terça-feira, 30 de junho de 2009

Desejo e Perigo



Romance na Resistência

O diretor taiwanês que se considera chinês, Ang Lee, novamente apresenta uma obra de excelente qualidade artística. Seu mais novo filme Desejo e Perigo, de 2007, arrebatou o Leão de Ouro de melhor filme e fotografia em Veneza. Foi indicado a concorrer como melhor filme estrangeiro por Taiwan no Oscar e indicado pelo Globo de Ouro para concorrer na mesma categoria. Na China foi suprimido 7 minutos das cenas de sexo, apesar de toda a consideração com o diretor que está envolvido diretamente na reunificação com Taiwan, seu país originário. Com seus 157 minutos, bem poderia ter reduzidos uns 30 minutos na montagem e não perderia sua grandeza. O diretor que tem em seu currículo películas consagradas, tais como: A Arte de Viver (1992), Banquete de Casamento (1993), Comer, Beber e Viver (1994), Razão e Sensibilidade (1995), Tempestade de Gelo (1997), O Tigre e o Dragão (2000), e o mais polêmico de todos O Segredo de Brokeback Moutain (2005).

Ang Lee consagra definitivamente o ator Tony Leung -seria o novo Humphrey Bogart se filmasse em Hollywood?- como o Sr. Yee, em par romântico com a novata e grande revelação Wey Tang como a mocinha infiltrada Wang Jiazhi do teatro de resistência. Faz um chefe de polícia todo-poderoso chinês colaboracionista do governo Japão em 1942, quando da ocupação japonesa na China, na Segunda Guerra Mundial, que usa métodos de tortura e manda matar jornalistas, advogados, juízes, promotores e todos que se opuserem ao regime totalitário.

Wang é integrante de um grupo de teatro que se rebela na resistência ao governo japonês, que tem como pano de fundo as sequelas da ocupação que dizimou cerca de 80.000 chineses, os estupros das mulheres chinesas pelo soldados japoneses, a ira e o ódio de uma nação ocupada. Há todo um jogo de sedução, como nas manchas de batom deixadas de propósito nas xícaras, revelam toda uma sensualidade e o desejo num envolvimento que está iminente. Cria-se uma trama com armadilhas e forte carga erótica rodadas em 11 dias, além dos casal de atores, por um responsável pelo som e um câmera em ambiente estritamente fechado, para que os efeitos dessem o máximo de realismo nas tórridas sequências de cenas de sexo explícito, afastando-se todo o exagero ou banalização que poderia cair o diretor. A atriz foi punida na China por um ano, não podendo participar de novelas, filmes e propagandas na TV, em represália pela sua atuação tida como fora dos patrões comportamentais. Difícil não lembrar do polêmico drama erótico de 1976 O Império dos Sentidos, dirigido magistralmente por Nagisa Oshima, com atuações ímpares do casal Eiko Matsuda e Tatsuya Fuji.

O filme mostra a resistência chinesa no ápice em Hong Kong em 1942, com a transferência 3 anos depois para Xangai do Sr. Yee, no desenrolar da urdida trama com momentos grandiosos do cinema, como a da escolha do anel de formato de codorna cravejado de diamantes, ao revelar a grande traição e o episódio que irá definir o futuro do grupo de conspiradores e do torturador colaborador dos japoneses.

Outra cena de forte carga emocional é quando Wang canta para seu algoz travestido de isca, fazendo-o ir às lágrimas e confessar, em momento comovente, toda a fragilidade do falso grande homem, assim como seus colegas de farda, que temem e sentem medo, embora acostumados a matar, em especial pela intervenção dos EUA. Jogam com a morte e a derrocada de um aliança espúria de governantes de dois países amedontrados pela presença americana que breve se fará.

Traição e sentimentos amorosos com infidelidade se misturam neste mais novo e eloquente filme do mestre Ang Lee, com desenvolvimento e uma linha constante que fisga o espectador pelas belas imagens de uma fotografia e um cenário impecáveis, retratando uma época com uma fidelidade exemplarem tom gris. Os táxis dirigidos quase que manualmente são velhos triciclos de uma era distante, mas que ainda não desapareceu.

