terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Amor Sem Escala
Confusões Amorosas
O diretor canadense Jason Reitman já fez coisas melhores. A começar pelo seu primeiro e melhor longa, Obrigado por Fumar (2006), depois teve o belo Juno (2007), filmes preocupados com as questões sociais e humanas. Neste confuso e controvertido Amor Sem Escala (Up in the Air), numa tradução horrorosa, Reitman erra a mão e se perde de vez.
Dá a impressão que a ideia era fazer um filme para George Clooney brilhar com o personagem Ryan Bingham, mas nem isso conseguiu. Clooney nunca esteve tão caricato e careteiro, beirando ao histrionismo, como neste personagem, cheio de caras e bocas, narcisista e em má performance dramática. Ainda bem que ao seu lado tinha duas boas atrizes que conseguiram salvar em parte esta desastrada película que ganhou como melhor roteiro no Globo de Ouro. Atuaram a convencida Natalie (Anna Kendrick), sua fiel escudeira nas demissões on line e a irresistível pelo seu charme e elegância Alex (Vera Farmiga), mesmo não sendo estrelas, tiveram rendimentos acima do esperado.
O longa tinha por ideia inicial tratar das demissões sumárias, logo após a crise nos EUA do ano passado, quando muitas empresas começaram a falir ou pedir concordata. Ryan percorre todos os Estados americanos e fulmina os empregados com a clássica demissão, tendo em vista os problemas econômicos que assolam o país. Nisso vai acumulando milhagem aérea e busca seu objetivo principal que é atingir sua meta de voos.
Surge na vida deste "demitidor" profissional pelas andanças nos aeroportos a esfuziante Alex, que nada lhe cobra, a não ser amor e uma boa companhia, até porque sua condição de comprometida a faz uma mulher liberal e discreta. No contraponto de Ryan, vem competir na empresa Natalie com suas ideias avançadas e com a forma das demissões via on line e lança as videoconferências que atordoam seu colega, que não quer ser rotulado de exterminador, pois defende visceralmente as viagens e os despedimentos pessoais.
O custo-benefício fica apenas latente na proposição híbrida de Amor Sem Escala, com as divagações pelos quartos de hotéis e as traquinagens nos aviões. A crise estrondosa americana também fica num segundo plano, assim como as vidas dos demitidos que apenas se manifestam instantaneamente no ato e depois são esquecidos e o o longa gira e anda direcionado para o personagem de Clooney mostrar todos seus dotes de galanteador, surgindo na cena final uma insossa solidão mas apagada pelo ressurgimento dos voos incontroláveis e desordenados, já sem a presença opositora de Natalie, engolida pelo remorso do politicamente correto.
Falta no roteiro um acompanhamento dos funcionários desligados, exceto um que se suicida da ponte, os demais ficam à deriva e a superficialidade enche a tela, sem maiores comprometimentos com as questões sociais e as relações humanas se esvaziam, diluindo-se tal como chegaram, jogadas sem maiores constrangimentos. A crise mundial fica apagada pelas incursões amorosas de Ryan e os problemas familiares com sua irmã que está prestes a se casar e o noivo inclina-se por não assumir o compromisso. Porém, será demovido por uma frase do futuro cunhado, acostumado com suas palestras de convencimento, embora tão alienada quanto seu próprio objetivo de vida.
As circunstâncias que levaram Reitman a realizar este trabalho enfadonho e inadequado, numa confusão estéril de roteiro, sem uma estética definida e perdido no seu ideal, não condizem com este bom diretor, supõe-se que tenha se rendido à produção, para tornar um filme comercial e palatável, mas equivoca-se em seus princípios e o resultado é devastador, levando seu projeto e o roteiro inicial a sucumbir, embora se concorrer ao Oscar tenha chances mínimas. Mas, sempre é bom ressaltar que os anciãos da Academia Americana, às vezes surpreendem e tudo pode acontecer, até mesmo galgar alguma estatueta com este filme descartável que mancha sua biografia de comprometimento com um cinema voltado para a seriedade que o acompanhava na sua trajetória. Um filme para ser esquecido.
segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
Coco Antes de Chanel
Contrastes de Uma Época
O filme Coco Antes de Chanel é uma cinebiografia realista da estilista mais famosa da história da França, especialmente sobre o período anterior ao seu estrondoso sucesso. Foi baseado no livro de Edmonde Charles-Roux, com produção de Camille Fontaine e Anne Fontaine, com direção quase que perfeita de Anne Fontaine, se não omitisse fatos importantes como o envolvimento com o Nazismo e a época da produção Chanel.
