terça-feira, 29 de maio de 2012

Girimunho















Viúvas do Sertão

Helvécio Marins Jr. e Clarissa Campolina são dois diretores mineiros promissores desta nova geração de talentos que surge no cinema brasileiro. Num momento em que despontam como renovação, pois o que falta é espaço para os neófitos que ficam oprimidos e com um vazio no cenário nacional, aparecendo quase sempre as mesmas figurinhas marcadas, deixando pouco espaço para os novos mostrarem suas obras.

O belo drama Girimunho tem uma dinâmica documental e é um exemplo que está aí, ao mostrar toda sua beleza e criatividade destes dois competentes cineastas brasileiros estreantes que estão dando vazão de suas qualidades, embora esteja passando somente na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. Houve apresentações nos festivais de Toronto, Nantes, Veneza, Nova Iorque, San Sebastian, Havana e Roterdã, bem que poderia ter mais salas disponíveis, com menos blockbusters que infestam e ocupam lugares de filmes qualificados.

O longa conta a história das duas amigas viúvas octagenárias que reinterpretam seus cotidianos. Bastu é uma figura carismática, espontânea pelo seu brilho próprio e por ter facilidade comunicativa faz o tempo voar; já Maria do Boi simboliza a alegria de seu povo tocando o tambor numa batucada de sons que não podem ser esquecidos pelos mais jovens. As duas mulheres singelas vivem na longínqua cidade de São Romão, no Sertão de Minas Gerais. Elas mostram suas vidas e ensinamentos numa linguagem bem peculiar, necessitando corretamente de legendas para não se perder nada dos diálogos.

Bastu é a condutora da película e fala do marido que perdeu tomando cachaça, mas não chora na despedida para a eternidade. Surpreende um dos netos, mas afirma enfática ter sido a pedido do próprio avô. É uma pessoa com muita sabedoria de vida e coloca para a neta “o tempero é a alma da comida e a calma é o mais importante”. Vai desfiando seu rosário de conhecimentos que a idade lhe ensinou, tendo a cena reveladora de toda sua magnitude como pessoa forte e emblemática, aquela do epílogo, ao falar de sua relação com os peixes dourados no rio e sua luz que ilumina, numa metáfora de vida a ser seguida, sem ser professoral, filosofa com ternura pela dócil boca a simbólica frase “a gente não sabe se é velho ou se é novo; a gente vive”.

Recentemente foi visto por poucos espectadores o grandiloquente documentário Terra Deu, Terra Come (2010), do surpreendente diretor mineiro Rodrigo Siqueira, embasado na obra maravilhosa do festejado Guimarães Rosa, fez uma verdadeira visita ao universo e ao reino da terra tão cultuada pelo escritor, com alusões ao rico e mitológico universo do autor de Grande Sertão: Veredas, criando uma autêntica obra autoral, deslumbrando com sua linguagem típica regional. Tão eloquente pela contundência narrativa é Girimunho, realizado com poesia e ardor, com interpretações valiosas e um elenco amador, mas pungente e humano, diante de um brilho sensorial poucas vezes visto.

O filme é marcante em seu todo, mas não pode ser esquecida a cena de Bastu descendo o Rio São Francisco, com uma comunicação instantânea com o público, decorrente da esplendorosa fotografia captada dos lindos lugares de um cenário mágico corroborado pelo desapego daquela criatura idosa e reflexiva, que aprende a olhar o horizonte e banhar-se no rio. Assim como fica pela madrugada sentada na frente de sua deliciosa casinha modesta, limpa e bem cuidada. Tem amor e muita voracidade em viver a cada instante, cada momento, não lhe escapando nenhum detalhe, numa verdadeira aula do sentido da vida. O drama não tem emoções gratuitas, mas apenas deixa desfilar os prazeres de uma vivência simples com as duas netas sequiosas no aprendizado, retribuindo-lhe o afeto na mesma proporção de doçura.

