Mosaico Debilitado
Encerrada a grandiosa 36ª. Mostra Internacional de Cinema de
São Paulo, com ótimos e inesquecíveis filmes, voltamos à realidade
porto-alegrense. Para começar temos Elefante
Branco, exibido na mostra paralela do Festival de Cannes deste ano, dirigido
por Pablo Trapero, que gosta de abordar situações cotidianas e sociais de uma
maneira crua e fria, sem grandes alegorias e metáforas. Assim foi com o
excelente Leonera (2008), talvez seu
melhor e mais profundo filme, discutindo sobre o sistema prisional argentino de
uma detenta grávida e as consequências nefastas para os filhos recém-nascidos
naquele lugar inóspito. Outro filme de grande repercussão foi Abutres (2010), tendo também Ricardo
Darín no papel principal, com um viés pela inverossimilhança da máfia obcecada
pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das vítimas
fatais, aproveitando-se das brechas deixadas pelas leis reguladoras do trânsito.
Sem esquecer ainda que fizera antes outros belos longas como Nascido e Criado (2006) e Família Rodante (2004).
Agora desponta com esta película que busca inspiração no
longa brasileiro Cidade de Deus
(2002), de Fernando Meirelles. A abordagem é explícita com problemas similares
como o tráfico de drogas, brigas de gangues e os subempregos de crianças
envolvidas no mundo do crime com muito realismo e expressividade. Trapero busca
nas situações múltiplas de temas como a igreja e sua influência no governo para
fazer pressão no governo para liberar verbas para a construção de casas
próprias no subúrbio de Buenos Aires, na comunidade de Ciudad Oculta, uma
favela com problemas estruturais desde a década de 40. O drama tem em seu personagem principal Julián (Ricardo Darín-
sempre em atuação elogiável), um padre doente que vai ao encontro do colega
Nicolás, também engajado em causas sociais que aparece num massacre de
camponeses na Amazônia, bem interpretado pelo carismático ator belga Jéremie
Renier, consagrado nos filmes dos irmãos Dardenne, entre eles A Criança (2002) e O Silêncio de Lorna (2008).
O diretor mostra o padre belga se envolvendo emocionalmente
com a assistente social Luciana (Martina Gusman- mulher de Trapero), porém sem
um aprofundamento maior da discussão do celibato no catolicismo. Um tema
interessante que passa quase despercebido dentro de uma complexidade de outras
discussões também relevantes. Uma questão que mereceria uma abordagem bem
melhor, mas que dá a entender que é natural um sacerdote de Deus ter um romance
e não há cobrança de ninguém, sequer da conservadora igreja, o que se sabe não
é uma realidade. Surge no enredo a figura emblemática no passado do padre
Mugica, morto em circunstâncias desconhecidas há mais de 30 anos e que a igreja,
através da liderança de Julián, tenta fazê-lo um santo, por supostos milagres
que são colhidos na população. Mas o filme se concentra em boa parte no embate ente a truculenta
polícia e miseráveis favelados, lembrando os confrontos existentes nos morros
brasileiros da Rocinha e Alemão, no Rio de Janeiro, sob a forte influência da
película de Meireles. Peca, por vezes, em alavancar um drama e não se deter
como um analista mais mordaz. Já os planos-sequência nos escombros do hospital,
bem como dos corredores estreitos das favelas são eletrizantes, deixando os
espectadores embasbacados.
Trapero se afasta de suas temáticas anteriores, onde haviam
reflexões bem mais profundas oriundas de temas simples do cotidiano. Ao optar
pela multiplicidade de temas, como drogas, casa própria, má gestão pública,
subempregos, celibato, questões sociais da criminalidade nas favelas pelas
mortes do tráfico, massacre de camponeses na Amazônia, acaba por não aprofundar
nenhum deles, gerando um mosaico enfraquecido numa narrativa quase que vazia e
desconexa. O grande equívoco do diretor foi abordar tudo dentro de um
mesmo contexto, pois começa questionando o hospital que deveria ser o maior da
América Latina, mas que vira um esqueleto de um prédio gigantesco e inacabado,
tornando-se um “elefante branco”. É bem diferente de Cidade de Deus que se debruça de forma nua dentro de uma realidade
dura do tráfico de drogas na criminalidade entre os adolescentes brasileiros.
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