A grandeza do filme está por não haver mocinhos nem bandidos, pois todos são engrenagens de uma máquina chamada guerra, onde um país está subjugado a outro com a colaboração de parte das forças armadas, com a revolta dos jovens artistas até de forma ingênua, mas enfim, uma resistência de um povo pela independência de seu país . Eis um filme superior à mediocridade que por muitas vezes vemos em nossa salas de cinema.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Tinha que Ser Você

















Previsível e Monótono

Há filmes que tem uma boa temática, mas se deixam fisgar pelos lugares-comuns e pela previsibilidade, sem buscar um aprofundamento nas questões de relacionamentos entre pai e filha, ex-casados, padrastro e enteada. Um filme típico de tais situações é a comédia romântica Tinha que Ser Você, de produção EUA/Inglaterra. O diretor e também roteirista Joel Hopkins bem que poderia ter se inspirado melhor e ter deixado a mesmice de lado.

Apesar de contar com atores de bom nível, o filme derrapa e afunda com todo o elenco, salvando-se tão somente Harvey (Dustin Hoffman) no papel de um pai que sai de Nova York para Londres, com o intuito de levar sua filha Susan (Liane Balaban) ao altar da igreja. Não conta porém com a escolha para a cerimônia religiosa do padrastro Brian (James Brolin) casado com sua ex-mulher Jean (Kathy Baker).

O imbróglio tem ainda a demissão por telefone de Harvey, um compositor de jingles para televisão na cidade americana, que fora alertado por seu chefe, que não poderia permanecer na capital inglesa nem um dia depois do evento religioso precedido pela frustrada recepção do banquete. Como perdera o voo, abandonara o jantar e comunicara que não iria mais no casamento da filha, decidiu espantar sua tristeza num bar. Evidentemente que apareceu do nada uma funcionária do Departamento de Estatísticas Nacionais chamada Kate (Emma Thompson) com outras dezenas de problemas, repleta de mágoas e amarguras da vida. Obviamente que brindaram suas desgraças juntos quase que em lágrimas. Tiveram alguns encontros como nos chafarizes da fonte do imponente prédio ao fundo; no belo rio de águas paradas e com embarcações descendo mansamente; dançaram na festa da filha; houve algumas frases de efeito, mas quase nenhuma reflexão sobre o fim do casamento, o divórcio que ia e vinha sem muita discussão e a fissura entre o pai e a filha que permaneceu com a mãe.

O relacionamento de Kate com sua mãe Maggie (Eileen Atkins) poderia ser melhor explorado, pois há uma nítida obsessão e doentia proteção da mãe em relação à filha, mas logo abandonado o questionamento matriarcal, diante da fragilidade do roteiro que se esboroa com facilidade. Faltou emoção e envolvimento na relação de Maggie com seu novo vizinho, um polaco que sempre faz um churrasco e a cena final, já dentro dos créditos, fica à deriva como um barco em alto-mar.

O tema do filme foi desperdiçado pela falta de talento e competência do diretor, pois não se pode imaginar um Dustin Hoffman perdido, jogado como um iniciante na dramaturgia, mas mesmo assim se segura e leva com dignidade seu papel até o fim. Emma Thompson está desastrada, sem convencer na representação de sua personagem, só poderia sucumbir literalmente, assim como James Brolin pouco faz do quase insignificante papel de padrasto bonzinho.

Eis um filme com razoáveis credenciais temáticas, mas conduzido sem um mínimo de maestria, vai ao encontro das velhas e surradas comédias românticas previsíveis, já no dia posterior cai no esquecimento do grande público fiel a boas realizações. Cabe um destaque para a bela fotografia, salvando a obra de um conceito dos piores.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

A Festa da Menina Morta



Festa Mórbida

Matheus Nachtergaele que sempre se destacou por suas grandes interpretações como um ótimo ator, desta vez vai para trás das câmeras e obtém vários prêmios com A Festa da Menina Morta, produção de 2008, que levou 10 anos para ser finalizada, em uma história crua da alienação de uma população ribeirinha e o delírio fanatizado do sincretismo religioso. O neófito diretor que também escreveu esta história parte de um episódio que conheceu no interior da Paraíba, sobre uma comunidade que venerou pedaços de um vestido de uma menina desaparecida, tem como cenário Barcelos, cidade às margens do Rio Negro, na Amazonas, onde a civilização se restringe a barcos, luz elétrica e uma temperatura superior a 40 graus. Filme multi premiado em festivais, como Gramado, Cannes, EUA, Portugal e outros países.

