Conflito de Gerações
Breno Silveira em seu terceiro longa-metragem realiza um
comovente drama familiar mesclado com uma cinebiografia musical que vai direto
ao coração do espectador na busca da emoção, sobre a relação conflitada do pai
Luiz Gonzaga, o Gonzagão, o Rei do Baião, com seu filho Luiz Gonzaga Filho, o
Gonzaguinha, um dos maiores compositores e cantores da música popular
brasileira de todos os tempos. Conduz no mesmo estilo do excelente e cultuado 2 Filhos de Francisco (2005), ao abordar
a trajetória da vida e obra da dupla Zezé di Camargo e Luciano até chegar ao
estrelato e afasta-se do penúltimo longa À
Beira do Caminho (2012), onde fracassou ao deixar o pieguismo e a emoção
fácil corroborados por soluções previsíveis.
Gonzaga- De Pai Pra
Filho é baseado na biografia de Regina Echeverria e o diretor preferiu
contar o filme na forma mais tradicional possível, intercalando ocasionalmente
cenas de documentários antigos com fotos, entrevistas e vídeos, o que faz
perder a clímax do longa. Opta por usar três atores para cada personagem nas
fases diferentes da vida. Gonzagão é interpretado por Land Vieira, na
adolescência, Nivaldo Expedito de Carvalho/ o Chambinho do Acordeom, já adulto,
e Aurélio Lima, mais velho. Chambinho se destaca por seu carisma e entrega
musical, embora com poucos recursos dramáticos, é promissor na carreira, pode
crescer muito e demonstrou ter potencial. Deixa seu personagem bem próximo do
público e torna fácil de entender sua personalidade forte e difícil como um
homem fanfarrão e brigão por vezes. Já Júlio de Andrade, com sua semelhança
física incrível com Gonzaguinha, está ótimo e constrói um protagonista
fragilizado e sensível que vai até o Sertão buscar a reconciliação com o velho
pai na década de 80. Antes fora interpretado na fase de criança por Alison
Santos e como adolescente por Giancarlo Di Tommaso.
Silveira tem na parceira dos filmes anteriores a roteirista
Patrícia Andrade, uma trama focada eminentemente na vida conturbada do
cancioneiro famoso com o filho que buscava seu espaço musical, depois de uma
infância terrível, pois perdeu a mãe (Nanda Costa) muito cedo de tuberculose e
foi criado por pais adotivos (Luciano Quirino e Silvia Buarque). É internado num
colégio do interior por Gonzagão para estudar e virar doutor, convalesce também
da mesma doença que vitimou a mãe, mas se safa e vai embora ao som da bela
canção “Com a perna no mundo”. Sofre rejeição da madrasta e não tem apoio
familiar, sequer do péssimo pai que nunca encontra e parece quer sempre se
livrar dele.
O longa mostra o Rei do Baião como um pai e marido ausentes,
voltado para sua música de forró e cantando: “minha vida é andar por este
país...”, embora como pessoa fosse sujeito quase que irascível, filho de seu
Januário (Cláudio Jaborandy), grande sanfoneiro que lhe inspirou para a
carreira. Sofreu preconceito racial na juventude ao tentar se casar com a filha
do coronel Raimundo (Domingos Montagner), o grande e eterno amor de sua vida e
cenário do encontro com Gonzaguinha que tenta entendê-lo melhor. É ameaçado de
morte e ouve o conselho da mãe e vai embora de Exu, uma cidade do Sertão de
Pernambuco. Serve no Exército e ao ir lutar na Revolução de 1930, simula uma
situação estranha para ser preso e abandonar o quartel, pois prometera ao
genitor que jamais mataria alguém. Sua juventude é difícil no Rio de Janeiro,
custa para deslanchar como o mestre cancioneiro nordestino, tentando se livrar
de tangos sambas, valsas e choros. A carreira vai explodir bem depois, na sua
volta às raízes, especialmente com o clássico Asa Branca, em a parceria com o advogado cearense Humberto Teixeira
(protagonista do documentário O Homem que
Engarrafava Nuvens (2009), de Lírio Ferreira).
O drama aborda o relacionamento difícil com a cantora e
dançarina que origina o nascimento de Gonzaguinha. Fica no contexto a incógnita
se realmente é o pai daquele menino, pela carreira extrovertida da companheira.
Teria havido traição, tal qual no romance Dom
Casmurro, de Machado de Assis, onde Capitu traiu ou não Bentinho com seu
melhor amigo? Gonzaguinha não deixa passar em branco a dúvida e questiona o pai
de microfone em punho gravando como se fosse uma entrevista, numa cena de
constrangimento para ambos. O silêncio na resposta mostra a dúvida, mas logo vem
a resposta dissimulada: “tanto faz se o sangue corre ou não das veias...”.
O diretor deixa para o epílogo a cena dos dois subindo
juntos no palco, no ano de 1981. Em 89 morre o Rei do Baião e um ano e meio
depois Gonzaguinha desaparece tragicamente num acidente de carro, como por
ironia do destino. É um equívoco do roteiro o didatismo e a explicação
desnecessária passo a passo, como se fosse uma telenovela global. Mas o
encontro de pai e filho discutindo a relação do passado, onde Gonzaguinha
conhece fatos que não imaginava existir entre eles é o ponto alto da trama, numa
verdadeira lavagem das dúvidas do passado e do conflito de gerações entre os dois
grandes artistas.
Há uma busca do cineasta pelo resgate do velho cancioneiro
do baião e do forró, mas há falhas graves do roteiro, como não mostrar sua
simpatia e o apoio de forma explícita pelo governo da ditadura, deixando apenas
escondidos nas entrelinhas dos banquetes dos militares, sob a pífia argumentação
que fazia isto apenas para ganhar dinheiro e chamava o filho de autor de
músicas comunistas. Outro equívoco é Gonzaguinha não chega ser aclamado como
célebre e notável compositor que foi, com suas músicas contestadoras do regime
de exceção da época, um mestre das metáforas de suas canções sutis e
arrebatadoras. Um artista emblemático com suas canções que cutucavam as forças
governantes, por isso perseguido nos anos de chumbo. Um tributo que bem poderia
ter sido melhor elaborado.
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