sexta-feira, 27 de setembro de 2013

A Sorte em Suas Mãos
















O Reencontro

Foi promissora a estreia como ator no longa-metragem A Sorte em Suas Mãos, com direção do consagrado Daniel Burman, do cantor e compositor uruguaio Jorge Dexler, mais conhecido por vencer o Oscar na categoria de melhor canção Al otro lado del río, no filme Diários de Motocicleta (2003), de Walter Salles. Ao interpretar o papel do personagem Uriel, numa construção exemplar de um homem recém-divorciado que passa boa parte de sua vida jogando pôquer nos cassinos, um vício que não consegue se livrar facilmente. Divide o tempo com suas duas filhas pré-adolescentes e não gosta do emprego que herdou do pai: uma financeira, a qual está no comando, porém diz aos desconhecidos que é um produtor musical de grandes shows.

Valeria Bertuccelli interpreta Glória, o grande amor do protagonista, numa atuação soberba desta atriz que está num mesmo nível de importância a Ricardo Darín na Argentina, pelo grau e conjunto de suas irrepreensíveis atuações em vários longas, tais como: Clube da Lua (2004), de Juan José Campanella; XXY (2007), de Lucia Puenzo; Chuva (2008), de Paula Hernández e Viúvas (2011), de Marcos Carnevalle. Há inclusive um tributo ao famoso ator, sendo reverenciado com cartazes anunciando um de seus filmes.

A mentira está inerente nesta bela comédia romântica com tons de equilibrada e sutil dramaticidade. Nem a namorada, uma paixão da juventude que reencontra por acaso em Rosário, escapa do sonho neurótico e perturbador de Uriel, enredado com a opção de realizar uma vasectomia para não engravidar uma de suas tantas conquistas fortuitas, mas na realidade, seu drama é ter que recomeçar e ser pai novamente. Glória também vem de um fim de relacionamento com um homem esquisito e pouco sensível, como demonstra no funeral do pai da jovem. A reaproximação dos dois seres culmina com o envolvimento emocional e o que eles mais querem nesta nova fase é namorar tão somente, sem sexo, ir ao cinema, andar de mãos dadas e abraçados pelas ruas, dar e receber flores e chocolates, para fortificar este vínculo no atual estágio do romance.

Burman é um diretor tarimbado e deixa fluir seu talento novamente, como já o fizera antes na trilogia dos problemas inerentes aos laços familiares e o microcosmo sobre os seus conflitos dentro do universo judeu como pano de fundo, usos e costumes, tradição e religião, mantendo um coerência bem demonstrada em Esperando Messias (2000), O Abraço Partido (2004) e completando com o melhor dos três e mais maduro As Leis de Família (2006). Surpreendeu positivamente com o ótimo Ninho Vazio (2008), pela abordagem do casal que se reinventa, falando da morte após a partida dos filhos de casa para seguirem suas vidas e darem continuidade aos seus futuros, diante do tédio do lar com a ausência dos filhos, refletindo sobre o existencialismo e o sentido da vida, em sequências bem dolorosas. Posteriormente vem o bom drama Dois Irmãos (2009), sobre a terceira idade e seus dissabores pertinentes.

O estilo do cineasta argentino é próprio de um diretor tipicamente de ator, embora haja muito de inspiração nas comédias de Woody Allen, onde estão presentes as neuroses, a solidão e as perdas na vida. A Sorte em Suas Mãos mantém uma narrativa consistente e amplamente convincente no aspecto emocional e estrutural de personagens sólidos na criação psicológica, demonstrando as fraquezas do ser humano, porém são pessoas que buscam uma nova chance com fibra. Como se vê na importante e significativa figura materna interpretada por Norma Aleandro, que nos remete para os dramas de Pedro Almodóvar, numa personificação soberba de uma mãe veterana independente como mulher e seu novo amor. Está impagável na cena em que revela ter o ex-marido, pai de sua filha, pouco a acrescentar no futuro como homem, embora lamente sua morte. Dói, mas diz com pouca ternura e com olhos brilhando no horizonte.