Santinho é interpretado extraordinariamente por Daniel Oliveira, ganhador do prêmio de melhor ator no Festival de Gramado, dá vida ao seu personagem afeminado e temperamental, alter ego confessado por Nachtergaele, em desempenho digno da galeria da antologia do cinema brasileiro. Já brilhara em 2004 na pele de Cazuza-O Tempo Não Para. Sua fama de milagreiro logo se espalha na comunidade, tendo em vista que foi ele quem recebeu da boca de um cachorro as vestes rasgadas da irmã supostamente morta e ora desaparecida. No mesmo período, sua mãe (Cássia Kiss) teria se suicidado, embora a grande verdade fluirá no decorrer do filme, pois fora enxotada pelo marido e pai de Santinho (Jackson Antunes), por traição, se alojando em uma casa de prostíbulo. Seu retorno e a afronta da homenagem, causará momentos de fúria no filho, que entrará em mais um de seus rotineiros e escrachados transes. O corte na mão sangrando, ao amassar o copo, indica o fim definitivo do relacionamento mãe e filho. Seu irmão Tadeu (Juliano Cazarré) casado com a magnífica (Dira Paes) questiona a celebração e o uso indevido da imagem da irmã celebrizada como protagonista dos ditos milagres de Santinho e de uma seita sem limites. Protagoniza o casal, talvez uma das mais belas cenas do filme, quando se encontram na escada de uma casa dentro rio que com suas águas lângidas passam suave e silenciosamente, levando vegetações, aguapés e pedaços de árvores para seu leito.

A Festa da Menina Morta é um filme instigante e complexo por suas revelações e morbidez, pelo luto festivo e toda a preparação para uma grande manipulação religiosa, com toda a preparação minuciosa para o grande dia que se aproxima, de mais um transe coletivo, tem por cenário o interior da modesta casa do suposto milagreiro, com um cenário interior que lembra muito o colorido desbravado dos filmes de Almodóvar. As centenas de luzinhas penduradas nos postes e barracões são elementos de uma fé que se busca pelo ingenuidade de um povo. Os gritos estridentes dos porcos abatidos para o banquete religioso que se avizinha são chocantes. O ir e vir dos trabalhadores para a construção do cenário exprimem todo o ritual é aguardado com tamanha devoção e expectativa

O diretor não faz concessões e polemiza na cena mais polêmica do filme, do incesto de Santinho com seu pai, sob um aguaceiro memorável, com requintes de ternura e violência pelo abuso sexual. Para muitos, um exagero; para outros, apenas licença poética. Há um forte questionamento das relações adúlteras e incestuosas, como o castigo evidenciado das relações não convencionais.

É inegável que o cinema nacional ganhou um grande diretor, com qualidades de um artesão de mão firme, através de um cinema invulgar, com um estilo próprio e de bom gosto, dando abertura para questões a serem debatidas, tais como o incesto, traição e religião. Não são palatáveis os temas abordados, mas expor suas vísceras de forma crua e artística, requer um talento que se encontra em bem poucos cineastas. Eis uma revelação na direção, que não usa a demasia dos clichês surrados, nem incrementa com acessórios desnecessários sua obra prodigiosa.

O final demonstra todo o fervor de uma fé, que sufoca e acalenta pelo delírio de pessoas humildes, à espera de milagres que estão incutidos nos seus corações e mentes, estigmatizados pela alienação fanática da religiosidade. Nem o trágico fim de seu santo é percebido, pois o transe veda os olhos, deixando a esperança para o próxima culto que virá, em mais um dia de glória, com revelações da menina morta, rezas e realizações que deverão acontecer.

