terça-feira, 16 de setembro de 2014

De Menor


Conflitos Juvenis

No recente filme canadense Vic+Flo Viram Um Urso (2013), o diretor Denis Côté trouxe para o debate o processo difícil da busca da ressocialização de duas ex-prisioneiras que acabaram de sair da cadeia. Já a estreante em longas, a paulista Caru Alves de Souza- filha de Tata Amaral, que demonstra o mesmo talento da mãe- aborda o mesmo tema em De Menor, com boa acolhida nos festivais internacionais de San Sebastián, na Espanha, Toulouse, na França e Havana, em Cuba. Foi premiado como o melhor filme no Festival do Rio de Janeiro do ano passado, dividindo as láureas com o fabuloso O Lobo Atrás da Porta (2013), do também neófito Fernando Coimbra, ambos com grande sucesso de público e recepção de crítica na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo.

A trama gira na sombria história de dois irmãos órfãos na cidade de Santos. A jovem advogada Helena (Rita Batata- atuação impecável e merecedora do prêmio de melhor atriz no Festival do Rio) é uma idealista que defende menores infratores pela Defensoria Pública e vive com o irmão caçula Caio (Giovanni Gallo), aparentemente os dois têm um relacionamento saudável e demonstram muita amizade entre eles. Mas nem tudo é um mar de rosas, pois num dia qualquer o adolescente comete um delito e torna-se acusado na Vara da Infância e Juventude, exatamente no local de trabalho da irmã. A partir dali irá se mostrar uma pessoa problemática pela instabilidade emocional e de personalidade impulsiva, cercado por garotos que cometem pequenas infrações, até um dia que há um crime maior e como uma bomba-relógio explodirá justamente na defensora pública.

A diretora faz um retrato de uma juventude convalescente e sem rumo, sem deixar de demonstrar durante boa parte do filme o amor entre os dois dentro de casa, que dividem tarefas como cozinhar, às vezes brigam como qualquer ser mortal, ouvem músicas juntos e mantêm uma rotina familiar de afeto, embora houvesse uma grande dependência do garoto para a irmã mais velha, ambos nitidamente fragilizados pela recente perda dos pais. Surgem dúvidas e inseguranças como marca registrada de uma infância ingressando na adolescência, vindo à tona as dificuldades para quem tem a guarda de um menor em crise de identidade da criança para a fase adulta recheada de incertezas. É bem retratado no drama com as nuances para uma reflexão desapaixonada, como visto recentemente na realização colombiana La Playa (2012), de Juan Andrés Arango Garcia.

O filme questiona a ressocialização pelo reingresso na sociedade do jovem infrator que cometeu pequenos ilícitos, como demonstrado pela intolerância acentuada pela falta de visão panorâmica do promotor público (Rui Ricardo Diaz), um típico mão de ferro e nada afeito a concessões, que irá encontrar no comedido juiz (Caco Ciocler), uma pessoa mais afável e conhecedora da causa dos desajustes infantis, embora sem perder o senso do limite jurídico e protetivo previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. A punição entra em choque com os ensinamentos da corriqueira lição dos métodos restritivos da liberdade como forma de aprender as regras da vida.

Caru buscou subsídios na experiência pessoal da uma prima na Defensoria Pública, na qual desenvolveu sua obra para abordar o tema do abandono de crianças e adolescentes, tanto no âmbito familiar como no desleixo dos governos e as tristes consequências da deliquência de uma juventude conflitada, com a dose certa e bem temperada da trilha sonora de Tatá Aeroplano e Junior Boca. A fotografia capta com esmero a emoção e as desavenças dos irmãos em longos planos-sequência, num auxílio fascinante para um roteiro engenhoso que aos poucos vai elucidando os fatos por uma narrativa segura e objetiva, com poucos rodeios e distante de sofismas e alegorias baratas para atingir no âmago o espectador atento, que irá perceber o esforço da protagonista, mesmo em condições adversas, para obter soluções dignas como reinserções para os que cometem desatinos ilícitos. Não chega a discutir a redução da maioridade penal, embora o tema seja bem atual, talvez um equívoco da diretora.

Ao deixar Helena embretada no dilema de como conduzir o problema comportamental do irmão e qual a postura que irá adotar para demonstrar sua liderança no exercício do papel materno/paterno, diante da tênue condição de responsável diretamente sobre ele, De Menor lança para discussão uma temática complexa e o difícil caminho dos adolescentes e seus conflitos existenciais e econômicos. Sem ser definitivo, o bom drama social não propõe soluções e deixa o dilema aberto como uma ferida perigosa rumo à disseminação infecciosa, mas é provocante e instiga o espectador.

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