Conflito nos
Bastidores
Yaron Zilberman tinha em sua filmografia o documentário Watermarks (2004), até realizar em 2012 O Último Concerto,
primeiro filme de ficção do cineasta, com destaque no conceituado Festival de
Toronto. Embora autor da ideia original, deixou para Seth Grossman desenvolver
e assinar o turbulento roteiro de quatro astros do violino, filme que aborda o
quarteto de cordas Fulguet, famoso internacionalmente pela qualidade da
apresentação impecável de seus integrantes. A trama é bem complexa e o prólogo
prenuncia o epílogo sobre a triste notícia de que um de seus integrantes,
Peter Mitchell (Christopher Walken), acabara de ser diagnosticado com Mal de Parkinson, colocando em
risco iminente o futuro do grupo que irá preparar uma última apresentação
apoteótica.
Após o desenlace do trauma inicial, o filme trará à tona os
amores e desafetos criados entre eles nestes longos 25 anos de parceria próximo
da implosão. Alain Resnais foi singular em Amar,
Beber e Cantar (2013), um drama
com algumas similitudes sobre a morte que se aproxima de um colega de um grupo
teatral, quando surge a informação da doença terminal de seis meses de vida. As
mulheres relembram a antiga paixão pelo mulherengo colega; os homens pensam no
amigo que irá partir para sempre e numa justa homenagem de despedida, como
convidá-lo para a derradeira interpretação de um dos personagens. Dustin
Hoffmann também realizou o drama O
Quarteto (2012), no qual três músicos aposentados vivem numa casa de
repouso da categoria e todos os anos realizam um concerto para recolher fundos
que permitem a sobrevivência da instituição. Com a chegada da nova habitante que
recusa-se a cantar, cria-se um clima de hostilidade e lavagem de roupa suja,
trazendo à baila para questionamento as amizades e os amores de outrora na
tentativa de convencê-la.
Zilberman escapa das armadilhas melodramáticas e não deixa
descambar para a pieguice barata, com um retrato fiel de convivência de muitos
anos e as consequência iminentes que trarão para o grupo, como os conflitos
pessoais bem centrados no casal em crise de relacionamento: Juliette (Catherine Keener) e Robert
(Philip Seymour Hoffman- em uma de suas últimas atuações, viria falecer em
fevereiro deste ano). O músico ainda teria uma rixa pessoal com Daniel (Mark
Ivanir), logo travam um duelo de egos que estremece as relações amistosas e
mínimas de convivência para definir sobre quem será no futuro o primeiro e o segundo
violinista, numa típica fogueira de vaidades. Além das brigas e ciumeiras do
casal, o evento da doença grave, a trama esquenta ainda mais quando explode uma
situação inusitada advinda da filha deles (Imogen Poots) com um integrante do
grupo.
Diante da ameaça de término do quarteto por brigas, traições,
ciúmes e crises existenciais nas relações afetivas, há uma dose de intensos
conflitos pessoais, como da filha que pede socorro, mas leva uma bofetada no
rosto, ao questionar a mãe sobre sua a ausência de sete meses no ano, bem como
do pai, deixando-a desprotegida e abandonada como ser humano. Chega afirmar que
o aborto teria sido uma solução melhor para todos. O diretor se aproxima mais
de Hoffman na essência e na maneira de conduzir a trama, bem distante do mestre
Resnais, este sim um artesão inovador e estupendo pela estética apurada com
consistência e rigor no equilíbrio cênico. Porém, segura bem o clímax e mantém um
ritmo crescente com personagens bem construídos, mas que por vezes tornam-se
previsíveis nas soluções simples e temporais do drama, que apresenta artistas
imbuídos em manter a arte acima de tudo, superando todas as diferenças e as
picuinhas particulares entre eles, para uma causa maior que é a manutenção do
grupo filarmônico.
O Último Concerto parte
de uma narrativa clássica bem arquitetada, com uma dosagem razoável de
dramaticidade, numa conjuntura elaborada distante de arroubos e inventividades,
mas que funciona pela forma até simples diante das manipulações das diversas
situações que darão solução para os casais em cena, bem auxiliado pela música
clássica de Beethoven como fio condutor na notável Opus 131 String Quartet in C# Minor, interpretado com sintonia e um
sabor edificante para os ouvidos mais atentos. Contrasta com o sabor amargo de
melancolia da perda que se avizinha, sendo reforçado pela fotografia exemplar
de Frederick Elmes. O realizador não deixa muito tempo para reflexão, talvez
esteja aí um dos poucos equívocos, pois o filme acelera e os conflitos
aflitivos se sobrepõem aos prazeres dos encantos da melodia. Há um contexto de envolvimentos
emocionais interligados por uma boa atmosfera deste promissor cineasta desta significativa
obra de cinema sobre a música, perdas e os bastidores conflitados.