O longa mostra a revolução da alta-costura protagonizada pela menina órfã que se se tornou mundialmente conhecida Gabrielle Bonheur (Andrei Tatou), também criadora do célebre perfume feminino Chanel n°. 5. Ganhou o apelido por cantar nos cabarés franceses a música Qui qu'a vu Coco dans l´Trocadero? A trajetória da cinebiografia mostra uma menina pobre da zona rural da França criada num orfanato de freiras, deixada pelo pai logo após a morte da mãe. Seu fascínio e sua obstinação pela moda iniciam naquele lugar inóspito e com a admiração das outras meninas abandonadas, fazendo bainhas de roupas nos fundos de uma alfaiataria sem nenhum recurso técnico.
Sua vida começa a mudar ao fugir com a irmã Adrienne para a cidade de Moulins, buscando a carreira de cantora nos cabarés, quando conhece o barão com fama de playboy Etienne Balsan (Benoit Poelvoorde). Ao namorar este homem poderoso, sente auspiciosa as chances de se transformar numa mulher famosa, pois sua ambição é irrestrita e tem como obstinação a busca da confecção e da moda parisiense que logo se difundirá pelo mundo. Já como amante de Balsan, Coco planeja seu futuro e nunca abandona seus desenhos dos bonitos chapéus num estilo de bom gosto e sobriedade, bem como confecciona suas belas roupas femininas, embora vista roupas de homens, abolindo os espartilhos e adereços exagerados típicos da época, causando uma enorme revolução na moda.
A busca da independência como mulher parece chegar ao conhecer o britânico produtor de carvão Arthur Capel (Alessandro Nivola), que praticamente negocia com o barão a condição da liberdade de Coco, numa espécie de carta de alforria moderna. O industrial, além de financiar uma loja para Coco em Paris, arrebata seu coração em definitivo, ao tratá-la como uma mulher na essência da palavra, de carne e osso, com sentimentos maiores e fazê-la importante no seio da sociedade, contrariamente do playboy que a usava como objeto descartável.
Inegavelmente o filme tem seus méritos apreciáveis, pois a estilista era avessa ao seu passado e não permitia incursões em sua vida particular. A diretora obteve com dificuldades licença para filmar a vida desta estrela da moda, mostrando todo o fascínio da vida e das peculiaridades de Coco, uma perfeccionista da beleza e sinônimo de elegância. Abriu com enorme dificuldades um campo minado que é o mundo da moda, predominantemente dominado pelo sexo masculino. Sua condição de pobreza também foi um grande empecilho no início, mas que jamais a fez desanimar.
Audrey Tautou se notabilizou pela cômica fábula adulta O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), teve participações razoáveis em O Código Da Vinci (2006) e Coisas Belas e Sujas (2002), mas como Coco está radiante e iluminada, assim como foi a estonteante Marion Cotillard representando Piaf. A semelhança física de atriz é notável com a estilista e seu arrojo como uma mulher que se esforçou ao extremo para interpretar uma celebridade é marcante, com aquele jeitinho pitoresco e típico de uma linda francesinha elegante sem ser vulgar, chamando a atenção pela beleza combinada com o carisma inebriante.
As semelhanças com o filme Piaf- Um Hino ao Amor (2008), de Olivier Dahan, são muitas, tais como a tragicidade que une a duas personagens mais famosas da França, nas suas atribuladas profissões respectivas de moda e música. Ambas foram abandonadas: Piaf pela mãe e criada em um bordel pela avó; Coco abandonada pelo pai num orfanato de religiosas após a morte da mãe. Nos dois filmes há os amores trágicos por acidentes de avião e carro e a definição por continuarem solteiras e sem aventurar paixões futuras.
Em outros filmes como Shorts Cuts (1993), de Robert Altmann e O Diabo Veste Prada (2006), de David Frankel, não há similitude na estética, embora haja comparações no mundo fashion, Coco Antes de Chanel apresenta toda sua magnitude e a essência do belo e do bom gosto, mesclado com as torpezas de uma sociedade repressora e cínica, onde as aparências estavam vestidas de arrogância e o plano financeiro determinava as ações e os destinos.
Cabe ressaltar que os códigos da moda deveriam ser seguidos com suas cores e penduricalhos nas roupas que cumpriam uma função social de marcar o status da nobreza, Coco conseguiu se impor numa sociedade em que as mulheres pareciam ornamentos e enfeites de uma era sem permeabilidade. Há a transgressão e a busca de uma independência, mesmo que o preço tenha sido muito amargo.
