quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Viúvas



A Vida Segue

O diretor Marcos Carnevale é o mesmo de Elsa & Fred (2005), retumbante sucesso sobre a paixão na terceira idade. Agora brinda o espectador com a comédia Viúvas, tendo como temática o casamento e a fidelidade, mas traz embutidos subtemas mais consistentes como a solidão e o desemprego na Argentina, que foram bem aprofundadas por diretores conterrâneos nos filmes A Velha dos Fundos (2010), de Pablo José Meza; no instigante Chuva (2008), de Paula Hernández; em O Homem ao Lado (2009), de Mariano Cohn e Gastón Duprat, numa reflexão magistral da privacidade e das relações em sociedade de duas famílias envolvidas pela complexidade dos seres humanos; na comovente comédia romântica contemporânea Medianeras (2011), de Gustavo Taretto, sobre os solitários em Buenos Aires na era do amor virtual. Viúvas foi indicado na Academia de Artes Cinematográficas da Argentina para concorrer com os atores Graciela Borges, Valeria Bertucelli e Martín Bossi.

Carnevale parte da morte repentina do músico Augusto (Mario Jose Paz- interpretou o personagem Maradona numa novela global, contracenando com Giovanna Antonelli), que deixa como último pedido à esposa Elena (Graciela Borges- a mesma ótima atriz de Dois Irmãos (2010), de Daniel Burman) a proteção da amante Adela (Valeria Bertuccelli- atuou nos longas Clube da Lua (2004), de Juan Jose Campanella e Chuva (2008), de Paula Hernández). Após o impacto inicial da notícia por uma ligação anônima do hospital, descobre que seu marido se relacionava com uma garota de pouco mais de 20 anos e que terá de lhe dar auxílio financeiro e emocional como se fosse sua mãe. Adota a rival com a qual o marido desfrutou os melhores momentos nos últimos cinco anos e demonstra aos poucos que seu casamento já estava completamente arruinado. Com o tempo vai tendo alguns confrontos com aquela moça pobre que perde o emprego de radialista e está com problemas financeiros e com dificuldades de se manter na faculdade de Jornalismo, especialmente pela falta de apoio do amante que lhe dava segurança. Os frequentes vômitos logo se materializarão como uma lembrança eterna e desejada em contraposição ao casal que viveu anos e nunca celebrou o nascimento de filhos.

O filme mostra a diretora respeitada de documentários Elena na companhia permanente da amiga e assistente de direção Esther (Rita Cortese), mas ao mesmo tempo vive às turras com o fiel escudeiro do marido, o mordomo (Martín Bossi) que tudo sabe mas permanece calado, na cena em que a cutuca com vara curta, pois sabe do passado nada recomendável da patroa, ao alertá-la sobre sua fidelidade também para com ela.

A forma inverossímil buscada na convivência entre esposa e amante sob o mesmo teto é um belo achado, mas que vai se esgotando e há revelações com o desenrolar da trama. As mágoas e os pequenos detalhes da vida íntima dos dois casais são bem conduzidos pelo cineasta. Às vezes beira o excesso melodramático, mas Carnevale segura bem o clímax e o elenco.

Viúvas lança um olhar universal para as situações dos indivíduos solitários e desprotegidos financeiramente. Filma o contraponto do urbanismo com a intimidade de seus personagens individuais, dentro de seus movimentos e suas dificuldades no coletivo, onde pessoas atônitas e excluídas de uma instigante relevância social ficam à mercê de um convívio melhor. A paixão pelo mesmo homem, com o passar do tempo, vai dando margem para uma vida futura e ambas buscam alternativas no futuro, adequando-se para o momento. A vida continua, mesmo que haja fatores opostos se colocando nos caminhos das duas mulheres vitimizadas por circunstâncias alheias à realidade. O longa trata o inusitado com bom humor, embora seja ácido na abordagem social.

Eis uma comédia dramática de costumes de boa reflexão na trama. Parte de um fato insólito de rivais estarem juntas após a morte do homem disputado, ao tratar com bastante lucidez a temática do casamento e da fidelidade. Porém devem ser ressaltados com ênfase os aspectos da solidão e do desemprego numa Buenos Aires cosmopolita e decadente, já tendo perdido muito de seu charme pela crise econômica que assola o país e com dificuldades de sobrevivência, onde duas criaturas desconhecidas lançam mãos de arranjos mais por imposição do que por conveniência, como bem retratado no epílogo amargo deste bom filme mais preocupado com as questões sócio-econômicas do que com picuinhas decorrentes de um triângulo amoroso que serve apenas como mote.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Os 10 Melhores Filmes do Ano


