O longa é uma abordagem magnífica entre o real e a ficção nas aparições do fantasma do marido morto e o folclore típico regional, como a decisão insólita e definitiva de colocar as roupas remanescentes do defunto num local bem longe da residência, para evitar a presença material e espiritual de quem não mais pertence ao mundo dos vivos. Girimunho enriquece as tradições, as lendas, os cânticos e versos regionais e folclóricos, especialmente realizados sobre pessoas humildes e pobres, mas ricas de conteúdo e experiências de vidas longas. Uma construção literária soberba, ao melhor estilo de Guimarães Rosa, mas que no cinema fascina e dá luzes para novos redemoinhos, na tradução popular do título a obra, conduzido primorosamente pela dupla de diretores, com um jeito novo de filmar inovam, saindo da mesmice dos demais.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

As Neves do Kilimanjaro



Solidariedade com Fé

O diretor Robert Guédiguian já realizou obras diversas e temas pungentes ou doces. Foi otimista em Marius e Jeannete (1997); um tanto pessimista como em A Cidade Está Tranquila (2000); terno e sensual em Marie Jo e Seus Dois Amores (2002); ou ainda apresentando com ternura a biografia de François Mitterrand atormentado pela doença terminal, com algumas lições sobre política, história, amor e literatura do ex-presidente em O Último Mitterrand (2004). Seus filmes são basicamente com o mesmo elenco que está com ele há mais de 30 anos na sua cidade natal, a portuária Marselha, onde sua mulher Ariane Ascaride, os atores Jean-Pierre Daroussin- foi o sensível comissário em O Porto (2011), de Aki Karismäki-, e Gerard Meylan formam um elenco com vínculos.

Nesta sua última produção de 2011, As Neves do Kilimanjaro, está baseada numa adaptação livre do poema Os Pobres, de Victor Hugo, não confundir com o conto clássico de Ernest Hemingway. O drama é aparentemente modesto com traços de ingenuidade e um sentimentalismo quase que piegas, mas o cineasta vai se livrando com alguma maturidade das armadilhas do roteiro que levam para pessoas bondosas e desprovidas de maiores voos e ambições pessoais, surgem a todo o momento desprendidas, mas vão acomodando os problemas e os percalços da vida e suas surpresas de última hora, beirando quase ao simplório.

A trama está centrada no líder sindical portuário Michel (o magnífico Daroussin) sendo demitido num sorteio, aonde vem a perder o emprego, pois alguém teria que sair, e apesar de sua estabilidade, colocou seu nome no rol dos concorrentes e acabou “contemplado”. Diante de uma aposentadoria compulsória, teve o apoio irrestrito da mulher Marie-Claire (a irrepreensível Ascaide) com sua generosidade, trabalha para ajudar na composição da renda da família. Vivem rodeados dos filhos e netos e são premiados na bonita cerimônia de aniversário de casamento no sindicato com uma viagem para o monte Kilimanjaro, na África, além de uma significativa soma em dinheiro. A festa foi organizada pelo melhor amigo Raoul (Meylan), regada a vinho rosé, mas a frustração vem logo, ao ser roubado por um ex-colega de trabalho também demitido, sob a canhestra alegação de pagar as contas atrasadas e ter recursos para criar os dois irmãos menores abandonados pelos pais.

Guédiguian busca no abandono familiar de uma mãe tresloucada e de um pai totalmente omisso dar o tom no longa, com os problemas sociais do desemprego de uma França enfraquecida pelos desmandos de uma burguesia ultrapassada, ajudada por uma esquerda que perde o horizonte crítico por suas idiossincrasias, sofre seriamente com a crise europeia. A cena do reencontro ente vítima e réu revela os dissabores do agressor e sua mágoa remanescente com a condução do sindicato sem ética, que usa meios discutíveis para atingir fins nebulosos e contraditórios de um discurso de igualdade, afastado de uma política salarial condizente e sem acautelamentos nas demissões sumárias. Fica latente a acusação burguesa a Michel, que recebeu euros para ver animais na África e com a bela alegoria aos franceses tomando banho no mar e as ácidas comparações.