Um filme com personagens de carne e osso que funcionam como elementos essenciais e são despidos com sensibilidade, apresentando suas dores e medos futuros numa Buenos Aires cada vez mais cosmopolita. A solidão está presente e soma-se às perdas que ficaram pela trajetória da vida, nesta comovente comédia deste cineasta atento e com um olhar às mudanças comportamentais em sua aldeia, através de reflexões com a leveza contumaz das suas obras sobre o universo familiar.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Eu, Anna



Relação Misteriosa

Vem do estreante cineasta inglês Barnaby Southcombe o suspense Eu, Anna, rodado em Londres, com toques e reviravoltas ao estilo consagrado do mestre Alfred Hitchcock. Deixa o espectador confuso das ideias e muitas vezes se vê conduzido para uma solução aparentemente simples, porém logo é revista e o envolvimento é superado por outra hipótese ainda mais imaginária. Há méritos em torno da expectativa criada ao suposto acusado e as mudanças da trama sugerem um tom investigativo de dados de confiabilidade duvidosa como nos bons policiais.

A história do filme é complexa, gira e dá boas guinadas no roteiro, mas já no prólogo apresenta um casal que se cruza e troca olhares lânguidos num elevador. Os personagens vivem situações bem diversas em suas andanças antagônicas. O inspetor-chefe Bernie (Gabriel Byrne- de convincente interpretação) investiga um crime misterioso e de difícil solução, tendo em vista que a vítima é poderosa e pode estar ligada à rede de tráfico e com muitas pessoas dentro de um esquema forte de distribuição de drogas. Tenta desvendar o enigma, embora exista um forte suspeito do assassinato, há dissimulações no roteiro que causam dúvidas. E não falta o surrado interrogatório policial com acusações, revides e juras de vingança.

Do outro lado da trama está Anna (Charlotte Rampling- de atuação marcante e de notável performance física e dramática), no papel de uma vendedora de uma loja de móveis, com mais de 50 anos, bonita, charmosa e divorciada.Mora com a filha e a neta num apartamento de classe média. Seu passatempo é frequentar um clube de solteiros, com a esperança de refazer sua vida mergulhada numa imensa solidão e com um trauma do passado que lhe atormenta e corrói seus pensamentos com um instigante sentimento de culpa. Os fantasmas da mulher são decorrentes de uma situação inusitada de um destes encontros fortuitos e sem vínculo emocional afetivo, com consequências trágicas do acaso.

Do encontro inusual de Anna e Bernie com algumas saídas, logo cresce e atinge um amadurecimento dentro de uma relação afetiva e romântica, com telefonemas e suspiros próprios de dois adolescentes. A investigação fica prejudicada e o clima de tensão evolui com as descobertas e revelações bem hitchcockianas, num filme com boa construção e o suspense num contexto de emoção contida e acertada, sem se afastar do ponto certo de um equilíbrio mesurado. A trilha sonora é adequada e não chega a interferir no clímax exato do desenrolar da trama. Porém é difícil imaginar o filme sem Charlotte e sua atuação esplendorosa, uma diva ao melhor estilo do bom cinema, que emociona ao falar com os olhos e dá o ritmo positivo com seu andar de estrela.

Eu, Anna surpreende pelo conjunto da produção equilibrada deste diretor novato, mas que deixa um indicativo de ser promissor, num filme bom e bem realizado, com surpresas sem exageros ou excessos, eficiente por contagiar o espectador, deixando aflorar sutilmente as circunstâncias que poderão ser reveladas, em face da abordagem com domínio amplo sobre o que demonstra.

Eis um longa-metragem de suspense policial mesclado com um drama existencial, que faz refletir sobre a culpa e o passado, diante da iminência da perda do domínio do poder. São retratadas nas cenas que mergulham em situações complexas do envolvimento dos protagonistas pelo esvaimento da lucidez e com uma suposta ausência de imparcialidade na investigação. O abalo emocional destrói a razão que é jogada num plano secundário.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Boa Sorte, Meu Amor















Amargo Romance

A cinematografia pernambucana é um polo fortíssimo de produzir e a safra inesgotável traz mais uma obra, desta vez com a assinatura do estreante Daniel Aragão, realizado em 2012, Boa Sorte, Meu Amor foi ganhador do prêmio de melhor filme do júri jovem do Word Cinema Amsterdam. É uma abordagem sobre o presente e um passado bem próximo do urbano contrastando com a zona rural que aparentemente ficou para trás. Um relato em três atos sequenciais, com alguns exageros técnicos sobre duas vidas oriundas do Sertão de Pernambuco que se encontram por acaso na noite da badalada Recife. A cidade sofre com suas construções desenfreadas, passando por cima de um plano diretor inexistente e sem planejamento imobiliário que acena para um novo perfil com arranha-céus majestosos.

