uma prima.

Giorgelli segura firme o drama que se desenvolve quase todo dentro da boleia de um caminhão. O trajeto é longo e as durezas da viagem começam a incomodar o motorista, deixando-o claramente irritado, diante das pequenas paradas do veículo para que a mãe troque a criança e lhe dê de mamar, pelos simbólicos pedidos através de choros compulsivos. Porém, aos poucos o gelo vai se quebrando com os olhares cativantes da menininha servindo de elo para dobrar a sisudez daquele homem rude e durão, sempre fumando e bebendo água mineral, vez por outra sorve um mate, econômico nas palavras, de gestos discretos, logo começa a sentir uma afeição quase que paternal pela criança e uma atração reprimida pela mulher. Nunca arrisca muito e com o passar do tempo pelas estradas poeirentas e rodovias asfaltadas, as relações parecem ficar mais difíceis e angustiantes para quem transporta madeira e enxerga naquelas criaturas ao seu lado como se fossem dois objetos de uma carga pesada, no sentido metafórico.

Um filme com elenco consistente, de personagens construídos com um vigor sólido invejável num roteiro enxuto e sem grandes pirotecnias, prevalecendo a eficiência na direção que busca nos closes passar os sentimentos doloridos e angustiantes dos protagonistas, sem exagerar nas tomadas de planos. Não há trilha sonora, pois é substituída pelo ronco do motor e pelas trocas de marchas, num filme seco e sem grandes requintes ou paparicos do diretor, onde as expressões faciais são fortes e falam mais que os diálogos escassos.

Ao contrário do desastrado longa nacional À Beira do Caminho (2011), de Breno Silveira, que buscou um sentimentalismo barato e melodramático voltado para um resultado mais comercial. Já o cineasta argentino foge das armadilhas e da previsibilidade com muita elegância e alguma sutileza ao deixar em aberto o epílogo, mostra não só a reflexão da longínqua trajetória, como a busca pelo carinho dentro de pequenos gestos, onde a solidão de um homem em sua cabine de caminhão como uma casa rodando pelo asfalto, embora torne o personagem grosseiro, mas também deixa irradiar o lado humanista e a carência afetiva de uma alma à deriva.

Las Acácias é uma película road movie sem muitos diálogos, prevalecendo o silêncio sintomático dos desesperançados à procura de um foco iminente de objetivo de vida. É lançado um olhar fraternal pela universalidade das situações dos indivíduos solitários, num contraponto entre o caminhão com a intimidade de seus personagens individuais, dentro dos movimentos e dificuldades coletivas. Há rara interação entre estas pessoas atônitas de uma instigante relevância social que ficam à mercê de um convívio melhor neste sensível e belo drama que alcança um resultado plenamente satisfatório pelo seu encantamento emocional com o espectador, diante do instigante tema da solidão e como acessório o desemprego.