Os 10 Mais e 05 Menções Honrosas

Como é final de ano e todos os críticos estão com suas listas de melhores filmes vistos em 2012, também estou elencando o que se viu e ficou marcado como os 10 Mais e ainda 05 Menções Honrosas. Segue em ordem de preferência:

01. A Separação (foto acima), de Asghar Farhadi;

02. Drive, de NicolasWinding Refn;

03. Fausto, de Aleksander Sokurov;

04. Violeta Foi para o Céu, de Andrés Wood;

05. Infância Clandestina, de Benjamín Ávila;

06. Pina- 3D, de Wim Wenders;

07. E Agora, Aonde Vamos?, de Nadine Labaki

08. O Porto, de Aki Karismäki;

09. As Praias de Agnès, de Agnès Varda;

10. A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese.


Dos que não conseguiram constar nos 10 Mais, listamos algumas menções honrosas, que só não entraram por absoluta falta de espaço, tais como:

- A Vida dos Peixes, de Matías Bize;
- Heleno, de José Henrique Fonseca;
- Habemus Papam, de Nanni Moretti;
- O Homem da Máfia, de Andrew Dominik;
- Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios, de Beto Brand e Renato Ciasca.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Infância Clandestina












Reflexos da Repressão

Vem da Argentina o representante que concorrerá à vaga de melhor filme estrangeiro do próximo ano. Infância Clandestina tem direção de Benjamín Ávila, em seu segundo longa e com ótima aceitação da crítica e do público na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, com roteiro do brasileiro Marcelo Muller, que antes fizera dupla com o cineasta no curta Veo Veo (2011). O produtor é Luiz Puenzo, ganhador do Oscar de filme estrangeiro por A História Oficial (1985). Realizou o documentário Nietos (2004), sobre a busca das avós na Praça de Maio por crianças raptadas pelos militares.

A trama tem inspiração na vida infantil do cineasta, que viu sua mãe pela última vez em 1979, uma guerrilheira do grupo Montoneros e que consta na lista de milhares de desaparecidos em seu país, durante a ditadura militar do período de 1976 a 1983. Benjamín tinha apenas 7 anos no traumático desaparecimento, o que tornou-o um diretor atento aos horrores dos porões argentinos, deixando nitidamente passagens autobiográficas serem inseridas no roteiro, com um viés de repúdio explícito à repressão contra inocentes, especialmente crianças atingidas de modo definitivo.

O drama mostra os anseios do garotinho de 12 anos Juan (Teo Gutiérrez Romero- em desempenho magnífico), alter ego do diretor, tem uma irmãzinha de colo. É filho do casal revolucionário Horácio (César Troncoso- sempre impecável, é o mesmo de O Banheiro do Papa (2007), de Enrique Fernandes e César Charlone) e de Cristina (Natalia Oreiro), tem como ídolo o engraçado tio Beto (Ernesto Alterio), que tem uma pequena fábrica de chocolates. Vivem trocando de residências e fugindo das forças repressoras do governo que reprimem com extrema violência os grupos opositores ao regime.

O cenário é 1979, logo após a conquista da controvertida e supostamente manipulada Copa do Mundo pela Argentina de 1978. As memórias relembradas do diretor são parcialmente mescladas com a ficção sobre a militância clandestina caçada ferozmente. O filme enfatiza que todos os personagens usavam nomes fictícios para entrarem na Argentina pela fronteira com o Brasil, sob pena de serem presos e identificados como guerrilheiros. Estavam num exílio forçado e o retorno ilegal era através da luta armada.

O longa mostra o amor pelo olhar desesperado e suplicante do protagonista mirim e seu grande romance com a encantadora coleguinha de aula Maria, que conhece o personagem cordobês de nome ficcional Ernesto. A ternura é comovedora do pequeno casal impossibilitado de continuar e dar vazão à grande paixão, como qualquer criança de vida normal, como reivindicada asperamente pela avó materna, num conflito familiar de rebeldia entre mãe de um lado, filha e genro de outro, por estarem estes imbuídos intransigentemente na causa assumida. Benjamín demonstrou influência e inspiração no filme de seu conterrâneo Marcelo Pineyro, o estonteante Kamchatka (2003), bem como no brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006), de Cao Hamburger. Mas a proximidade maior está na similitude temática com A Culpa é do Fidel! (2006), de Julie Gavras, um drama espantosamente memorável para uma diretora estreante.

Eis uma película que mostra os horrores sem a violência explícita desnecessária. Os relatos são contundentes dentro de uma atmosfera tensa, mas com uma harmonia segmentada de poesia e dignidade. O cineasta aborda com elegância e sutileza um execrado regime ditatorial, sem fazer proselitismo ou manifesto panfletário, dentro de uma estética renovada, mesclando personagens com desenhos animados. Torna um filme pesado de denúncias numa leveza espetacular, neste fabuloso drama e fortíssimo candidato ao Oscar de 2013.