O drama enfoca uma jovem apaixonada pela música e que tem no piano sua válvula de escape para lutar pela vida, tal qual Frances adorava a dança e pretendia ser bailarina profissional na comédia Frances Ha (2012), de Noah Baubach. Maria (Christiana Ubach) encontra numa noite qualquer o playboy Dirceu (Vinicius Zinn), um aristocrata em plena decadência financeira que trabalha numa empresa de construção. Aragão mostra os dois assistindo a transformação predatória da Capital dos pernambucanos, como uma mudança iminente de um cenário do futuro. Estão complacentes com tudo o que veem, tal qual um espelho que reflete nas águas e muda os destinos de toda uma população inebriada.

O longa começa contando a história dos horrores que o barão, tetravô de Dirceu, praticava com as indiazinhas, exceto uma que sobreviveu e assumiu o lugar da tetravó ao morrer. Mostra como uma mulher inteligente usa de suas astúcias na cama para conquistar um homem, numa época de senhores usineiros donos de terras que tinham o poder absoluto e incontestável, repassado aos descendentes que carregam no sangue e nas costas uma culpa ancestral.

O terceiro e último ato busca dar uma solução para o relacionamento tortuoso do casal em Recife, advindo de uma relação às avessas, decorrente de uma errante paixão que beira a inverossimilhança. Onde está Maria? O playboy tira a máscara e vai tentar encontrar a amada na zona rural, numa espécie de busca das raízes no Sertão que ficaram para trás. Um mergulho no passado e o encontro com pessoas pobres e desesperançadas numa casa humilde dos familiares da moça. Prevalece a pouca conversa e sem respostas para as perguntas, como um ato de redenção e culpa. Uma busca quixotesca e com passagens simbólicas como: o cavalo que morre no meio da rua; ou do garoto que some dentro d’água num lago; e ainda a senhora que não enxerga por estar com a visão tapada.

Eis um filme que está longe do fabuloso O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho, que lhe rendeu o prêmio da Crítica no Festival de Roterdã, na Holanda, o Kikito em Gramado de melhor direção de 2012 e o título de melhor filme no Festival do Rio, ou do bom e instigante Na Quadrada das Águas Perdidas (2011), de Wagner Miranda e Marcos Carvalho; bem como de Árido Movie (2005), de Lírio Ferreira; Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e Era uma Vez Eu, Verônica (2012), ambos de Marcelo Gomes; Baixio das Bestas (2006) e Febre do Rato (2011), de Cláudio Assis.

A fotografia em preto e branco está se tornando rotineira novamente. Vários são os filmes que usam desta técnica como desculpa para o realismo cênico, embora nem sempre o resultado seja o esperado, como neste Boa Sorte, Meu Amor, com imagens completamente desfiguradas e sem nitidez. Porém, muitos filmes foram exitosos e se justificou a falta de colorido, entre eles Branca de Neve (2012), do espanhol Pablo Berger; ou no oscarizado O Artista (2011), do francês Michel Hazanavicius; e ainda no fabuloso Tabu (2012), do português Miguel Gomes, e por último a comédia Frances Ha. Para corroborar com os desacertos da produção, uma escolha de elenco decepcionante, pois tanto Chistiana como Vinicius estão frágeis em suas interpretações do casal amargurado. Ambos estão fora de sintonia com o drama, sem expressão dramática razoável, estando mais para dois zumbis flutuando pelo cenário.

