sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Os 10 Melhores Filmes do Ano (2016)


Os 10 Mais e 05 Menções Honrosas

Como é final de ano e todos os críticos estão com suas listas de melhores filmes vistos em 2016, também elencamos o que se viu e ficou marcado como os 10 Mais e ainda 05 Menções Honrosas. Segue em ordem de preferência:

01. A Ovelha Negra (foto abaixo), de Grímur Hákonarson;

02. O Botão de Pérola, de Patricio Guzmán;

03. As Montanhas Se Separam, de Jia Zhang-ke;

04. A Viagem de Meu Pai, de Philippe Le Guay;

05. Elle, de Paul Verhoeven;

06. Aquarius, de Kleber Mendonça Filho;

07. Café Society, de Woody Allen

08. Nossa Irmã Mais Nova, de Hirokasu Kore-eda;

09. O Filho de Saul, de László Nemes;

10. Agnus Dei, de Anne Fontaine.


Dos que não conseguiram constar nos 10 Mais, listamos algumas menções honrosas, que só não entraram por absoluta falta de espaço, tais como:

- O Silêncio do Céu, de Marco Dutra;
- Paulina, de Santiago Mitre;
- A Terra e a Sombra, de César Augusto Acevedo;
- Táxi Teerã, de Jafar Panahi;
- Carol, de Todd Haynes.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Neruda


O Poeta Político

O Chile apresenta seu representante que concorreu à vaga de melhor filme estrangeiro do Oscar de 2017, porém ficou fora da pré-seleção, mas disputará o Globo de Ouro. Neruda é o nono longa-metragem de Pablo Larraín, uma abordagem de um período pouco conhecido do poeta Pablo Neruda (1904-1973) e sua incursão como senador cassado na política chilena, bem como seu período no exílio, ao se refugiar no sul do país. Foi perseguido pelo governo totalitário chileno de 1948, sob o comando do presidente Gabriel González Videla (Alfredo Castro), por ser um comunista assumido e com ligações ao governo da extinta União Soviética, embora haja discordância dos biógrafos sobre a verdadeira trajetória e suas andanças pelo continente. Neste vácuo de contradições, o diretor dá asas à fértil imaginação para criar situações pitorescas e ficcionais, embasadas no discurso ao receber o Nobel da Literatura, em 1971. Menciona na cerimônia estar no lombo do cavalo e seus sangramentos, com o auxílio de vaqueiros na travessia pela Cordilheira dos Andes.

Larraín é um cineasta de 40 anos, inquieto e sempre inventivo nas suas propostas, procura lançar questionamentos profundos sobre suas realizações, mostra-se preocupado com as distorções das mazelas sociais e políticas de seu país. Entre os filmes mais conhecidos da filmografia estão: Fuga (2006); o aclamado Tony Manero (2008) com boa repercussão na 32ª Mostra de São Paulo; Post Mortem (2010); o festejado pela crítica e aplaudido pelo púbico No (2012), talvez o mais popular deles por retratar a pressão internacional sobre o ditador Augusto Pinochet, que convoca um plebiscito para avaliar seu governo sanguinário e a manutenção em 1988. O não à continuidade e o sim para as eleições diretas em todos os níveis, semelhante ao apelo popular no Brasil entre 1983 e 1984, com o célebre movimento que mobilizou o país em torno da redemocratização Diretas Já. É dele também o badalado O Clube (2015) e a comentada (e ainda inédita no Brasilcinebiografia Jackie (2016), sobre a ex-primeira-dama dos EUA Jacqueline Kennedy, rendendo a indicação de Natalie Portman ao Globo de Ouro.

Em Neruda a trama gira em torno do personagem que empresta o nome ao título (Luis Gnecco), que dá ênfase na perseguição para ser rotulada de selvagem, e assim seja inserido no desenlace da história, passando da ficção para a realidade. No encalço do poeta está Oscar (Gael García Bernal), o implacável policial e obstinado servidor do regime, que deseja provar seus dotes para alcançar a fama definitivamente. Beira como uma obsessão, numa fórmula mágica e fantasiosa do jogo entre o gato e o rato na perseguição ideológica ao comunista perigoso que come criancinhas no fundo do quintal. O filme mostra uma guerra eminentemente particular entre os dois símbolos do sistema. Um é a alegoria do poder ensandecido; o outro é visto como um ícone da cultura sufocada que foge para não ser preso e humilhado perante o povo. São situações emblemáticas entre a caça e o caçador que constroem versões que melhor convém para cada um dos personagens literalmente dentro de um painel simbólico de insatisfações de uma realidade cruel. Um depende do outro, eles se atraem impulsivamente por uma força irresistível, por isto são falsos prisioneiros dentro de uma teia de aranha, em que não conseguem romper os vínculos.