Infância Clandestina retrata os anseios de Juan pela sua respiração frenética e carregada de tensão, quando busca uma realidade digna para viver com a namoradinha, como bem identificado no convite inverossímil em fugir para o Brasil e curtir as belezas das areias finas serpenteadas de coqueiros das praias tão desejadas. É um sonho que ficou para trás, onde as lembranças atordoam uma realidade dura e repleta de fantasmas da infância perdida, como refletem os desenhos de uma clandestinidade melancólica de seres dentro de um contexto de irracionalidade de um regime confrontado com a intransigência paterna soando como metáfora da desunião entre irmãos de uma mesma nacionalidade.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

O Homem da Máfia















A Realidade Americana

O cineasta neozelandês Andrew Dominik concorreu como melhor diretor no Festival de Cannes deste ano com o filme O Homem da Máfia, novamente em parceria com o ator Brad Pitt. Antes, a dupla trabalhou no surpreendente faroeste O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007). Agora o tema é a máfia com os jogos e as grandes transações corporativas do mundo do crime.

O drama tem como cenário a cidade de Boston, numa trama escabrosa de um assalto a um jogo ilegal de pôquer, bem protegido pelos senhores da máfia americana. Mas os alicerces da organização protetora são sacudidos por um roubo de uma cifra milionária de valores em espécie. O assassino profissional Jackie Coogan (Brad Pitt) é contratado para investigar e desvendar o caso. Ou seja, fazer uma faxina à sua maneira peculiar de um homem frio, calculista e extremamente profissional, onde sua marca registrada é ser implacável com os criminosos. É respeitado e temido pela coragem, astúcia e inteligência acima da média. Pitt está soberbo na interpretação de um matador estiloso que aos poucos abandona realizações comerciais do passado, ingressando definitivamente em obras autorais.

Além de dirigir, Dominik é o responsável pelo roteiro que é baseado no livro de Cogan’s Trade (matar suavemente), de George V. Higgins, publicado em 1974. O elenco está impecável com o ótimo James Gandolfini, da série Família Soprano, no papel de Mickey, o beberrão e mulherengo parceiro decadente de Jackie; Ray Liotta interpreta Markie, o suspeito do golpe; Sam Sheppard foi indicado ao Oscar como Dillon; o advogado (Richard Jenkins) faz as tratativas; e os espetaculares ladrões Russel (Ben Mendelsohn) e Frankie (Scott McNairy) completam o grupo de astros.

O longa mostra as armadilhas que o assalto proporciona com Jackie tentando através de artimanhas próprias não melindrar os grandes chefões mafiosos que querem discrição e eficiência, com investigações sigilosas e adequadas para não causar alarme e perda da credibilidade. Tudo é negócio e nada de amizades, para dar mais medo no espectador. Há um banho de sangue, característico neste gênero de filmes, com cenas bem elaboradas em câmera lenta, mesma forma como foi o início de Anticristo (2009), de Lars von Trier, seguindo a escola do genial cineasta americano Sam Peckimpah, morto em 1984, chamado pela crítica conservadora de "poeta da violência", pelo seu modo de filmar sequências violentas em slow motion, embora sempre dentro de um contexto estético, notabilizou-se como um referencial na arte de produzir e encarar a morte com suas nuanças nos pequenos e mínimos detalhes, como em Meu Ódio Será Sua Herança (1969).

Mas Dominik vai mais longe na audácia, ao colocar uma trilha sonora suave e delicada, mesclando sangue com cérebro espatifado, cápsulas de cartuchos sem sonorização dos tiros nos vidros do automóvel rompidos pelos estampidos surdos e melancólicos. Uma aula de cinema com tensão pura e alegórica da realidade americana sendo contrastada pelos discursos vazios de Bush, e de Obama na disputa eleitoral com John McCain em plena crise econômica de 2008. Enquanto os líderes políticos falam num país que vive como uma grande comunidade, a realidade é bem diferente e mostra cada um por si, num salve-se quem puder, em um clima de competição e morte, como salienta o protagonista no epílogo. Soa como um desabafo não só como uma cobrança pelo que se vive e como são as coisas no dia a dia numa atmosfera de instabilidade.

O Homem da Máfia retrata a organização ilegal sendo testada, bem como nos governos implantados nos EUA. Não há segurança e nem fidelidade com os súditos num mundo corrompido e corroído pelo dinheiro e poder, onde a malícia ardilosa e a inverdade se incorporam neste fabuloso drama sobre a dura existência de um povo abafado por um patriotismo estrábico e irreal, desencadeando uma irrefreável onda de violência decorrente da incivilidade atordoante de uma nação contraditória e bélica de suas raízes. Revela-se com singularidade a demonstração de um cinema de autor.