O cineasta perde-se em alegorias, simbologias metafóricas e a utilização da não-narrativa de várias formas em encontros e desencontros na Capital, para ir até o Sertão. Glauber Rocha demonstrara bem em seu inventivo cinema novo com metáforas soberbas sobre a seca e a aridez das caatingas e a morte dos animais por falta de água. Há uma falta de fluidez do drama com soluções estéreis e confusas, passando longe do pragmatismo que pudesse levar a conclusões lógicas. Optou por um apuro técnico e a inclusão de planos e contraplanos excessivos, onde até o silêncio extrapola o bom senso e ao invés de uma reflexão sobre os contrastes de poder e a sobrevivência, acaba por soçobrar diante de um enfadonho experimentalismo que leva a lugar nenhum. Faltou cinema e principalmente emoção no existencialismo sonolento de uma nostalgia ultrapassada.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Na Quadrada das Águas Perdidas














Um Homem Só

A produção pernambucana Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, foi o grande vencedor do Festival de Gramado deste ano, por melhor filme, ator e trilha sonora. Pernambuco está num grande momento atualmente no cinema, tendo produzido Árido Movie (2005), de Lírio Ferreira; Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e Era uma Vez Eu, Verônica (2012), ambos de Marcelo Gomes; Baixio das Bestas (2006) e Febre do Rato (2011), todos de Cláudio Assis; além do badalado O Som ao Redor (2012), do ex-crítico de cinema e diretor Kleber Mendonça Filho, que lhe rendeu o prêmio da Crítica no Festival de Roterdã, na Holanda, o Kikito em Gramado de melhor direção de 2012 e o título de melhor filme no Festival do Rio.

Vem deste Estado que mais produz cinema nos dias atuais o filme Na Quadrada das Águas Perdidas, dos diretores estreantes Wagner Miranda e Marcos Carvalho, uma produção de 2011 que recebeu mais de 15 prêmios no Brasil e Exterior, com o título retirado de um disco de Eleomar Figueira de Melo, de 1978, traz uma reflexão sobre a solidão no árido Sertão nordestino. Com um único ator na história, num longa sem diálogos, captando apenas os sons da mata e dos animais de Olegário, vivido esplendidamente o monólogo por Matheus Nachtergaele, num desempenho impecável.

A trama é um misto de drama com aventura, mas prepondera mesmo é o tom documental para salientar ternura nas agruras da saga do protagonista que abandona sua choupana de barro coberta de palha. Embrenha-se na Caatinga dentro de uma destroçada carroça puxada por um jegue esquálido; dois bodes subnutridos que pretende trocar por mantimentos, mas com o imprevisto na sua andança, resta apenas um; e o cachorro vira-lata como seu fiel escudeiro; além da figura invasiva acompanhada de maus agouros, está sempre presente o indesejado urubu e seu olhar de carniceiro, como se fosse uma assombração espreitando a próxima vítima. Há ainda outras perdas pelo caminho e a caravana da miséria vai aos poucos se deteriorando para o sertanejo.

Um filme sobre a solidão e a forma de manter-se vivo no interior daquele lugar inóspito, numa metáfora sobre a sobrevivência que vai surgindo e levando nosso anti-herói para seu objetivo inicial de buscar iguarias básicas para alimentar-se. Bebe água das folhas de cactos, come caça, mel da mata, folhas e o que aparecer para o sustento, onde o exotismo de alguns animais selvagens contrastam com os dóceis acompanhantes do indivíduo sobrevivente, numa bonita fotografia e com o embalo da bonita trilha sonora assinada pelo Grupo Matingueiros, Geraldo Azevedo e Eleomar Figueira de Melo na trajetória de Olegário pelo Sertão desprovido de vida na sua essência, exceto o reino animal que se reproduz e encanta pela sua natureza pródiga.

Na Quadrada das Águas Perdidas é rodado num cenário tipicamente rural, longe da civilização urbana, como se fosse uma homenagem aos filmes de Glauber Rocha e seu inventivo cinema sobre a seca e a aridez das caatingas e a morte dos animais por falta de água. A odisseia de um homem solitário que não se cansa da vida e suas dificuldades apresentadas, que sonha em ser rei, se vê montado num cavalo reluzente e altaneiro.