O longa tem seu fascínio, embora haja falhas como o envolvimento da estilista com o governo nazista na Segunda Guerra Mundial que passa in albis, tendo em vista que uma personalidade desta envergadura mereceria uma análise crítica e um comprometimento maior da diretora, como também passa em branco o processo de construção da marca Chanel, mesmo que o título explicite a lacuna, é reprovável a omissão e quase compromete o restante da película que merece ser visto, ainda que contenha algumas inarredáveis elipses da carreira desta estrela.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Terra Sonâmbula
Guerra como Fábula
Vem do festejado escritor moçambicano Mia Couto a adaptação para o cinema de seu premiado romance homônimo Terra Sonâmbula, pela diretora brasileira, radicada em Moçambique, que estudou em Portugal e atualmente mora na Alemanha, Teresa Prata, em seu primeiro longa-metragem. A cineasta possui em seu currículo somente curtas, como Uma Questão de Vida e Morte (1994), Mil Olhos, O Sonhador do Oeste (1996), Leopoldo (1999) e Partem tão Tristes, os Tristes (1999). Tem uma formação eclética, estudou piano no Rio de Janeiro, formada em biologia em Coimbra e cinema em Berlim.
Nesta sua primeira incursão nos longas, Terra Sonâmbula retrata a história de um menino pobre e sonhador, que tem como objetivo principal de vida encontrar sua família, tendo em vista que se perdera no meio da guerra civil em Moçambique, onde houve uma carnificina pelo poder. Há apenas dois atores profissionais no elenco, a moçambicana Ana Magaia e a portuguesa Laura Soveral; os demais são amadores, inclusive o garoto Muidinga (o encantador Nick Lauro Teresa) que obstinadamente procura seus pais em plena guerra.
Muidinga lê no diário encontrado ao lado de uma cadáver, dentro de um ônibus queimado pela guerrilha, a história de uma mulher que está enclausurada dentro de um navio em alto-mar, está à procura de seu filho, o que faz acreditar ser ele a criança perdida por aquela mãe desesperada pela alucinação do reencontro com a consequência daquela selvagem guerra civil que destrói seu país e massacra aquele povo desesperançado pela dor e pela miséria.
No outro polo da história está o negro velho e magro pela fome, repleto de histórias e lendas chamado de Tuahir (Aladino Jasse), que adota Muidinga como se filho fosse, mesmo sendo contestado a cada minuto pelo menino, tem uma paciência pela sua beleza de espírito comovedora. Tenta de todas as formas convencer ser ele o pai legítimo, mesmo com as desconfianças rotineiras e as tentativas de fugas frustradas, nunca se aborrece ao extremo e vai desfiando suas belas historinhas de vida como experiência de sua passagem por aquele terreno minado que dilacera a cabra, amiga de todas as horas do garotinho traumatizado pelos horrores dos cadáveres e das perdas que o acompanham.
Na trajetória pelo deserto, há o encontro com a velha viúva enlouquecida, que revela as atrocidades de uma civilização corrompida pela perda da dignidade, onde tem os resquícios de um tempo onde as negras escravas eram seviciadas pelos patrões, gerando filhos que ficaram perdidos no mundo, sem família e presos pela tortuosa orfandade. Nesta viagem sonâmbula e fantasiosa dos dois personagens, surgem de todos os lados refugiados em delírios existenciais. A magia dos caminhos que leva de um lugar para outro, conduz antes da morte, para o sonhado mar daquelas criaturas sobreviventes e com seus destinos entrelaçados, tendo na água seu elemento motivador.
Todos os caminhos acabam levando de volta ao ponto de partida, onde o simbólico ônibus arde em chamas naquela estrada perdida entre os arbustos e o mar. Mas como numa fábula moderna, a escavação pelas próprias mãos do menino faz brotar águas de enxurradas, que levam para o mar e purificam aquele estado miserável de perdidos num mundo sem segurança. Mesmo sofrendo com as agruras, o final é emocionante do ônibus boiando num rio imaginário até o navio que se encontra aquela mãe aprisionada nos diários da revolução civil.
Não é um filme magnífico, mas as reflexões e as soluções apresentadas, mesmo como fábula, conduzem como uma esperança para um país enfraquecido e em busca de uma soberania que levou anos para conquistar. Apesar de previsível, tem boas qualidades, não é esteticamente perfeito, com falhas de edição e continuidade. Porém, para uma diretora que está iniciando, seus resultados são satisfatórios. Fica a proposta de uma produção de três países Moçambique/Portugal/Alemanha. Ainda assim,com poucos recursos financeiros como se depreende, mas que conquista o universo do cinema, neste bom trabalho de adaptação de um consagrado escritor.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Hanami- Cerejeiras em Flor
Solidão e Morte
O cinema alemão surpreende às vezes pela sua sensibilidade e sutileza como neste excelente Hanami- Cerejeiras em Flor, dirigido exemplarmente por Doris Dörrie. Hanami é a chegada da primavera no Japão, estação célebre do festival das cerejeiras que começam a florescer, num espetáculo visual à parte e o sonho de Trudi (Hannelore Elsner) casada com Rudi (Elmar Wepper), condenado à morte e com alguns meses de vida, conforme diagnóstico dos médicos, logo após um exame de rotina, mas contado apenas para sua mulher, induzida a programar uma viagem, escolhe Berlim e Tóquio para rever os filhos.
