terça-feira, 10 de setembro de 2013

Na Quadrada das Águas Perdidas














Um Homem Só

A produção pernambucana Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, foi o grande vencedor do Festival de Gramado deste ano, por melhor filme, ator e trilha sonora. Pernambuco está num grande momento atualmente no cinema, tendo produzido Árido Movie (2005), de Lírio Ferreira; Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e Era uma Vez Eu, Verônica (2012), ambos de Marcelo Gomes; Baixio das Bestas (2006) e Febre do Rato (2011), todos de Cláudio Assis; além do badalado O Som ao Redor (2012), do ex-crítico de cinema e diretor Kleber Mendonça Filho, que lhe rendeu o prêmio da Crítica no Festival de Roterdã, na Holanda, o Kikito em Gramado de melhor direção de 2012 e o título de melhor filme no Festival do Rio.

Vem deste Estado que mais produz cinema nos dias atuais o filme Na Quadrada das Águas Perdidas, dos diretores estreantes Wagner Miranda e Marcos Carvalho, uma produção de 2011 que recebeu mais de 15 prêmios no Brasil e Exterior, com o título retirado de um disco de Eleomar Figueira de Melo, de 1978, traz uma reflexão sobre a solidão no árido Sertão nordestino. Com um único ator na história, num longa sem diálogos, captando apenas os sons da mata e dos animais de Olegário, vivido esplendidamente o monólogo por Matheus Nachtergaele, num desempenho impecável.

A trama é um misto de drama com aventura, mas prepondera mesmo é o tom documental para salientar ternura nas agruras da saga do protagonista que abandona sua choupana de barro coberta de palha. Embrenha-se na Caatinga dentro de uma destroçada carroça puxada por um jegue esquálido; dois bodes subnutridos que pretende trocar por mantimentos, mas com o imprevisto na sua andança, resta apenas um; e o cachorro vira-lata como seu fiel escudeiro; além da figura invasiva acompanhada de maus agouros, está sempre presente o indesejado urubu e seu olhar de carniceiro, como se fosse uma assombração espreitando a próxima vítima. Há ainda outras perdas pelo caminho e a caravana da miséria vai aos poucos se deteriorando para o sertanejo.

Um filme sobre a solidão e a forma de manter-se vivo no interior daquele lugar inóspito, numa metáfora sobre a sobrevivência que vai surgindo e levando nosso anti-herói para seu objetivo inicial de buscar iguarias básicas para alimentar-se. Bebe água das folhas de cactos, come caça, mel da mata, folhas e o que aparecer para o sustento, onde o exotismo de alguns animais selvagens contrastam com os dóceis acompanhantes do indivíduo sobrevivente, numa bonita fotografia e com o embalo da bonita trilha sonora assinada pelo Grupo Matingueiros, Geraldo Azevedo e Eleomar Figueira de Melo na trajetória de Olegário pelo Sertão desprovido de vida na sua essência, exceto o reino animal que se reproduz e encanta pela sua natureza pródiga.

Na Quadrada das Águas Perdidas é rodado num cenário tipicamente rural, longe da civilização urbana, como se fosse uma homenagem aos filmes de Glauber Rocha e seu inventivo cinema sobre a seca e a aridez das caatingas e a morte dos animais por falta de água. A odisseia de um homem solitário que não se cansa da vida e suas dificuldades apresentadas, que sonha em ser rei, se vê montado num cavalo reluzente e altaneiro.

Não há necessidade da fala, pois os devaneios das noites mal dormidas em qualquer canto lhe dão esperança em se manter vivo. Um bravo homem e sua luta com uma garra impressionante, quando solta gritos como silvos de serventes em forma de protesto dentro de uma fauna e flora que lhe são intimas. São sustentadas por imagens desprovidas de uma linguagem convencional, nesta apreciável obra de reflexão do processo evolutivo, no espaço e no tempo, vista com sensibilidade sensorial, num drama que reflete a preocupação do cinema autoral e fundamentalmente um filme silencioso que capta os barulhos externos.

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