O mérito do realizador está em não colocar o personagem central como um herói do povo, contraditoriamente é mostrado como um sujeito egocêntrico e superior aos demais colegas do partido que seguem uma ideologia de luta por um ideal, embora extremada em algumas situações. Pablo Neruda é retratado como um homem que gosta de vida boa, orgias com mulheres e farras homéricas. Uma abordagem que privilegia seu talento, suas paixões, a vaidade e o egoísmo contrastando com as convicções políticas. As fantasias e os absurdos estão na simbiose do intimismo da história bem elaborada pelo diretor, que não exime seus personagens dos paradoxos e fragilidades existenciais, sequer afasta as idiossincrasias existentes em cada um deles na inspirada criação psicológica dos dois: Pablo Neruda e Oscar. A farsa está presente na construção do jogo pelo poder e as decorrências que dele emergem. É elucidativa a cena da engraçada esposa de Neruda, a artista plástica argentina Delia (Mercedes Morán), quando o casal discute cinicamente sobre a importância da pirotécnica perseguição, ela é lacônica e incisiva ao mandá-lo correr atrás de seu algoz.

O drama, mesclado com traços biográficos e uma narrativa com clímax policial, tem no roteiro de Guillermo Calderón o foco no rumo dos dois oponentes principais em tom ficcional, sem traçar datas e evoluções de aspecto verídico. A poesia é bem adaptada para o cinema, sem se tornar cansativa. Apenas insiste na repetição do famoso “Posso escrever os versos mais tristes essa noite”, como forma de registro de um irônico poema clássico. A fotografia é esplendorosa com imagens poderosas de nevascas de um realismo marcante no epílogo, bem assessorada pela bela trilha sonora. Neruda é, antes de tudo, uma boa narrativa do estigma deixado pela cruzada anticomunista, mas também não se abstém de sua função ao documentar com devaneios a vida de uma das figuras mais emblemáticas e influentes da cultura do século passado. Ainda que subverta os fatos ao optar pela encenação farsesca, eximindo-se de um relato fiel dos acontecimentos, deixa a criatividade cinematográfica ser o elemento preponderante na essência deste bom filme.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

É Apenas o Fim do Mundo


Mágoas do Passado

A trajetória do talentoso diretor Xavier Dolan começou muito cedo, com apenas 20 anos já conquistou seu público cativo na extraordinária estreia confessional Eu Matei a Minha Mãe (2009), sobre a relação edipiana e o contemplamento com desprezo. No segundo longa, Os Amores Imaginários (2010), dá uma boa derrapada com um filme mais leve e engajado na causa gay, deixa a desejar como uma obra mais reflexiva, e talvez, devesse ser comprometido com uma análise crítica mais aprofundada. Depois veio Laurence Anyways (2012) mostrando os paradoxos da existência humana ao enfrentar uma situação delicada da troca de sexo para virar mulher através de uma cirurgia, aborda os problemas complexos como a força do desejo sendo mais forte do que manter os laços de uma união. Tom na Fazenda (2012) não teve boa repercussão, nem de público e sequer da crítica, porém a penúltima realização, Mommy (2014), reacendeu a luz da inspiração do jovem cineasta de 27 anos.

Agora o realizador canadense volta com seu sexto longa-metragem, É Apenas o Fim do Mundo, que teve lançamento mundial no Festival de Cannes, em maio deste ano. Eis um potente drama intimista com discussões e buscas do passado na essência das aparentes questiúnculas invisíveis que ficaram sem um desenlace a contento. Como que jogadas embaixo do tapete, inoportunamente são retiradas de lá e passam a fazer parte deste vigoroso painel num cenário de frustrações do microcosmo familiar e suas aberrações de futricas que tomam dimensões estratosféricas. Um retrato digno da violência estampada na agressão psicológica pelas palavras ferinas e pontuais como um míssil à procura da vítima que é lançado para alcançar o alvo dentro do convívio pouco estreito daquele núcleo desestruturado, mas que aparentemente vai tocando a vida como se nada de obstáculos os perturbassem. São inevitáveis os rumos diferentes tomados pelos personagens envolvidos, mas na realidade nunca se afastam totalmente, pois o vínculo da união resiste pela figura maternal. Há uma realidade a ser encarada para a construção dos elos perdidos.

