segunda-feira, 29 de setembro de 2014

A Oeste do Fim do Mundo


Reaproximações Silenciosas

A inóspita Patagônia argentina com seus mistérios e forte magnetismo tem sido cenário de filmes recentes. Carlos Sorín realizou seu último longa Filha Distante (2012) e Lucía Puenzo dirigiu o thriller O Médico Alemão (2013). Também o cineasta gaúcho Paulo Nascimento, um obstinado e trabalhador pela causa do cinema, buscou naquele lugar de muitos ventos e ruínas o local ideal para construir A Oeste do Fim do Mundo, seu melhor longa numa coprodução Brasil-Argentina de 2012. Antes, dirigiu as equivocadas obras Diário de Um Mundo Novo (2005), Valsa para Bruno Stein (2007) e Em teu Nome (2009), além do fracassado projeto infantil A Casa Verde (2009), sem receptividade de espectadores, logo saiu de cartaz.

A história de Nascimento tem boa narrativa e desta vez acerta em cheio no alvo. O protagonista é Leon (César Troncoso- sempre lembrado pelo magnífico O Banheiro do Papa, de 2007), um homem solitário, tristonho, que guarda para si as lembranças de quando lutou na Guerra das Malvinas, em 1982. O ex-combatente traz uma melancolia e um desleixo que afeta sua relação com o filho menor, que vive com a avó, após a mulher ter abandonado os dois. Sobrevive sem perspectiva de vida num velho posto de gasolina, perdido na imensidão da Ruta 7, uma estrada transcontinental entre a Argentina e o Chile. Seu único amigo é Silas (Nelson Diniz), um brasileiro trambiqueiro sem destino que almeja isolar-se do mundo e faz visitas frequentes para trazer peças para consertar a moto do veterano de guerra.

A trajetória da dupla é abalada com a chegada de Ana (Fernanda Moro), uma jovem também brasileira que escapou da tentativa de estupro de um caminhoneiro que pegara carona, traz lembranças que quer esquecer e seu objetivo principal é ir em definitivo para Santiago. A mulher não tem para onde ir, pois está no meio do deserto, busca um refúgio inicialmente para apenas um dia. Embora, sem ser bem-vinda, convence Leon a abrigar-se na precária casa e ali vai ficando com o passar dos dias. O diretor cria uma atmosfera de olhares e alguns diálogos nada amistosos entre o trio com o cotidiano alterado, mas que aos poucos a barreira do silêncio e a superação do idioma irá estabelecer um elo com algumas possíveis soluções para suas vidas desregradas. Parece que nem tudo está perdido para aqueles personagens que foram parar ali por acaso. Os três estão fugindo de um passado misterioso, que irá se revelar com o andar da trama.

A Oeste do Fim do Mundo tem uma instigante paisagem que envolve os personagens num jogo de situações com reflexos dos traumas que ficaram bem distantes. É uma busca da redenção, como se ali fosse um purgatório para emergir e dar luzes para o futuro, na qual a superação está presente, lançadas como metáforas pela barreira do entendimento de uma comunicação idiomática confusa entre eles. Um não entende o português; outro desconhece o espanhol, mas a relação faz concessões e aos poucos diminuirá os entraves e crescerá o vínculo, tornando os problemas mais acessíveis e de melhor compreensão para as respostas que virão como se um novo dia nascesse.

Com um enxuto roteiro e um elenco harmonioso através de uma estrutura de personagens, secundado por uma fotografia radiante com imagens que superam os diálogos, através de uma trilha sonora adequada na maioria das cenas, embora em alguns momentos soasse um tanto artificial, chega a abafar o clímax, inclusive as intempéries do tempo pelo vento uivante sempre próximo atuando como se fosse um motivador ou um personagem do drama, também presente no comovente drama familiar Filha Distante, de Sorín, ao acompanhar o protagonista nos caminhos de sua existência, para restabelecer os vínculos afetivos deteriorados com a filha, em que o pai não sabe o endereço e para a isto terá de encontrá-la com muito esforço naquele lugar de rara comunicação. Nascimento faz o caminho inverso para o reencontro de pai e filho, construindo com sensibilidade e boa dose de emoção a luta para reparar um passado, reconstruir um presente e estabelecer um definitivo elo familiar delineado pela ausência paterna rompida no cotidiano de dias entediantes.

Uma boa abordagem pela busca do sentido da existência marcado pelas perdas profundas oriundas do abandono, após a separação abrupta pós-guerra. Restaram fissuras indeléveis como herança de erros de rota mal calculados pela inconsequência, que agora estão mais difíceis de serem reconectadas, após fendas latentes com feridas abertas para serem cicatrizadas, diante de questões mal resolvidas. O afeto esbarra e se escancara na distância entre pai e filho, principalmente quando não atende o telefone. Há um espaço aberto de amor a ser preenchido, que ora está vazio e incompleto nesta película sem grandes pirotecnias, que deixa um legado de conteúdo e complexidade humana.

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