quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Elefante Branco



Mosaico Debilitado

Encerrada a grandiosa 36ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, com ótimos e inesquecíveis filmes, voltamos à realidade porto-alegrense. Para começar temos Elefante Branco, exibido na mostra paralela do Festival de Cannes deste ano, dirigido por Pablo Trapero, que gosta de abordar situações cotidianas e sociais de uma maneira crua e fria, sem grandes alegorias e metáforas. Assim foi com o excelente Leonera (2008), talvez seu melhor e mais profundo filme, discutindo sobre o sistema prisional argentino de uma detenta grávida e as consequências nefastas para os filhos recém-nascidos naquele lugar inóspito. Outro filme de grande repercussão foi Abutres (2010), tendo também Ricardo Darín no papel principal, com um viés pela inverossimilhança da máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das vítimas fatais, aproveitando-se das brechas deixadas pelas leis reguladoras do trânsito. Sem esquecer ainda que fizera antes outros belos longas como Nascido e Criado (2006) e Família Rodante (2004).

Agora desponta com esta película que busca inspiração no longa brasileiro Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles. A abordagem é explícita com problemas similares como o tráfico de drogas, brigas de gangues e os subempregos de crianças envolvidas no mundo do crime com muito realismo e expressividade. Trapero busca nas situações múltiplas de temas como a igreja e sua influência no governo para fazer pressão no governo para liberar verbas para a construção de casas próprias no subúrbio de Buenos Aires, na comunidade de Ciudad Oculta, uma favela com problemas estruturais desde a década de 40. O drama tem em seu personagem principal Julián (Ricardo Darín- sempre em atuação elogiável), um padre doente que vai ao encontro do colega Nicolás, também engajado em causas sociais que aparece num massacre de camponeses na Amazônia, bem interpretado pelo carismático ator belga Jéremie Renier, consagrado nos filmes dos irmãos Dardenne, entre eles A Criança (2002) e O Silêncio de Lorna (2008).

O diretor mostra o padre belga se envolvendo emocionalmente com a assistente social Luciana (Martina Gusman- mulher de Trapero), porém sem um aprofundamento maior da discussão do celibato no catolicismo. Um tema interessante que passa quase despercebido dentro de uma complexidade de outras discussões também relevantes. Uma questão que mereceria uma abordagem bem melhor, mas que dá a entender que é natural um sacerdote de Deus ter um romance e não há cobrança de ninguém, sequer da conservadora igreja, o que se sabe não é uma realidade. Surge no enredo a figura emblemática no passado do padre Mugica, morto em circunstâncias desconhecidas há mais de 30 anos e que a igreja, através da liderança de Julián, tenta fazê-lo um santo, por supostos milagres que são colhidos na população. Mas o filme se concentra em boa parte no embate ente a truculenta polícia e miseráveis favelados, lembrando os confrontos existentes nos morros brasileiros da Rocinha e Alemão, no Rio de Janeiro, sob a forte influência da película de Meireles. Peca, por vezes, em alavancar um drama e não se deter como um analista mais mordaz. Já os planos-sequência nos escombros do hospital, bem como dos corredores estreitos das favelas são eletrizantes, deixando os espectadores embasbacados.

Trapero se afasta de suas temáticas anteriores, onde haviam reflexões bem mais profundas oriundas de temas simples do cotidiano. Ao optar pela multiplicidade de temas, como drogas, casa própria, má gestão pública, subempregos, celibato, questões sociais da criminalidade nas favelas pelas mortes do tráfico, massacre de camponeses na Amazônia, acaba por não aprofundar nenhum deles, gerando um mosaico enfraquecido numa narrativa quase que vazia e desconexa. O grande equívoco do diretor foi abordar tudo dentro de um mesmo contexto, pois começa questionando o hospital que deveria ser o maior da América Latina, mas que vira um esqueleto de um prédio gigantesco e inacabado, tornando-se um “elefante branco”. É bem diferente de Cidade de Deus que se debruça de forma nua dentro de uma realidade dura do tráfico de drogas na criminalidade entre os adolescentes brasileiros.

Em Elefante Branco sempre surgem novos fatos que vão se misturando e há uma sobreposição de temas, acarretando numa abordagem reflexiva rasa num longa que vai aos solavancos para o epílogo. O cineasta tem em sua filmografia filmes bem melhores, especialmente Leonera, mas sua proposta não chega ser inválida neste longa apenas interessante, mas longe do melhor cinema argentino.

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