sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Gonzaga- De Pai Pra Filho















Conflito de Gerações

Breno Silveira em seu terceiro longa-metragem realiza um comovente drama familiar mesclado com uma cinebiografia musical que vai direto ao coração do espectador na busca da emoção, sobre a relação conflitada do pai Luiz Gonzaga, o Gonzagão, o Rei do Baião, com seu filho Luiz Gonzaga Filho, o Gonzaguinha, um dos maiores compositores e cantores da música popular brasileira de todos os tempos. Conduz no mesmo estilo do excelente e cultuado 2 Filhos de Francisco (2005), ao abordar a trajetória da vida e obra da dupla Zezé di Camargo e Luciano até chegar ao estrelato e afasta-se do penúltimo longa À Beira do Caminho (2012), onde fracassou ao deixar o pieguismo e a emoção fácil corroborados por soluções previsíveis.

Gonzaga- De Pai Pra Filho é baseado na biografia de Regina Echeverria e o diretor preferiu contar o filme na forma mais tradicional possível, intercalando ocasionalmente cenas de documentários antigos com fotos, entrevistas e vídeos, o que faz perder a clímax do longa. Opta por usar três atores para cada personagem nas fases diferentes da vida. Gonzagão é interpretado por Land Vieira, na adolescência, Nivaldo Expedito de Carvalho/ o Chambinho do Acordeom, já adulto, e Aurélio Lima, mais velho. Chambinho se destaca por seu carisma e entrega musical, embora com poucos recursos dramáticos, é promissor na carreira, pode crescer muito e demonstrou ter potencial. Deixa seu personagem bem próximo do público e torna fácil de entender sua personalidade forte e difícil como um homem fanfarrão e brigão por vezes. Já Júlio de Andrade, com sua semelhança física incrível com Gonzaguinha, está ótimo e constrói um protagonista fragilizado e sensível que vai até o Sertão buscar a reconciliação com o velho pai na década de 80. Antes fora interpretado na fase de criança por Alison Santos e como adolescente por Giancarlo Di Tommaso.

Silveira tem na parceira dos filmes anteriores a roteirista Patrícia Andrade, uma trama focada eminentemente na vida conturbada do cancioneiro famoso com o filho que buscava seu espaço musical, depois de uma infância terrível, pois perdeu a mãe (Nanda Costa) muito cedo de tuberculose e foi criado por pais adotivos (Luciano Quirino e Silvia Buarque). É internado num colégio do interior por Gonzagão para estudar e virar doutor, convalesce também da mesma doença que vitimou a mãe, mas se safa e vai embora ao som da bela canção “Com a perna no mundo”. Sofre rejeição da madrasta e não tem apoio familiar, sequer do péssimo pai que nunca encontra e parece quer sempre se livrar dele.

O longa mostra o Rei do Baião como um pai e marido ausentes, voltado para sua música de forró e cantando: “minha vida é andar por este país...”, embora como pessoa fosse sujeito quase que irascível, filho de seu Januário (Cláudio Jaborandy), grande sanfoneiro que lhe inspirou para a carreira. Sofreu preconceito racial na juventude ao tentar se casar com a filha do coronel Raimundo (Domingos Montagner), o grande e eterno amor de sua vida e cenário do encontro com Gonzaguinha que tenta entendê-lo melhor. É ameaçado de morte e ouve o conselho da mãe e vai embora de Exu, uma cidade do Sertão de Pernambuco. Serve no Exército e ao ir lutar na Revolução de 1930, simula uma situação estranha para ser preso e abandonar o quartel, pois prometera ao genitor que jamais mataria alguém. Sua juventude é difícil no Rio de Janeiro, custa para deslanchar como o mestre cancioneiro nordestino, tentando se livrar de tangos sambas, valsas e choros. A carreira vai explodir bem depois, na sua volta às raízes, especialmente com o clássico Asa Branca, em a parceria com o advogado cearense Humberto Teixeira (protagonista do documentário O Homem que Engarrafava Nuvens (2009), de Lírio Ferreira).

O drama aborda o relacionamento difícil com a cantora e dançarina que origina o nascimento de Gonzaguinha. Fica no contexto a incógnita se realmente é o pai daquele menino, pela carreira extrovertida da companheira. Teria havido traição, tal qual no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, onde Capitu traiu ou não Bentinho com seu melhor amigo? Gonzaguinha não deixa passar em branco a dúvida e questiona o pai de microfone em punho gravando como se fosse uma entrevista, numa cena de constrangimento para ambos. O silêncio na resposta mostra a dúvida, mas logo vem a resposta dissimulada: “tanto faz se o sangue corre ou não das veias...”.

O diretor deixa para o epílogo a cena dos dois subindo juntos no palco, no ano de 1981. Em 89 morre o Rei do Baião e um ano e meio depois Gonzaguinha desaparece tragicamente num acidente de carro, como por ironia do destino. É um equívoco do roteiro o didatismo e a explicação desnecessária passo a passo, como se fosse uma telenovela global. Mas o encontro de pai e filho discutindo a relação do passado, onde Gonzaguinha conhece fatos que não imaginava existir entre eles é o ponto alto da trama, numa verdadeira lavagem das dúvidas do passado e do conflito de gerações entre os dois grandes artistas.

Há uma busca do cineasta pelo resgate do velho cancioneiro do baião e do forró, mas há falhas graves do roteiro, como não mostrar sua simpatia e o apoio de forma explícita pelo governo da ditadura, deixando apenas escondidos nas entrelinhas dos banquetes dos militares, sob a pífia argumentação que fazia isto apenas para ganhar dinheiro e chamava o filho de autor de músicas comunistas. Outro equívoco é Gonzaguinha não chega ser aclamado como célebre e notável compositor que foi, com suas músicas contestadoras do regime de exceção da época, um mestre das metáforas de suas canções sutis e arrebatadoras. Um artista emblemático com suas canções que cutucavam as forças governantes, por isso perseguido nos anos de chumbo. Um tributo que bem poderia ter sido melhor elaborado.

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