Discussões à parte da conduta sindical, o cineasta traz à baila o problema do microcosmo familiar sendo questionado como o abandono de crianças, surgindo neste ínterim a figura fraterna de Marie-Claire com seu bom coração para afagar os desamparados, numa atividade que deveria ser de uma assistente social do governo, tendo a anuência explícita do marido. É um filme interessante pelos questionamentos e a exposição de feridas abertas longe da cicatrização, que remete para uma reflexão imparcial, embora o filme peque estruturalmente na profundidade, um tanto quanto rasa e sem um grande debate.

Elogiável o ótimo elenco, uma trilha sonora adequada por ser correta e sem interferir nos diálogos. Ainda assim o drama não deslancha e a temática fraqueja por alguns excessos de bom-mocismo e uma altivez desproporcional, diante de um discurso quase que religioso de um futuro do mundo com muita fé e sem pessoas más, desnecessário e inconsequente para um realizador de um retrospecto de credibilidade, mas que não chega a liquidar com a obra, embora tenha andado perto.

terça-feira, 15 de maio de 2012

As Praias de Agnès



















Um Autorretrato

A diretora Agnès Varda promete que As Praias de Agnès é seu último filme, ganhador do prêmio César de melhor documentário. Dificilmente são encontradas ou exibidas suas obras no circuito comercial brasileiro. Este é o segundo longa-metragem autobiográfico e realizado como um documentário obteve um resultado fabuloso, numa narrativa sensível e poética que passeia pelas praias que de certa forma marcaram sua existência entre prós e contras, alegrias e dissabores, mas sem aquele ranço viciado de simplesmente contar a vida. Além de lançar um olhar breve de lembranças do passado, não deixa de mostrar seu presente e a alegria de dizer “estou viva, e eu me lembro” e na mais bela frase do filme que resume seu amor imensurável pela sétima arte, assevera “o cinema é minha casa”.

A trajetória do documentário começa com sua infância ao lado dos pais na Bélgica, lembra da falta da figura paterna que lhe faz quando morre o pai num cassino, após perder uma boa quantia em dinheiro. Logo vem o período de uma expressiva fotógrafa e da artista plástica; o engajamento na causa feminista, diante dos estupros e submissões frequentes das mulheres; há as belas viagens que lhe foram dando bons subsídios para sua imaginativa criação de filmes que marcaram sua carreira prodigiosa.

Não deixa de prestar um belo tributo ao seu marido morto de Aids, em outubro de 1990, o magistral Jacques Demy, autor de obras como Lola, A Flor Proibida (1961), Os Guarda-Chuvas do Amor (1964) com a beleza rara e já estonteante de Catherine Deneuve e Duas Garotas Românticas (1967). Demy foi seu grande e único amor e quando fala dele embarga a voz, bem como ao prestar a homenagem com pétalas de flores e afirmar que é a pessoa que mais lhe faz falta na convivência diária, numa cena comovente. Menciona sua participação junto com o marido no movimento Nouvelle Vague, ao lado de Jean Luc Godard, François Truffaut e Alain Resnais.

A cineasta define seu filme como autobiográfico documental e enfatiza “se você abrir uma pessoa irá achar paisagens; se me abrir, irá achar praias”. Faz uma revisita em sua própria história com entrevistas de personagens como Philippe Noiret, Gérard Depardieu e Michel Piccoli de seus grandes filmes que ficaram mais velhos como Cleo das 5 às 7 (1962), As Duas Faces da Felicidade (1965), Teto sem Lei (1985) e Os Catadores e Eu (2000). Também emociona com as aparições de Jane Birkin e o marido Serge Gainsbourg, entre tantas celebridades que desfilam seus rostos no painel do tempo da diretora e colocados novamente na tela neste mosaico do passado, onde aparecem intercalados com seus gatinhos de estimação. Sempre bem acompanhados de belas fotografias, reportagens e trechos fragmentados de filmes de sua autoria ou de Demy. Ou ainda a alegoria em que ela monta um teatro circense à beira-mar e faz alusão a figura de Jonas na barriga da baleia.

