Crônica da Derrota
O 16º. longa-metragem dos irmãos Ethan e Joel Coen é o sombrio
drama Inside Llewyn Davis- Balada de Um
Homem Comum que acompanha a trajetória de uma semana na vida de um jovem cantor de folk em 1961, ambientada no bairro de Greenwich Village, em Nova York. Vencedor
do Grand Prix no Festival de Cannes de 2013, foi indicado apenas em duas
categorias do Oscar deste ano: melhor fotografia e mixagem de som, bem que
poderia concorrer para filme, direção e ator. Teve a honraria de abrir a 37ª.
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado. Os diretores já se
aventuraram no gênero musical em E aí,
Meu Irmão, Cadê Você? (2000), também dirigiram O Homem que Não Estava Lá (2001) e o inesquecível premiado Onde os Fracos Não Têm Vez (2007),
abocanhando os prêmios do Oscar de melhor filme, direção e roteiro adaptado.
O filme dos irmãos Coen acompanha, livremente inspirado, o
caminho frustrante do obscuro e fracassado cantor e compositor Dave van Ronk (1936-2002),
rebatizado com o nome de Llewyn Davis (estupenda atuação do ator guatemalteco Oscar
Isaac, que se notabilizou em Drive, de 2011) que sonha viver de suas
composições e seguir carreira, mas ao mesmo tempo padece com o dilema de ser
sustentado pelos amigos e outro artistas. Traz apenas um violão em punho, sofre
com o inverno rigoroso novaiorquino de belas imagens da nevasca. Por onde passa, enfrenta obstáculos difíceis de serem superados, muito por escolhas
equivocadas, como de Jean (Carey Mulligan, atuou em Shame, de 2011), uma mulher casada com o amigo Jim (Justin
Timberlake), por quem nutre uma grande paixão, não realiza o primeiro aborto e
engravida novamente, entrando numa outra ciranda de perdas. O protagonista anda
de bar em bar em suas desventuras entre o Village e um clube vazio em Chicago, ao
percorrer quilômetros para ter um contato com o influente empresário musical
(John Goodman), para só depois retornar sem grandes esperanças.
Inside Llewyn Davis- Balada de Um Homem Comum é embalado por músicas de época e está distante de ser uma cinebiografia como Ray (2004), de Taylor Hackford, sobre a
vida de Ray Charles, acompanhando toda a ascensão ao estrelado, desde a
infância pobre. Os irmãos cineastas buscam a essência do filme e contam os
dissabores sustentados pelo derrotismo do cantor de folk, nos anos de 1960, com
várias músicas interpretadas por Isaac, Timberlake e Mulligan, ainda com a bela
assessoria de Marcus Mumford e Punch Brothers na trilha sonora, tendo a
produção musical de T Bone Burnett, vencedor de múltiplos grammys e oscars. Na
década de 60, este gênero musical fervilharia com o brilho dos gênios Bob Dylan
e Joan Baez cantando magistrais canções com suas roucas vozes que rasgavam os
corações, num misto de poesia e protesto.
Existe alguma similitude bem próxima com o excelente drama
musical Coração Louco (2009), de Scott
Cooper, que retratava na tela o clássico caminho de derrotas do fictício cantor
country Bad Blake, com uma vida desregrada pelo alcoolismo, mulherengo
inveterado, mas sempre sozinho pelo mundo, fazia shows em tabernas e lugares de
reputação duvidosa, em franca decadência humana corroída pelo tempo e em estado
quase de decomposição iminente, desce ladeira abaixo, tendo como patrimônio uma
surrada guitarra e uma velha caminhonete caindo aos pedaços. Já
Llewyn Davis carrega a amargura dos destroçados, como se vê na canção que
realiza para o pai, um velho pescador que agora já não fala mais, numa cena
comovedora. Nem o gato que virou seu companheiro por acaso, ele não consegue
cativar pela fragilidade na sedução da conquista do bichano astuto que dá no pé
e vai para bem longe. Às vezes parece um azarado contumaz na vida com o
suicídio do parceiro na música ou com a encrenca no amor com a gravidez da
grande amiga; por outro ângulo de diagnóstico está presente a falta de
inspiração nas composições, bem como não consegue se administrar
financeiramente.
A saga malograda do protagonista é evidente daquelas
criaturas que ficam pelos desvios do trajeto, diante da forte carga emocional
contrária. Há também o componente da falta de uma melhor intuição, como os
alegados percalços dos vitimizados pelos desastres do destino. Não é à toa que
suas canções são repletas de um visceral pessimismo acompanhado de uma tórrida
solidão, dentro de uma amargura melancólica destruidora. O estado de penúria
comove e choca pela ruína da perda da dignidade humana naquele ambiente hostil,
mas que surge como uma redenção e a tomada de consciência de um futuro que se
esvai num mundo que desmorona, porém sem os horizontes infinitos de um ídolo que
nunca foi e jamais teve aparições ao grande público. Um notável drama da
derrota como se contado numa crônica recheada de fragilidades, onde tudo parece
conspirar contra num enxuto roteiro sobre o resumo de alguém que está no fundo
do poço e busca uma inspiração para se libertar.