A trajetória é comovente, pois logo encontram os filhos em Berlim e se dão conta que eles não têm tempo para proporcionar-lhes um turismo na velha cidade alemã, tendo em vista que todos estão envolvidos com seus problemas particulares afetivos e econômicos, ignoram que seja a despedida do pai. Sequer sabem das fantasias de Trudi que é fascinada pelo teatro de dança butô e da sua pretensão em conhecer com Rudi o majestoso e simbólico Monte Fuji. O casal vem da Baviera, de um bucólico vilarejo tranquilo em que as pessoas tomam suas cervejas nas calçadas após a jornada de trabalho estafante, numa vida pacata sem ambições maiores, exceto o prazer da boa convivência.
A doença repentina de Rudi enseja o velho sonho de Trudi em viajar para o Japão e conhecer o teatro típico da dança daquele país. Temas como solidão, morte e velhice estão presentes e são refletidos de forma peculiar, sem as definitivas e por vezes apressadas conclusões. A morte de Trudi numa praia deserta dá uma guinada no longa e leva o viúvo, que estava para morrer, seguir seu caminho para Tóquio numa peregrinação dolorosa até o festival das cerejeiras, pois se traveste por vezes de sua mulher morta subitamente, sem atingir seu objetivo principal.
A busca incessante do que que não foi obtido, leva Rudi a morar provisoriamente com seu filho caçula, porém insensível com a presença do velho pai, chega a ser flagrado telefonando para um dos irmãos, pedindo para que o busque imediatamente e tomem conta daquele que seria um estorvo em sua vida de solteiro. A paz afetada do rapaz pela presença perturbadora e incômoda do novo inquilino, mostram que ambos sequer se conhecem e os destinos que se cruzam, mesmo entre pai e filho, estão diametralmente opostos e com caminhos diferentes a seguir num mundo em que o velho está descartado. Fica evidente até na última cena, mesmo num funeral, sua honra é enxovalhada por um dos filhos, que ironizam a morte com a presença da menina num quarto alugado pelo pai.
As semelhanças são muitas com outro filme singular do gênero, Seguindo em Frente (2008), sobre o relacionamento de pais e filhos, dirigido com talento pelo diretor japonês Hirozaku Kor-eda. Tanto no longa mencionado, como neste belo filme alemão, há uma homenagem explícita ao velho mestre Yasujiro Ozu, autor do clássico Era uma Vez em Tóquio (1953), tendo no velho mestre a premissa das transformações das famílias e do próprio povo de seu país, bem como a velhice e por consequência a morte que espreita de maneira traiçoeira.
Estes temas sempre foram muito bem abordados, talvez ninguém construiu e celebrizou melhor como o cineasta da alma humana Ingmar Bergman, com suas obras-primas Morangos Silvestres (1957), Gritos e Sussurros (1972) e ainda Sonata de Outono (1978). Outra referência que se pode ver e ficou claro é com o magnífico Encontros e Desencontros (2003), no olhar do estrangeiro para o colorido alucinante das ruas de Tóquio e toda solidão presente de forma inexorável. Também a morte e a solidão contrastando com as luzes e painéis com seu coloridíssimo estão presentes em Babel (2007), no episódio retratado na capital japonesa, onde um homem luta para superar a morte trágica da esposa e tenta ajudar a filha surda a aceitar a perda repentina da mãe. A solidão está presente de maneira arrasadora no episódio Shaking Tokio, dirigido por Bong Joon-Ho (O Hospedeiro-2006), no filme Tokio (2009), que passou na última Mostra de São Paulo, ao retratar o mundo iminente das tele-entregas e o aprisionamento do indivíduo condenado dentro de sua própria casa, com ruas vazias sem pessoas ou animais.
Ficam evidentes os ingredientes familiares contrastando com a beleza visual e a solidão de pessoas perdidas numa floresta de pedras, assim como em Hanami- Cerejeiras em Flor, Rudi busca a poesia nas flores desabrochando das cerejeiras junto ao lago e na personagem da menina adolescente que perdeu sua mãe e mora numa barraca, se solidariza interpretando o teatro butô tão desejado por Trudi, num encontro de gerações atingidas pela perda oriunda da morte, estando juventude e velhice juntas dentro de uma profunda solidão, neste notável longa-metragem que tem na estética pela condução sutil de uma poesia amarga, a forma de tocar na alma e nos sentimentos adormecidos das gerações, uma reflexão profunda e triste de um mundo globalizado e sem tempo para pensar.
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