Foi promissora a estreia como ator no longa-metragem A Sorte em Suas Mãos, com direção do
consagrado Daniel Burman, do cantor e compositor uruguaio Jorge Dexler, mais conhecido
por vencer o Oscar na
categoria de melhor canção Al otro lado del río, no filme Diários de Motocicleta (2003), de Walter
Salles. Ao
interpretar o papel do personagem Uriel, numa construção exemplar de um homem
recém-divorciado que passa boa parte de sua vida jogando pôquer nos cassinos,
um vício que não consegue se livrar facilmente. Divide o tempo com suas duas
filhas pré-adolescentes e não gosta do emprego que herdou do pai: uma
financeira, a qual está no comando, porém diz aos desconhecidos que é um
produtor musical de grandes shows.
Valeria Bertuccelli interpreta Glória, o grande amor do
protagonista, numa atuação soberba desta atriz que está num mesmo nível de
importância a Ricardo Darín na Argentina, pelo grau e conjunto de suas irrepreensíveis
atuações em vários longas, tais como: Clube
da Lua (2004), de Juan José Campanella; XXY
(2007), de Lucia Puenzo; Chuva
(2008), de Paula Hernández e Viúvas (2011),
de Marcos Carnevalle. Há inclusive um tributo ao famoso ator, sendo reverenciado
com cartazes anunciando um de seus filmes.
A mentira está inerente nesta bela comédia romântica com
tons de equilibrada e sutil dramaticidade. Nem a namorada, uma paixão da
juventude que reencontra por acaso em Rosário, escapa do sonho neurótico e perturbador
de Uriel, enredado com a opção de realizar uma vasectomia para não engravidar
uma de suas tantas conquistas fortuitas, mas na realidade, seu drama é ter que
recomeçar e ser pai novamente. Glória também vem de um fim de relacionamento
com um homem esquisito e pouco sensível, como demonstra no funeral do pai da
jovem. A reaproximação dos dois seres culmina com o envolvimento emocional e o
que eles mais querem nesta nova fase é namorar tão somente, sem sexo, ir ao
cinema, andar de mãos dadas e abraçados pelas ruas, dar e receber flores e
chocolates, para fortificar este vínculo no atual estágio do romance.
Burman é um diretor tarimbado e deixa fluir seu talento novamente,
como já o fizera antes na trilogia dos problemas inerentes aos laços familiares
e o microcosmo sobre os seus conflitos dentro do universo judeu como pano de
fundo, usos e costumes, tradição e religião, mantendo um coerência bem
demonstrada em Esperando Messias
(2000), O Abraço Partido (2004) e
completando com o melhor dos três e mais maduro As Leis de Família (2006). Surpreendeu positivamente com o ótimo Ninho Vazio (2008), pela abordagem do
casal que se reinventa, falando da morte após a partida dos filhos de casa para
seguirem suas vidas e darem continuidade aos seus futuros, diante do tédio do
lar com a ausência dos filhos, refletindo sobre o existencialismo e o
sentido da vida, em sequências bem dolorosas. Posteriormente vem o bom drama Dois Irmãos (2009), sobre a terceira
idade e seus dissabores pertinentes.
O estilo do cineasta argentino é próprio de um
diretor tipicamente de ator, embora haja muito de inspiração nas comédias de Woody Allen,
onde estão presentes as neuroses, a solidão e as perdas na vida. A Sorte em Suas Mãos mantém uma
narrativa consistente e amplamente convincente no aspecto emocional e
estrutural de personagens sólidos na criação psicológica, demonstrando as
fraquezas do ser humano, porém são pessoas que buscam uma nova chance com
fibra. Como se vê na importante e significativa figura materna interpretada por
Norma Aleandro, que nos remete para os dramas de Pedro Almodóvar, numa
personificação soberba de uma mãe veterana independente como mulher e seu novo
amor. Está impagável na cena em que revela ter o ex-marido, pai de sua filha, pouco
a acrescentar no futuro como homem, embora lamente sua morte. Dói, mas diz com
pouca ternura e com olhos brilhando no horizonte.
Um filme com personagens de carne e osso que funcionam como
elementos essenciais e são despidos com sensibilidade, apresentando suas dores
e medos futuros numa Buenos Aires cada vez mais cosmopolita. A solidão está
presente e soma-se às perdas que ficaram pela trajetória da vida, nesta
comovente comédia deste cineasta atento e com um olhar às mudanças
comportamentais em sua aldeia, através de reflexões com a leveza contumaz das suas
obras sobre o universo familiar.
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