Um verdadeiro passeio pela história do cinema e seu fascínio, com um a aula acoplada para os apreciadores devotados, sob a batuta de Varda que completara 80 anos ao realizar este documentário instigante. Há a linda cena da homenagem dos atores e da equipe técnica como uma reverência carinhosa e digna da “baixinha fofa” que mantém a alegria de viver como uma jovem serelepe e altaneira, estando agora com 83 anos. Está sempre atenta ao mundo e suas modificações e inovações, nem parece aquela garota que viu bombas explodirem da 2ª. Guerra Mundial, ao deixar Bruxelas sua terra natal e ir para a França buscar agasalho; presenciou crianças judias serem levadas para os campos de extermínio, além de outras adversidades como a prematura morte do marido. Mas ao filmar os dois filhos com os netos, genro e nora todos de branco e a cineasta de preto, está implícita a fantasia decorrente da beleza de uma paz interior de seu espírito criativo e leve, sem mágoas ou ressentimentos do passado da mãe e avó afetuosa.

O grande amor pelas praias demonstrado à exaustão neste brilhante As Praias de Agnès, a reverência à família e, em especial, ao inesquecível companheiro Demy com uma vida dedicada exclusivamente ao cinema são elementos de amor e paixão pela vida e pelo que faz, que se fundem como uma simbiose, neste ensaio em forma de apresentação dos resultados dos trabalhos realizados em torno de um tema, que desfila como recordações mostradas como um autorretrato de uma artista realizada com o que faz e que não pode parar, pois tem muito ainda para dar. Um filme notável sobre a essência da vida, seus ensinamentos reflexivos e emoções existenciais.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A Vida dos Peixes

















Buscas do Passado

O Chile vem fazendo bons filmes e se destacando no cenário internacional, sendo A Culpa é do Fidel (2006), de Julie Gavras, seu melhor cartão postal e referência nacional, bem como o magnífico Machuca (2004), de Andrés Wood. Tem ainda dos últimos anos boas realizações, tais como: Na Cama (2005), de Matías Bize; Tony Manero (2008), de Pablo Larraín; Ilusões Óticas (2009), de Cristián Jiménez; A Criada (2009), de Sebastián Silva; Nostalgia da Luz (2010), de Patricio Guzmán; Os Mistérios de Lisboa (2010), de Raoul Ruiz, morto recentemente e Dawson- Ilha 10, de Miguel Littin, que dirigiu um dos maiores filmes de seu país El Chacal de Nahueltoro (1969), abordando o assassinato de uma mulher e seus cinco filhos por um alcoólatra incivilizado e analfabeto. É um cinema com propósitos de uma indústria claramente voltada para a arte na essência. Segue de perto as produções do Uruguai e da Argentina, embora tenha muito que aprender ainda com os argentinos, este sem dúvida o melhor da América do Sul e um dos melhores do mundo.

A Vida dos Peixes é uma produção chilena em coprodução com a França, tendo na direção Matías Bize em seu quarto longa e Na Cama é o mais conhecido no Brasil. Esta sua última realização é de 2010 e recebeu o prêmio Goya de melhor filme hispano-americano e foi o escolhido para representar o Chile no Oscar de 2011 como melhor filme estrangeiro, mas conquistado pelo o argentino O Segredo de Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella. Foi o terceiro filme chileno que obteve o Goya, depois de La Frontera (1991), de Ricardo Larraín e A Boa-Vida (2009), de Andrés Wood.

