Conflitos Juvenis
No recente filme canadense Vic+Flo Viram Um Urso (2013), o diretor Denis Côté trouxe para o
debate o processo difícil da busca da ressocialização de duas ex-prisioneiras
que acabaram de sair da cadeia. Já a estreante em longas, a paulista Caru
Alves de Souza- filha de Tata Amaral, que demonstra o mesmo talento da mãe-
aborda o mesmo tema em De Menor , com boa
acolhida nos festivais internacionais de San Sebastián, na Espanha, Toulouse,
na França e Havana, em Cuba.
Foi premiado como o melhor filme no Festival do Rio de
Janeiro do ano passado, dividindo as láureas com o fabuloso O Lobo
Atrás da Porta (2013), do também neófito Fernando Coimbra, ambos com grande
sucesso de público e recepção de crítica na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo.
A trama gira na sombria história de dois irmãos órfãos na
cidade de Santos. A jovem advogada Helena (Rita Batata- atuação impecável e
merecedora do prêmio de melhor atriz no Festival do Rio) é uma idealista que
defende menores infratores pela Defensoria Pública e vive com o irmão caçula Caio
(Giovanni Gallo), aparentemente os dois têm um relacionamento saudável e
demonstram muita amizade entre eles. Mas nem tudo é um mar de rosas, pois num dia
qualquer o adolescente comete um delito e torna-se acusado na Vara da Infância
e Juventude, exatamente no local de trabalho da irmã. A partir dali irá se
mostrar uma pessoa problemática pela instabilidade emocional e de personalidade
impulsiva, cercado por garotos que cometem pequenas infrações, até um dia que
há um crime maior e como uma bomba-relógio explodirá justamente na defensora
pública.
A diretora faz um retrato de uma juventude convalescente e
sem rumo, sem deixar de demonstrar durante boa parte do filme o amor entre os
dois dentro de casa, que dividem tarefas como cozinhar, às vezes brigam como
qualquer ser mortal, ouvem músicas juntos e mantêm uma rotina familiar de afeto,
embora houvesse uma grande dependência do garoto para a irmã mais velha, ambos
nitidamente fragilizados pela recente perda dos pais. Surgem dúvidas e
inseguranças como marca registrada de uma infância ingressando na adolescência,
vindo à tona as dificuldades para quem tem a guarda de um menor em crise de
identidade da criança para a fase adulta recheada de incertezas. É bem retratado
no drama com as nuances para uma reflexão desapaixonada, como visto
recentemente na realização colombiana La Playa (2012), de Juan Andrés Arango Garcia.
O filme questiona a ressocialização pelo reingresso na
sociedade do jovem infrator que cometeu pequenos ilícitos, como demonstrado
pela intolerância acentuada pela falta de visão panorâmica do promotor público (Rui
Ricardo Diaz), um típico mão de ferro e nada afeito a concessões, que irá
encontrar no comedido juiz (Caco Ciocler), uma pessoa mais afável e conhecedora
da causa dos desajustes infantis, embora sem perder o senso do limite jurídico
e protetivo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. A punição entra
em choque com os ensinamentos da corriqueira lição dos métodos restritivos da
liberdade como forma de aprender as regras da vida.
Caru buscou subsídios na experiência pessoal da uma prima na
Defensoria Pública, na qual desenvolveu sua obra para abordar o tema do
abandono de crianças e adolescentes, tanto no âmbito familiar como no desleixo
dos governos e as tristes consequências da deliquência de uma juventude
conflitada, com a dose certa e bem temperada da trilha sonora de Tatá Aeroplano
e Junior Boca. A fotografia capta com esmero a emoção e as desavenças dos
irmãos em longos planos-sequência, num auxílio fascinante para um roteiro
engenhoso que aos poucos vai elucidando os fatos por uma narrativa segura e
objetiva, com poucos rodeios e distante de sofismas e alegorias baratas para
atingir no âmago o espectador atento, que irá perceber o esforço da
protagonista, mesmo em condições adversas, para obter soluções dignas como reinserções
para os que cometem desatinos ilícitos. Não chega a discutir a redução da
maioridade penal, embora o tema seja bem atual, talvez um equívoco da diretora.
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