Baseado na peça teatral homônima de Jean-Luc Lagarce, a trama aborda o escritor Louis (Garspard Ulliel, convincente na interpretação), longe de casa há 12 anos, retorna para contar sua tragédia pessoal, diante da iminência da morte por decorrência de uma doença terminal. O encontro com os membros familiares é pouco auspicioso. Sente-se sufocado pela receptividade agressiva do irmão, o irascível Antoine (Vincent Cassel, perfeito no papel), mas terá a compreensão da destrambelhada irmã, Suzanne (Léa Seidoux) é afável e ao mesmo tempo problemática pela dependência de drogas, quer ter vida própria, sair daquele lugar interiorano para desabrochar na vida. É importante a presença marcante da mãe (Nathalie Baye), sempre pronta para acalmar os ânimos e contemporizar com suas sacadas sutis e positivas. É uma defensora ferrenha da união e tenta pacificar com seu jeito descolado os diálogos ríspidos entre os filhos. O objetivo daquela reunião torna-se frustrante, pois o preconizado por Louis toma outros rumos e sai do controle completamente, como uma locomotiva que descarrila dos trilhos num declive montanhoso. Principalmente com o temperamental irmão que se acha inferiorizado profissionalmente, uma espécie de brutamonte pseudocivilizado, sempre dá contornos antagônicos nas conversas mais amenas, falta-lhe a sensibilidade que sobra na esposa submissa, Catherine (Marion Cotillard), com seus olhos de interrogação, mas sempre disposta a dar um carinho ao cunhado, considerado como um estranho no ninho pelo marido implacável.

Dolan se aprofunda na temática com sua sensibilidade e hábil sutileza para estabelecer os contrastes familiares, onde pequenas coisas e desavenças de outrora tomam proporções absolutas para inibir o que seria um doloroso relato sobre a iminente morte do visitante, com sua sombria aparência, suas reminiscências que não são entendidas como as indicativas luzes sugeridas pelo protagonista, tais como: ir até o café do aeroporto ou rever a antiga casa abandonada em que passou a infância. O encontro sonhado toma outros horizontes, passa pela rotina de lágrimas por brigas e desacertos de um passado removido com seus fantasmas ressurgindo com sangue nos olhos, e por vezes, a vingança mistura-se a ciúmes camuflados se estabelecendo com garras e tentáculos gigantes. Até o almoço no jardim virou uma sucursal do inferno, pelas idiossincrasias em formato de acusações verbais inusitadas para todos os lados, especialmente do recalcado Antoine, no embalo da bela trilha sonora pop, entre as quais a romena Dragonstea Din Tei, da versão original de Festa no Apê, do brasileiro Latino.

O desfecho com o pássaro inerte no chão, após o toque da meia-noite no antigo relógio cuco de parede, propiciando a revoada premonitória da pequena ave, é uma poderosa metáfora da liberdade pelo fenecimento, em que os mortais rompem as amarras da vida diante da intransigência, no confronto entre vida e morte e as emoções existenciais sobre o progressivo fim do ser humano, remete para a bela cena do estupendo drama Amor (2012), de Michael Haneke, quando a pomba invasora do apartamento é expulsa pelo ancião, representa então a libertação do espírito da mulher doente de seu corpo, como se fosse um cativeiro indesejado. É Apenas o Fim do Mundo tem contundência por ser um filme dolorido pela melancolia de um reencontro turbulento, em que são refletidas situações menores em detrimento de uma causa bem maior. O epílogo é magnífico pelo senso revelador, como também fascina o prólogo ao retratar a chegada em sua terra natal do agonizante escritor com seu segredo pela notícia estarrecedora de uma situação irremediável. Basta observar a opção por planos-sequência longos com a câmera estática em cada personagem distante da realidade perturbadora com closes fechados e com alto grau de profundidade numa narrativa equilibrada, num tom amargo e seco.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Elis


Emoção Afinada

O diretor estreante Hugo Prata quando começou a trabalhar no longa Elis, há cinco anos encontrou algumas dificuldades para realizar esta magnífica cinebiografia sobre a maior cantora do Brasil de todos os tempos, para muitos da crítica e do público. Só havia uma biografia na época, agora já são três, pois há um musical que fez sucesso e mais o ora badalado filme deste promissor cineasta. Elis Regina (1945-1982) cantou samba, disco music e consagrou-se definitivamente na MPB. Detentora de uma voz afinadíssima e cristalina, colocava muita emoção na interpretação com seus gestos coreográficos no palco, que a tornou completa pelos seus recursos técnicos. Não se acomodava e nem se conformava com pouco. Sempre quis ser a melhor, batalhou lutou, foi debochada, espezinhada e chamada de “Hélice Regina”- alusão pelos movimentos de braços girando como pás para o eixo no espaço- pelo seu primeiro marido, Ronaldo Bôscoli (Gustavo Machado), um mulherengo inveterado que não podia ver um rabo de saia, num casamento corturbado por brigas violentas e algumas baixarias.