Estamos, portanto, diante de uma pequena obra-prima do cinema brasileiro, digna e merecedora de todos os aplausos dos cinéfilos e ovação da crítica especializada, que se rendeu para este surpreendente filme.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Caramelo

















Caramelo Amargo

Vem do Líbano, em coprodução com a França, de 2007, a provocante comédia dramática Caramelo, dirigida e também atuando no papel principal Layale, Nadine Labaki, de beleza estonteante, pelos seus grandes olhos verdes com um olhar da deusa Vênus, cabelos negros compridos desgrenhados, lembra a personagem de Penélope Cruz no filme Volver. O filme centraliza o tema principal nos problemas pessoais de cinco mulheres que tem por referência seus trabalhos e encontros assíduos no salão de beleza Sibelle, num aconchegante bairro da capital Beirute, onde conversam francamente, sem preconceitos ou mentiras. Expondo suas vidas e abrindo as feridas para um questionamento amargo, buscando o sentido do cotidiano da vida. No salão, os assuntos prediletos são o sexo, o amor e obviamente os homens.

Layale sonha que um dia seu namorado se separe da esposa, organiza uma simples mas bonita festa de aniversário num hotel de alta rotatividade, prepara a surpresa com bolo, balões e doces e bebidas. Sua dor é contagiante e fere a alma do espectador, absorve com dignidade, mesmo relegada a segundo plano, não deixa de demonstrar toda sua dignidade, embora assediada pelo guarda de trânsito local, sua vida segue com notável clarividência. A amargura que o destino lhe reservou não impede que seja uma mulher de fibra e perseverança.

Já Nisrine (Yasmine Elmasri), que está prestes a se casar, não sabe como contar ao noivo que não é mais virgem e vê na restauração do hímen sua grande saída para a felicidade. A personagem Rima (Joanna Moukarzel) cada vez mais sente atração pelo mesmo sexo, mas o destino lhe aguarda uma agradável surpresa e o seu envolvimento com uma mulher linda, porém com dificuldades de relacionamento no casamento hetero. Outra personagem marcante é Jamale (Gisèle Auoad), que tem verdadeira ojeriza e entra em pânico ao pensar que pode envelhecer. Seu medo da velhice a faz provocar cenas hilárias e degradantes para o ser humano.

Um capítulo à parte é a criação e interpretação da septuagenária Rose (Sihane Haddad) que tem uma irmã senil e surda. Parece ser um papel isolado no início, mas aos poucos vai crescento e mergulha no âmago do espectador, pela sua sensibilidade afetiva e o questionamento da terceira idade. Mesmo com o aparecimento do romântico e sedutor pretendente da mesma idade, com galanteios e convites para tomar café, oferecimento de flores, há o coração pulsando de Rose e o remorso a lhe corroer a alma, quando tranca sua irmã , para ir ao encontro tão esperado. A cena das duas anciãs dormindo de mãos dadas é de uma sutileza pouco visto no cinema.

Este filme representou o Líbano no Oscar de 2008, categoria de Melhor Filme Estrangeiro, bem como ganhou o Prêmio do Público, do Júri Jovem e Sebastian, no Festival realizado na Espanha, em San Sebastian. Não é à toa sua premiação, pois o encantamento e as sutilezas oriundas de uma direção segura e com interpretações de um elenco coeso, discreto e competente. Está aí um filme que veio como não quer nada e já arrebata a simpatia geral de um público ávido por uma produção de muito boa qualidade.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Intrigas de Estado



O Jornalismo e a Politicagem

Quase não se percebe o passar dos 127 minutos do ótimo filme Intrigas de Estado, muito bem dirigido por Kevin MacDonald, com boa atuação do redondinho Russel Crowe (como engordou!) e bem coadjuvado por Ben Affleck no papel do deputado investigador que passa a ser investigado, com aquela cara de paspalho e inocência forjada. A trajetória do filme é instigante e leva ao clímax somente no final, quando o jornalista Cal do "Washington Globe", paródia do Washington Post, investiga um crime aparentemente comum, mas com indícios de suicídio da assistente de um deputado congressista nos trilhos do metrô.

