Reaproximações
Silenciosas
A inóspita Patagônia argentina com seus mistérios e forte
magnetismo tem sido cenário de filmes recentes. Carlos Sorín realizou seu
último longa Filha Distante (2012) e Lucía
Puenzo dirigiu o thriller O Médico Alemão
(2013). Também o cineasta gaúcho Paulo Nascimento, um obstinado e
trabalhador pela causa do cinema, buscou naquele lugar de muitos ventos e
ruínas o local ideal para construir A
Oeste do Fim do Mundo, seu melhor longa numa coprodução Brasil-Argentina de
2012. Antes, dirigiu as equivocadas obras Diário
de Um Mundo Novo (2005), Valsa para
Bruno Stein (2007) e Em teu Nome (2009), além
do fracassado projeto infantil A Casa
Verde (2009), sem receptividade de espectadores, logo saiu de cartaz.
A história de Nascimento tem boa narrativa e desta vez
acerta em cheio no alvo. O protagonista é Leon (César Troncoso- sempre lembrado
pelo magnífico O Banheiro do Papa, de
2007), um homem solitário, tristonho, que guarda para si as lembranças de
quando lutou na Guerra das Malvinas, em 1982. O ex-combatente traz uma
melancolia e um desleixo que afeta sua relação com o filho menor, que vive com
a avó, após a mulher ter abandonado os dois. Sobrevive sem perspectiva de vida
num velho posto de gasolina, perdido na imensidão da Ruta 7, uma estrada
transcontinental entre a Argentina e o Chile. Seu único amigo é Silas (Nelson
Diniz), um brasileiro trambiqueiro sem destino que almeja isolar-se do mundo e
faz visitas frequentes para trazer peças para consertar a moto do veterano de
guerra.
A trajetória da dupla é abalada com a chegada de Ana
(Fernanda Moro), uma jovem também brasileira que escapou da tentativa de estupro
de um caminhoneiro que pegara carona, traz lembranças que quer esquecer e seu
objetivo principal é ir em definitivo para Santiago. A mulher não tem para onde
ir, pois está no meio do deserto, busca um refúgio inicialmente para apenas um
dia. Embora, sem ser bem-vinda, convence Leon a abrigar-se na precária casa e
ali vai ficando com o passar dos dias. O diretor cria uma atmosfera de olhares
e alguns diálogos nada amistosos entre o trio com o cotidiano alterado, mas que
aos poucos a barreira do silêncio e a superação do idioma irá estabelecer um
elo com algumas possíveis soluções para suas vidas desregradas. Parece que nem
tudo está perdido para aqueles personagens que foram parar ali por acaso. Os
três estão fugindo de um passado misterioso, que irá se revelar com o andar da
trama.
A Oeste do Fim do
Mundo tem uma instigante paisagem que envolve os personagens num jogo de
situações com reflexos dos traumas que ficaram bem distantes. É uma busca da
redenção, como se ali fosse um purgatório para emergir e dar luzes para o
futuro, na qual a superação está presente, lançadas como metáforas pela
barreira do entendimento de uma comunicação idiomática confusa entre eles. Um
não entende o português; outro desconhece o espanhol, mas a relação faz
concessões e aos poucos diminuirá os entraves e crescerá o vínculo, tornando os
problemas mais acessíveis e de melhor compreensão para as respostas que virão
como se um novo dia nascesse.
Com um enxuto roteiro e um elenco harmonioso através de uma
estrutura de personagens, secundado por uma fotografia radiante com imagens que
superam os diálogos, através de uma trilha sonora adequada na maioria das
cenas, embora em alguns momentos soasse um tanto artificial, chega a abafar o
clímax, inclusive as intempéries do tempo pelo vento uivante sempre próximo
atuando como se fosse um motivador ou um personagem do drama, também presente no
comovente drama familiar Filha Distante, de
Sorín, ao acompanhar o protagonista nos caminhos de sua existência, para
restabelecer os vínculos afetivos deteriorados com a filha, em que o pai não
sabe o endereço e para a isto terá de encontrá-la com muito esforço naquele
lugar de rara comunicação. Nascimento faz o caminho inverso para o reencontro
de pai e filho, construindo com sensibilidade e boa dose de emoção a luta para
reparar um passado, reconstruir um presente e estabelecer um definitivo elo
familiar delineado pela ausência paterna rompida no cotidiano de dias
entediantes.
Uma boa abordagem pela busca do sentido da existência
marcado pelas perdas profundas oriundas do abandono, após a separação abrupta
pós-guerra. Restaram fissuras indeléveis como herança de erros de rota mal
calculados pela inconsequência, que agora estão mais difíceis de serem
reconectadas, após fendas latentes com feridas abertas para serem cicatrizadas,
diante de questões mal resolvidas. O afeto esbarra e se escancara na distância
entre pai e filho, principalmente quando não atende o telefone. Há um espaço aberto
de amor a ser preenchido, que ora está vazio e incompleto nesta película sem
grandes pirotecnias, que deixa um legado de conteúdo e complexidade humana.
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