A trama é uma volta às origens com as reminiscências de um passado de 10 anos, quando o jornalista Andrés (Santiago Cabrera) foi embora para Berlim trabalhar numa revista de turismo, decide retornar ao Chile uma década depois, a convite de um amigo para ir numa festa de aniversário, mas lá encontra Beatriz (Blanca Lewin), seu grande amor do passado que terminou mal resolvido e o faz confrontar e reavaliar sua vida, além de algumas pendências que ficaram pouco esclarecidas. Na festa do antigo amigo sente que tem pouco em comum com o mundo que deixou para trás e o reencontro com colegas de infância é gélido.

O mote principal do drama é o reencontro com a ex-amada, embora os amigos sejam secundários, muitas circunstancias voltam a aflorar e as recordações vão desfilando na sua mente. Andrés circula no ambiente aparentemente festivo como se fosse um fantasma entre seres vivos intergaláticos, dentro de um silêncio sinistro e pessimista de um futuro incerto. As pessoas o encontram casualmente e as velhas amizades vão ao encontro daquela criatura angustiada e dolorida, que volta a seu país depois de uma turbulência política implícita superada.

A paz parece reinar entre os convivas animados, menos para Andrés, um legítimo peixe fora d’água, na sua busca de soluções para aparar arestas deixadas pendentes. Uma delas é a cena reveladora do encontro com a mãe do amigo Francisco que se suicidou, já antecipado pela garota alcoolizada que faz questão em gizar sobre a repercussão do fato e da presença de Andrés no dia trágico. A genitora da vítima, ao falar das coisas do quarto que permanecem impecavelmente arrumadas parecem lhe esperar do retorno, não esconde a mágoa da perda dentro de um sorriso mordaz e irônico, como se o questionasse e o incriminasse por ter sido supostamente ausente e omisso. Já o irmão de Francisco é menos viril e o deixa à vontade para relembrar os bons tempos que não voltam mais ou escapam por uma culpa involuntária de desejos e atitudes tomadas sem emoções, transparecendo o racional na escolha.

Deve ser ressaltada a cena final comovente com a dignificante interpretação da atriz Blanca Lewin como a namorada descartada, refletindo as dores e insatisfações de seu presente infeliz, demonstrando com sutileza e sensibilidade num bem elaborado longo plano-sequência toda sua derrocada, atingindo no âmago daquela criatura que busca a reconciliação, embora haja toda uma complexidade para ser superada. Deixar o final em aberto sugere uma direção segura de Bize, tendo na trilha sonora funcionando como um verdadeiro espasmo de um clímax melancólico, onde a bonita fotografia está adequada num cenário de uma luz como se fosse um lusco-fusco em harmonia.

Eis um belo filme sobre as tragédias pessoais traídas pelo destino ou impulsionadas por um momento em suas vidas, onde as decisões manifestam equívocos apressados, mas a angústia e a dor marcam com contundência. Enquanto isto os peixes flutuam no aquário numa demonstração alegórica de suas vidas tranquilas, pois nadam e não chegam a lugar nenhum e o protagonista tenta resgatar a essência da vida nas reflexões e emoções das lembranças conflitadas.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Sete Dias com Marilyn

























Sedução e Carisma

O pequeno drama documental dirigido por Simon Curtis tem como mote o romance relâmpago de uma semana, entre a grande diva do cinema mundial Marilyn Monroe (1926-1962) com o terceiro assistente de direção, baseado no livro de memórias Minha Semana com Marilyn, do documentarista inglês e agora protagonista principal Colin Clark (1932-2002), na interpretação de Eddie Redmayne apenas convincente como um galã pálido. Já Michelle Williams encarnou a loiraça, tendo engordado 7 kg para ficar mais voluptuosa, amarrou cintos nos joelhos para andar como a personagem, ainda assim a atuação foi sem brilho e raro glamour, deu para o gasto.