Esse filme é um tributo ao jornal impresso, no exato momento de fechamento de grandes jornais nos EUA pela crise que se assola, rebela-se contra a tendência on line que toma conta da grande imprensa mundial. O jornalista investigativo Cal que usa uma sala completamente desarrumada com uma mesa antiquada e vários recortes nas paredes, ao publicar sua descoberta em uma matéria tida como furo, assim fulmina os abutres que preconizam o fim do jornal de papel: "Essa manchete precisaria de um capa de jornal impresso e não on line."

Em tempos que o STF se debruça por horas para eliminar o diploma de jornalismo, sob o pífio argumento de ser uma lei remanescente do entulho da ditatura- ou seria uma vingança contra a classe pelo atual presidente Gilmar Mendes e seus pares?-, quando teria coisas mais importantes para julgar, pois certamente os grandes jornais e revistas não prescindirão do velho canudo de conclusão de uma Faculdade de Comunicação, Cal dá uma verdadeira aula de jornalismo investigativo com a neófita colega de redação, embora vigiado de perto por sua chefe ética e conservadora (Helen Mirren).

O filme é uma crítica aos blogs e mídia on line, em que falta seriedade para suas publicações, ocorrendo muitas fofocas e intrigas pela facilidade de publicações sem compromisso com a verdade, princípio basilar de uma imprensa que se propõe a ser séria e dar credibilidade aos seus leitores. O diretor não nega a influência do grande filme de Alan Pakula, Todos os Homens do Presidente (1976), com Robert Redford e Dustin Hoffman, que culminou com a queda do presidente dos EUA Richard Nixon, após o rumoroso escândalo político Watergate.

A película não é só uma reflexão ou crítica ao jornalismo on line, há a intrincada relação do deputado congressista Collins, de uma relação adúltera com sua assistente grávida que morre em circunstâncias misteriosas sob um vagão do metrô. O congressista lidera uma comissão que apura a relação de uma empresa armamentista com o governo dos EUA. As suspeitas de sua assistente estar infiltrada pela CIA explode na descoberta de Cal, em final inusitado e revelador, de uma trama urdida com maestria para a continuação da impunidade e das falcatruas governamentais, oriundas de uma extraordinária trama estatal.

O cinema, além de trazer entretenimento, tem por obrigação e, em muitas vezes, traz revelações e alertas contundentes, como este imperdível Intrigas de Estado. O filme se debruça sobre jornal impresso versus blogs e mídia on line, mas nos contempla ainda, como pano de fundo, toda a temática de um Estado envolvido com empresas armamentistas e com visões para a guerra e políticos envolvidos com situações escabrosas, dignas de maracutaias da melhor estirpe. A política sempre rendeu bons filmes e grandes tramas envolventes e o diretor Kevin MacDonald não deixa de dar sua contribuição valiosa para esta temática milenar da politicagem.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Simonal- Ninguém Sabe o Duro Que Dei



Simonal, Vilão ou Vítima?

O filme Simonal- Ninguém Sabe o Duro Que Dei, dirigido a seis mãos, por Cláudio Manoel (Seu Kreison do Casseta & Planeta), Calvito Leal e Micael Langer, tenta resgatar o charme e a elegância musical de Wilson Simonal, de voz aveluda, doce e macia, talvez um dos maiores intérpretes da música brasileira, bem como desfazer a imagem péssima que causou ao se envolver com o DOPS, numa polêmica e até hoje não bem explicada situação de tortura de seu ex-contador, acusado de desviar dinheiro da empresa e produtora que fazia parte.

Consagrou-se como Rei do Suingue ou o Rei da Pilantragem, Rei da Cocada- definições dadas por ele mesmo-, com belas canções como Meu Limão, Meu Limoeiro, Sá Marina, Mamãe Passou Açúcar em Mim, País Tropical, entre outras. Rivalizava na década de 60 e início dos 70 com Roberto Carlos, o outro Rei, mas do iê-iê-iê. Muitas de suas músicas foram de autoria de Carlos Imperial, integrante da mais fina e consagrada pilantragem ou malandragem carioca. Também cantava chá-chá-chá e por ironia refutava o samba.