Não há necessidade da fala, pois os devaneios das noites mal dormidas em qualquer canto lhe dão esperança em se manter vivo. Um bravo homem e sua luta com uma garra impressionante, quando solta gritos como silvos de serventes em forma de protesto dentro de uma fauna e flora que lhe são intimas. São sustentadas por imagens desprovidas de uma linguagem convencional, nesta apreciável obra de reflexão do processo evolutivo, no espaço e no tempo, vista com sensibilidade sensorial, num drama que reflete a preocupação do cinema autoral e fundamentalmente um filme silencioso que capta os barulhos externos.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Frances Ha















A Bailarina

Em seu último longa-metragem Francis Ha, Noah Baubach dirige e é coautor do roteiro com a sua atual namorada, a promissora atriz Greta Gerwig, que surgiu com força pelas mãos de Woody Allen, em Para Roma, com Amor (2012). O cineasta ficou conhecido pelas comédias dramáticas A Lula e a Baleia (2005), indicado ao Oscar na época pelo roteiro original, e O Casamento de Margot (2007), um gênero que desenvolve com classe e retorna novamente em ótimo estilo. Tem na protagonista que dá nome ao filme a interpretação irretocável e soberba de Greta no papel de uma jovem de 27 anos, moradora de um subúrbio de Nova Iorque que sonha em ser bailarina profissional, uma meta difícil pela sua idade já considerada avançada para uma aluna de uma companhia, tendo em vista que ainda não desabrochou e sequer teve o reconhecimento esperado pela professora coreógrafa.

A trajetória gira em torno do dia a dia de Frances, que mora praticamente de favores de amigos, por não ter imóvel, numa vida ainda sem uma definição profissional, embora tenha uma meta na cabeça dentro de um sonho juvenil na busca do sucesso, num devaneio típico de quem busca alcançar um objetivo quase que impossível. Tem na melhor amiga Sophie (Mickey Summer) a pessoa ideal para ouvir seus lamentos e frustrações decorrentes dos conflitos do cotidiano, ou ainda estar presente nos momentos de alegria intensa quase rara, ou na maioria das vezes nas tristezas que se revelam com o passar do tempo, advindos de fracassos pela ambição brecada e sem evolução. Há uma tonalidade melancólica e até um pessimismo na trama, embora sem excessos melodramáticos que são bem contidos com vigor de equilíbrio elogiável.

Um filme apreciável e surpreendente pela qualidade de um resultado com autonomia pela busca da dignidade e da delicadeza da personagem em seu conteúdo que retrata a redenção das desventuras e uma afetividade sutil de uma jovem perdida, que encontra um mundo adverso do idealizado. E o diretor acerta em cheio ao filmar em preto e branco nesta tendência de obras recentes como Branca de Neve (2012), do espanhol Pablo Berger; ou no oscarizado O Artista (2011), do francês Michel Hazanavicius; e ainda no fabuloso Tabu (2012), do português Miguel Gomes. Há o realismo cênico marcante de origem na escola francesa nouvelle vague e o seguimento magnífico difundido por Woody Allen, como no notável Manhatann (1979), quando um escritor divorciado é constrangido pela ex-mulher que decide viver com uma amiga e publicar um livro, no qual revela assuntos particulares do relacionamento deles.

Os diversos locais que passou a protagonista vão encaixando-se na comédia. Começa no bairro Tribeca de Nova Iorque e chega a Paris, um sonho que traz desde criança, bem como na expectativa de conhecer Tóquio, por onde passou Sophie e o amado. Há um lirismo bem dosado e com uma trilha sonora fascinante de Georges Delerue e especialmente a canção Modern Love, de David Bowie, que também esteve presente no longa Sangue Ruim (1986), de Leon Carax, num tributo ao cineasta francês. Deixa de certa forma a comédia mais leve, menos densa e coloca o espectador dentro da história como um parceiro do drama pessoal da aspirante ao profissionalismo e sua obstinação pela dança e o sonho do estrelato.

Frances Ha é uma comédia de linguagem simples, mas eficiente e que tem os ingredientes necessários para torná-la dramática e não frustrar os cinéfilos mais ambiciosos. Um filme sobre os sonhos a serem realizados e a amizade de duas mulheres, onde a protagonista revela toda sua fraqueza psicológica e, ao mesmo tempo, cresce em outras cenas, como nas peripécias solitárias pelo mundo. Uma instigante realização deste cineasta que se firma no cenário internacional como um diretor autoral, que demonstra intimidade com a câmera e possibilita um elenco leve, deixando o filme fluir através da espontaneidade dos atores. Lança um olhar para o mundo globalizado que cada vez mais tem menos espaço para a juventude, embora não tão pessimista, ao deixar metaforicamente na revelação do nome de Frances uma saída, como se estivesse abrindo uma janela para o futuro.