O affair aconteceu durante as filmagens do longa em 1956, em Londres, O Príncipe Encantado lançado em 1957, no auge da carreia da loira vulcânica mais carismática e sensual que o cinema já conheceu, originariamente ruiva, mas logo foi platinada, tendo estraçalhado corações por onde passou, com seus 53 kg e 1,66cm, bem curvilínea e cheinha, nada magra, embora bem abaixo em beleza e talento das estrelas contemporâneas hollywoodianas Ava Gardner, Grace Kelly, Audrey Hepburn, ou a inesquecível atriz exótica de olhos violetas Elizabeth Taylor, somente para citar algumas.

Não chega a ser um filme dentro do outro, pois o diretor deixa bem claro nas gravações de O Príncipe Encantado estar dentro do longa Sete Dias com Marilyn, com a atuação e direção do monstro sagrado sir Laurence Olivier (Kenneth Branagh), tendo ainda a presença magnífica da personagem coadjuvante Sybil Thorndike, interpretada pela fabulosa Judi Dench, sempre uma atração à parte. De imediato se percebe Marilyn sufocada por um exército de pessoas, não faltando bajuladores, seguranças, secretários, motorista particular, todos lhe cercando e não a deixando praticamente respirar com liberdade. Há ainda os dissabores das brigas com o seu terceiro marido, o escritor e dramaturgo Arthur Miller (Dougray Scott), que também se queixa da falta de espaço para sua criação literária, devido à fama e os paparicos despendidos para a mulher mais famosa do planeta na década de 50.

No drama se vê Marilyn no seu lado fraco, doce e sensível, ao se aproximar de Colin, um ilustre desconhecido, derramando-se como uma mulher carente e afetuosa, embora um vulcão adormecido pronto para a erupção junto aos homens que parecem temê-la ou assustarem-se com a catarse de sensualidade oriunda da grande estrela. Não deixa de ser uma criatura com problemas existenciais de uma solidão de afeto, tanto é que usa frequentemente calmantes para dormir, chega a perder as gravações por estar dormindo em excesso, mostrando em algumas cenas um estado precário de uma moribunda, derivado da doença da alma e do espírito enfraquecido pela perturbação que lhe assola, embora esteja sempre cercada de muitas pessoas, que a procuram para pedir autógrafos e tocar no mito americano que faz furor em Hollywood.

O longa tem no personagem Colin o protetor e amante platônico da deusa do cinema, numa tensa relação de trabalho com a produção, logo após os problemas da grande atriz, quando começa a esquecer os diálogos de seu papel, deixando de comparecer em algumas gravações e os ensaios ficam em segundo plano para aquela mulher estonteante de uma fleuma arrasadora, mostra-se debilitada e fragilizada, marcas constantes de sua trajetória, deixando transparecer um afeto infantil de uma infância dolorida, como na cena em que vai ao museu e se depara com uma boneca, surgem as lembranças do passado e do presente da mãe, que em seguida foi internada num hospício. Os pequenos conselhos nos diálogos com Colin sobre a estrutura familiar são comoventes, sem ser piegas ou babacas, mas não são colocados com eloquência pelo diretor, que tem suas limitações, embora conduza com galhardia dentro de um roteiro enxuto, num cenário deslumbrante de jardins e castelos da corte inglesa, quando se completa 50 anos da morte da sempre lembrada e imitada loira errática.

Sete Dias com Marilyn não é um filme superior, mas não decepciona em quase nada, a não ser a performance da atriz principal que fica devendo em muito ao interpretar a mitológica Marilyn Monroe com seus encantos artísticos e sexuais fascinantes de uma era embevecida pela diva. Curtis criou um romance efêmero como um belo conto de fadas, tendo apresentado bastante sensibilidade e sutilezas, alcançando um resultado final bom, deixando como reflexão a solidão estampada dos grandes ídolos, abordando as carências afetivas que os tornam pessoas de carne e osso.