Um Alguém Apaixonado
Abbas Kiarostami demonstra com este excelente último longa Um Alguém Apaixonado, ter se escalado
como um dos favoritos para abocanhar o prêmio de melhor filme desta 36ª. Mostra
de São Paulo, dando sinais evidentes de seu retorno às origens com uma clara referência
aos filmes de sua carreira realizados no Irã. Antes havia fortes vínculos de coautoria
com o espectador, o que está de volta num retorno até certo ponto às suas
raízes e seu povo, embora o cenário seja Tóquio.
O próprio diretor afirmou na sessão comentada que irá filmar
no seu país o próximo longa-metragem. É perceptível com bastante nitidez, se
perceber o diretor derivando para um passado de filmes eloquentes na reflexão,
embora partindo de situações cotidianas bem simples, quase que corriqueiras,
tomando vulto no desenrolar da trama com um envolvimento e a situação complexa
no epílogo sem saídas convencionais. Assim foi em Gosto
de Cereja (1997), Atrás das Oliveiras (1994), O Vento nos Levará (1999), Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987)
e Close Up (1990). Dá mostras de estar deixando
para trás uma momento de ocidentalização como no sofrível Shirin (2008) e no bom Copia Fiel (2010).
Kiarostami busca novamente entrar no jogo da mentira como um
novelo que vai se desenrolando com o andar do filme, o que ocorrera em Cópia Fiel , para discutir-se a relação de um casal
conflitado com os problemas decorrentes do desgaste pela convivência da união
de duas pessoas que mais pareciam estranhas do que próximas. E havia no meio
uma criança perdida e atordoada pelas circunstâncias dos pais.
A trama desenvolvida na sua produção japonesa é muito bem
conduzida pela jovem Akiko (Rin Takanashi), uma estudante desinteressada que veio
do interior, é ingênua e meio bobinha, faz programas por dinheiro, namora um
mecânico ciumento e possessivo (Ryo Kase). A coisa começa a se complicar quando
encontra por indicação de um cafetão do bar que frequenta, o idoso Takashi
(Tadashi Okuno), um professor de sociologia, escritor e tradutor, que mora nos
arrabaldes de Tóquio numa casa-biblioteca, vigiado por uma vizinha que nutre um
amor platônico por ele.
Num certo momento, parece que estamos em Teerã, com os
velhos filmes de Kiarostami, mas não. O cenário é de cores radiantes que
iluminam as ruas e prédios da nevrálgica Tóquio e sua população estressada. Tudo
é aparência e um jogo estranho começa a acontecer com o velhinho que ao buscar o
prazer pago para aliviar sua solidão, pois é um viúvo que mora absolutamente
sozinho. Não tem animal de estimação, vive ente os livros e o trabalho. Prepara
um jantar com vinho e sonhos de uma noite grandiosa, mas é truncada pelo sono
da jovem inexperiente. Ambos demonstram serem criaturas perdidas, ingênuos e
solitários numa Tóquio grandiloquente. Uma relação de avô e neta ou uma noite
de prazer de prostituição?
As mentiras começam a ser invocadas entre o professor e o
namorado da garota. Uma sucessão de gafes dos protagonistas enseja uma
armadilha de explosão no final. Akiko é uma personagem com dúvidas e sem um
objetivo maior, embora demonstre arrependimento ao não ir ao encontro da avó
que vem do interior. Os enigmas do filme seguem até a cena final, como da
relação amorosa do casal, onde os dois são antagônicos e conflitados. O rapaz é
o símbolo da paixão desmedida, ela quer mantê-lo, mas não sabe direito por que
o ama. Habilmente o diretor coloca os três em situação constrangedora e eivada
de contratempos.
Um Alguém Apaixonado
se desenrola em 24 horas, mas é abrangente e revelador, como num jogo de
sedução e mentiras, solidão e prazer, a prostituição para manter-se numa cidade
cosmopolita como Tóquio. Temas estes bem explorados e com a o estilo vigoroso
de Kiarostomani, mostrando culpas recíprocas e arrependimentos implícitos, com
uma forte dose de amor sem fronteiras transgressor de limites, neste fabuloso e
intrigante filme desde seu início até o desfecho em aberto, mas poderoso como
reflexão sobre o jogo de mentiras que destroem a civilidade e podem levar à
violência desmedida.
Debate em São Paulo
Após a exibição do filme, o diretor Abbas Kiarostami
participou de um bate-papo com o público. Recebeu inicialmente o Troféu Leon
Cakoff das mãos de Renata de Almeida, viúva do organizador morto ano passado.
Durante a conversa, ele falou que sabe sim o que quer dos longas realizados e o
que pretende e aonde quer chegar com eles, mas que tendo um produtor, tem que submeter
o roteiro pronto a uma supervisão. Perguntado: por que o Japão? Respondeu: por
que não o Japão? Logo complementou que neste país todas as circunstâncias
convergem e que não poderia ser outro lugar mais adequado. Quanto ao idioma não
vê nenhuma problema, pois ele é secundário. Arrematou que não entende português,
mas gosta muito do Brasil. Finalmente asseverou que seu próximo filme será no
Irã, embora um retorno difícil pelas contingências políticas.