Os dotes e o talento artístico de Simonal são incontestáveis, sua clareza e bom gosto musical, como mostra o documentário, o levaram a realizar show com Sarah Vaughan em 1970, num encontro histórico e apoteótico de dois astros da época. Mostra o filme todo seu carisma e seu domínio de palco, tendo a plateia na mãe e fazendo dela o que quisesse, como em seu show no Maracananzinho, no final do Festival da Record, onde 30.000 pessoas deliravam quase em transe.

Há diversos depoimentos no documentário, como de Chico Anisio, Pelé, Nelson Motta, Miéle, dos ex-integrantes do Pasquim Jaguar e Ziraldo. Enfim, diversos relatos da vida artística como da pessoal do polêmico personagem do filme Simonal, entre elas a de que seria inscrito por Zagalo na Copa de 70, no México, para suprir o afastamento de um atleta que se lesionara. Foi o animador oficial com suas belas canções da delegação do tricampeonato. Ingênuo por vezes, filha de empregada doméstica, mas deixava aflorar toda sua arrogância, prepotência e narcisismo. Gastava todo seu dinheiro com mulheres, bebidas, festas e carrões, entre eles tinha três Mercedes.

Seu único engajamento era com o racismo, gostava e fazia questão de dizer no filme que era "negro e feio", por isso devia ter dinheiro para gastar, bons caros como suas Mercedes, não poupava seus detratores e não escondia sua condição de marrento. Provavelmente seu esnobismo tenha contribuído para que a elite conservadora branca tenha lhe perseguido ferozmente. São suposições que brotam das entrelinhas.

Sua pior interpretação em sua vida e que causou seu desabamento artístico pela imprensa brasileira, em especial o célebre jornal nanico O Pasquim, foi pedir para seus seguranças- que tinham ligações diretas com a temível polícia do DOPS- darem uma prensa no seu ex-contador para confessar o desvio e possíveis trapaças das contas da empresa. Era uma época de efervescência política e a dicotomia prevalecia intensamente, pois se vivia um clima tenso e atípico. Ou se era contra o regime ou a favor da ditatura. Ou se era da resistência onde estavam engajados os principais artistas e intelectuais de esquerda brasileiros como Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jaguar, Heitor Cony, Ziraldo, Elis Regina, ou ao peleguismo dos defensores do fatídico regime militar de exceção.

O depoimento no documentário pelo ex-contador, salva o filme de ser chapa-branca, quando afirma que Simonal assistiu à sua tortura no DOPS para assinar a confissão e nada fez, num depoimento comovente com sua mulher que a tudo participou e sofreu. Houve a condenação de 5 anos do artista.

Mostra a película que a grande mídia seguiu o Pasquim e detonou literalmente Simonal através de um boicote nacional implacável, sendo ignorado por seus colegas como se fosse um leproso, indo do auge de sua carreira ao fundo do poço, pela sua irresponsabilidade política, ao brincar perigosamente com fogo, mesmo não se provando que houvera suas atribuídas delações. Tentou dar a volta, mas já era tarde para se desculpar com a Nação, não podendo sequer assistir os shows de seus dois filhos cantores, para não prejudicar a imagem dos jovens promissores.

Simonal morre pobre em 2000, abandonado por todos os colegas de profissão, pelos seus fãs e mídia. Fica a indagação latente e sem resposta: foi delator de seus colegas artistas ou não? Vítima ou réu? Resta a constatação certa de sua transição da riqueza à pobreza, do céu ao inferno e dos aplausos às vaias.

Um mérito inegável do filme é não tentar absolver totalmente Simonal, embora haja uma tendência para sua não culpabilidade, ainda assim se salva com sobras e atinge um bom conceito na filmografia brasileira. Assistível, principalmente pelo encantamento e o resgate musical de um cantor singular.