segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Mostra de Cinema São Paulo (Um Alguém Apaixonado)















Um Alguém Apaixonado

Abbas Kiarostami demonstra com este excelente último longa Um Alguém Apaixonado, ter se escalado como um dos favoritos para abocanhar o prêmio de melhor filme desta 36ª. Mostra de São Paulo, dando sinais evidentes de seu retorno às origens com uma clara referência aos filmes de sua carreira realizados no Irã. Antes havia fortes vínculos de coautoria com o espectador, o que está de volta num retorno até certo ponto às suas raízes e seu povo, embora o cenário seja Tóquio.

O próprio diretor afirmou na sessão comentada que irá filmar no seu país o próximo longa-metragem. É perceptível com bastante nitidez, se perceber o diretor derivando para um passado de filmes eloquentes na reflexão, embora partindo de situações cotidianas bem simples, quase que corriqueiras, tomando vulto no desenrolar da trama com um envolvimento e a situação complexa no epílogo sem saídas convencionais. Assim foi em Gosto de Cereja (1997), Atrás das Oliveiras (1994), O Vento nos Levará (1999), Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987) e Close Up (1990). Dá mostras de estar deixando para trás uma momento de ocidentalização como no sofrível Shirin  (2008) e no bom Copia Fiel (2010).

Kiarostami busca novamente entrar no jogo da mentira como um novelo que vai se desenrolando com o andar do filme, o que ocorrera em Cópia Fiel, para discutir-se a relação de um casal conflitado com os problemas decorrentes do desgaste pela convivência da união de duas pessoas que mais pareciam estranhas do que próximas. E havia no meio uma criança perdida e atordoada pelas circunstâncias dos pais.

A trama desenvolvida na sua produção japonesa é muito bem conduzida pela jovem Akiko (Rin Takanashi), uma estudante desinteressada que veio do interior, é ingênua e meio bobinha, faz programas por dinheiro, namora um mecânico ciumento e possessivo (Ryo Kase). A coisa começa a se complicar quando encontra por indicação de um cafetão do bar que frequenta, o idoso Takashi (Tadashi Okuno), um professor de sociologia, escritor e tradutor, que mora nos arrabaldes de Tóquio numa casa-biblioteca, vigiado por uma vizinha que nutre um amor platônico por ele.

Num certo momento, parece que estamos em Teerã, com os velhos filmes de Kiarostami, mas não. O cenário é de cores radiantes que iluminam as ruas e prédios da nevrálgica Tóquio e sua população estressada. Tudo é aparência e um jogo estranho começa a acontecer com o velhinho que ao buscar o prazer pago para aliviar sua solidão, pois é um viúvo que mora absolutamente sozinho. Não tem animal de estimação, vive ente os livros e o trabalho. Prepara um jantar com vinho e sonhos de uma noite grandiosa, mas é truncada pelo sono da jovem inexperiente. Ambos demonstram serem criaturas perdidas, ingênuos e solitários numa Tóquio grandiloquente. Uma relação de avô e neta ou uma noite de prazer de prostituição?

As mentiras começam a ser invocadas entre o professor e o namorado da garota. Uma sucessão de gafes dos protagonistas enseja uma armadilha de explosão no final. Akiko é uma personagem com dúvidas e sem um objetivo maior, embora demonstre arrependimento ao não ir ao encontro da avó que vem do interior. Os enigmas do filme seguem até a cena final, como da relação amorosa do casal, onde os dois são antagônicos e conflitados. O rapaz é o símbolo da paixão desmedida, ela quer mantê-lo, mas não sabe direito por que o ama. Habilmente o diretor coloca os três em situação constrangedora e eivada de contratempos.

Um Alguém Apaixonado se desenrola em 24 horas, mas é abrangente e revelador, como num jogo de sedução e mentiras, solidão e prazer, a prostituição para manter-se numa cidade cosmopolita como Tóquio. Temas estes bem explorados e com a o estilo vigoroso de Kiarostomani, mostrando culpas recíprocas e arrependimentos implícitos, com uma forte dose de amor sem fronteiras transgressor de limites, neste fabuloso e intrigante filme desde seu início até o desfecho em aberto, mas poderoso como reflexão sobre o jogo de mentiras que destroem a civilidade e podem levar à violência desmedida.

Debate em São Paulo

Após a exibição do filme, o diretor Abbas Kiarostami participou de um bate-papo com o público. Recebeu inicialmente o Troféu Leon Cakoff das mãos de Renata de Almeida, viúva do organizador morto ano passado. Durante a conversa, ele falou que sabe sim o que quer dos longas realizados e o que pretende e aonde quer chegar com eles, mas que tendo um produtor, tem que submeter o roteiro pronto a uma supervisão. Perguntado: por que o Japão? Respondeu: por que não o Japão? Logo complementou que neste país todas as circunstâncias convergem e que não poderia ser outro lugar mais adequado. Quanto ao idioma não vê nenhuma problema, pois ele é secundário. Arrematou que não entende português, mas gosta muito do Brasil. Finalmente asseverou que seu próximo filme será no Irã, embora um retorno difícil pelas contingências políticas.

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