quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Terra Sonâmbula



Guerra como Fábula

Vem do festejado escritor moçambicano Mia Couto a adaptação para o cinema de seu premiado romance homônimo Terra Sonâmbula, pela diretora brasileira, radicada em Moçambique, que estudou em Portugal e atualmente mora na Alemanha, Teresa Prata, em seu primeiro longa-metragem. A cineasta possui em seu currículo somente curtas, como Uma Questão de Vida e Morte (1994), Mil Olhos, O Sonhador do Oeste (1996), Leopoldo (1999) e Partem tão Tristes, os Tristes (1999). Tem uma formação eclética, estudou piano no Rio de Janeiro, formada em biologia em Coimbra e cinema em Berlim.

Nesta sua primeira incursão nos longas, Terra Sonâmbula retrata a história de um menino pobre e sonhador, que tem como objetivo principal de vida encontrar sua família, tendo em vista que se perdera no meio da guerra civil em Moçambique, onde houve uma carnificina pelo poder. Há apenas dois atores profissionais no elenco, a moçambicana Ana Magaia e a portuguesa Laura Soveral; os demais são amadores, inclusive o garoto Muidinga (o encantador Nick Lauro Teresa) que obstinadamente procura seus pais em plena guerra.

Muidinga lê no diário encontrado ao lado de uma cadáver, dentro de um ônibus queimado pela guerrilha, a história de uma mulher que está enclausurada dentro de um navio em alto-mar, está à procura de seu filho, o que faz acreditar ser ele a criança perdida por aquela mãe desesperada pela alucinação do reencontro com a consequência daquela selvagem guerra civil que destrói seu país e massacra aquele povo desesperançado pela dor e pela miséria.

No outro polo da história está o negro velho e magro pela fome, repleto de histórias e lendas chamado de Tuahir (Aladino Jasse), que adota Muidinga como se filho fosse, mesmo sendo contestado a cada minuto pelo menino, tem uma paciência pela sua beleza de espírito comovedora. Tenta de todas as formas convencer ser ele o pai legítimo, mesmo com as desconfianças rotineiras e as tentativas de fugas frustradas, nunca se aborrece ao extremo e vai desfiando suas belas historinhas de vida como experiência de sua passagem por aquele terreno minado que dilacera a cabra, amiga de todas as horas do garotinho traumatizado pelos horrores dos cadáveres e das perdas que o acompanham.

Na trajetória pelo deserto, há o encontro com a velha viúva enlouquecida, que revela as atrocidades de uma civilização corrompida pela perda da dignidade, onde tem os resquícios de um tempo onde as negras escravas eram seviciadas pelos patrões, gerando filhos que ficaram perdidos no mundo, sem família e presos pela tortuosa orfandade. Nesta viagem sonâmbula e fantasiosa dos dois personagens, surgem de todos os lados refugiados em delírios existenciais. A magia dos caminhos que leva de um lugar para outro, conduz antes da morte, para o sonhado mar daquelas criaturas sobreviventes e com seus destinos entrelaçados, tendo na água seu elemento motivador.

Todos os caminhos acabam levando de volta ao ponto de partida, onde o simbólico ônibus arde em chamas naquela estrada perdida entre os arbustos e o mar. Mas como numa fábula moderna, a escavação pelas próprias mãos do menino faz brotar águas de enxurradas, que levam para o mar e purificam aquele estado miserável de perdidos num mundo sem segurança. Mesmo sofrendo com as agruras, o final é emocionante do ônibus boiando num rio imaginário até o navio que se encontra aquela mãe aprisionada nos diários da revolução civil.

Não é um filme magnífico, mas as reflexões e as soluções apresentadas, mesmo como fábula, conduzem como uma esperança para um país enfraquecido e em busca de uma soberania que levou anos para conquistar. Apesar de previsível, tem boas qualidades, não é esteticamente perfeito, com falhas de edição e continuidade. Porém, para uma diretora que está iniciando, seus resultados são satisfatórios. Fica a proposta de uma produção de três países Moçambique/Portugal/Alemanha. Ainda assim,com poucos recursos financeiros como se depreende, mas que conquista o universo do cinema, neste bom trabalho de adaptação de um consagrado escritor.

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