Ainda jovem deixou Porto Alegre, em 1964, para se estabelecer no Rio de Janeiro. Uma personagem desafiadora que estava muito além de seu tempo. Uma mulher de personalidade forte, por isto o apelido de “Pimentinha”, logo se impôs no universo machista para viver paixões arrebatadoras. Ao estremecer a relação com o zeloso pai, Romeu (Zécarlos Machado), decide fazer carreira e tocar em frente a fabulosa trajetória artística, deixa seu talento desabrochar no Beco das Garrafas, um lugar em que a boemia carioca predominava. Ali conheceu o badalado empresário da noite Miele (Lúcio Mauro Filho); o coreógrafo norte-americano Lennie Dale (Julio Andrade, que depois foi preso pela ditadura militar; e o arrogante Bôscoli, um defensor obstinado da Bossa Nova. Mas a consagração só viria depois com a canção Arrastão, em 1965, no festejado Festival da TV Excelsior. Os caminhos se abriram para brilhar no programa Fino da Bossa, em que animava com Jair Rodrigues (Ícaro Silva), motivo de galhofa de seus pares por ele “plantar bananeira” no auditório.

O roteiro assinado por Prata, Luiz Bolognesi e Vera Egito faz um retrato fiel da gauchinha que se irrita com os caminhos que a indústria fonográfica quer dar, impondo algumas normas contrárias aos desejos de inovação propostos pela intérprete, uma incansável defensora da boa música popular brasileira, que tem o apoio do crítico Nelson Mota (Rodrigo Pandolfo), o empresário Marcos Lázaro (César Trancoso) e o surgimento em sua vida do tímido pianista César Camargo Mariano (Caco Ciocler), com quem faz parceria profissional e se casa pela segunda vez, tendo mais dois filhos, entre eles Maria Rita, já tinha um do primeiro matrimônio. Sofreu muito com a oposição ferrenha do cartunista Henfil (Bruce Gomlevsky) que não admitiu vê-la nas Olimpíadas Militares interpretando a melodia Madalena. Cria-se um ambiente de animosidade e rejeição por alguns colegas do meio musical, embora sua rápida aparição tenha sido forçada e pressionada pelo Comando Militar com ameaças ostensivas aos seus filhos.

Aclamado no Festival de Gramado como melhor filme pelo júri popular, ganhou também os Kikitos de melhor atriz e montagem. Embora tenha ficado de fora por questão de logística a gravação em Nova Iorque de Elis & Tom, em 1974, no disco em que há o dueto antológico da dupla na canção Águas de Março, que marcou a carreira dos dois, a cinebiografia é uma narrativa em tom de drama que aborda o relacionamento difícil da cantora que origina uma fossa imensurável, ao atrair a antipatia da esquerda e os olhos atentos da censura batendo em sua porta por um governo militar implacável, além da turbulência das ruas pelo golpe de 1964. Sobram elementos que subsidiam uma grande depressão existencial da estrela que fora aplaudida em espetáculos na França e EUA. O desfecho angustiante e dolorido pela morte prematura, aos 36 anos, causada pela mistura de cocaína e álcool, são fatores essenciais para o iminente trágico fim por overdose de uma vida intensa, de altos e baixos, advindos de reveses e vitórias da briguenta estrela e sua força de manter-se de pé nos piores momentos.

Há que se ressaltar em Elis, a magistral atuação de Andréia Horta, de 33 anos, conhecida por personagens secundárias em novelas, atinge o ápice com o maior papel de sua carreira, mesmo que esteja apenas dublando as músicas da trilha sonora, atua com uma impressionante dramaturgia, muito além da expectativa. Não é fácil encarnar a gigante Elis Regina, mas demonstra soberbo vigor físico e psicológico para uma construção despojada que atinge a exuberância com suas gengivas expostas, os trejeitos, o sorriso, o corte de cabelo e o gestual marcante intimista da biografada, uma artista emblemática e sensível, poética e por vezes reveladora. Eis um passeio pela trajetória de fatos verídicos que marcaram uma existência entre prós e contras, alegrias e dissabores, mas sem aquele ranço viciado de simplesmente contar uma história recheada de futilidades. Um filme para todas as gerações, tendo como marco histórico a angustiante vida com seus contratempos de uma celebridade. Para ser lembrado e sorvido com sensibilidade as sutilezas sugeridas, lava a alma e deixa os ombros um pouco mais leves as saborosas melodias com o gosto e a marca brasileira, além do resumo episódico do anacrônico regime ditatorial que passou sem deixar saudades.