sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Os 10 Melhores Filmes do Ano
















Os 10 Mais e 05 Menções Honrosas

Como é final de ano e todos os críticos estão com suas listas de melhores filmes vistos em 2013, também elencamos o que se viu e ficou marcado como os 10 Mais e ainda 05 Menções Honrosas. Segue em ordem de preferência:

01. Amor (foto acima), de Michael Haneke;

02. Um Toque de Pecado, de Jia Zhang-ke;

03. Tabu, de Miguel Gomes;

04. Holly Motors, de Leos Carax;

05. Depois de Lúcia, de Michel Franco;

06. Lore, de Cate Shortland;

07. Uma Primavera com minha Mãe, de Stéphane Brizé;

08. Azul é a Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche;

09. Hannah Arendt, de Margarethe von Trotta;

10. Pais e Filhos, de Hirokasu Kore-Eda.


Dos que não conseguiram constar nos 10 Mais, listamos algumas menções honrosas, que só não entraram por absoluta falta de espaço, tais como:

- O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho;
- Camille Claudel, 1915, de Bruno Dumont;
- César Deve Morrer, de Paolo e Vittorio Taviani.
- O Mestre, de Paul Thomas Anderson;
- Django Livre, de Quentin Tarantino.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Jovem e Bela


Tardes de Prazer

O clássico A Bela da Tarde (1967) já havia sido revisitado por Manoel de Oliveira, que prestou um tributo ao amigo morto Luis Buñuel, no sensível longa Sempre Bela (2006), trazendo Bulle Ogier no papel de Séverine Serizy- substituindo a deslumbrante musa francesa no auge de seu esplendor com talento Catherine Deneuve, provavelmente no maior papel de sua vida como a "Bela"-, onde um velho amigo do marido traído provoca a adúltera e reflete a beleza digna das cenas revisitadas numa Paris atual, num resgate de trinta e oito anos após o furor causado na época pela película inovadora e controvertida do mestre espanhol.

Depois dos longas Dentro de Casa (2012), Potiche-Esposa Troféu (2010), O Refúgio (2009), François Ozon retoma o tema com Jovem e Bela sendo interpretada pela sensual e bonita Marine Vacht no papel de Isabelle, uma garota de 17 anos, oriunda de uma família burguesa que se prostitui e vai logo avisando à clientela que só pode transar à tarde, alusão ao clássico de Buñuel; e nunca aos fins de semana, desta feita uma referência ao magnífico filme grego Nunca aos Domingos (1960), de Jules Dassin, em que a prostituta extrovertida só fazia programas durante a semana, exceto aos domingos. A falta de resposta para o drama deixa a entender que o vazio da protagonista está vinculado desde um problema de nascença, enquanto que Buñuel ia direto ao ponto e não deixava margens para dúvidas sobre o tédio da ricaça pela finitude do casamento diante da motivação esfarelada como consequência. Ambas estariam buscando na prostituição a saída para as decorrências existenciais.

Isabelle é meiga e dócil até perder a virgindade com um turista alemão (Lucas Prisor), mas não sente prazer, razão pela qual ao chegar em Paris, depois de passar as férias num balneário com seu irmão menor (Fantin Ravat), a mãe (Géraldine Pailhas), o padrasto (Frédéric Pierrot) e os tios, resolve buscar num site da rede social o perigoso jogo de vender o corpo para homens maduros e bem aquinhoados financeiramente. Começa a cobrar 200, passa para 300 e chega a 500 euros por encontros escondidos em hotéis luxuosos, embora não esteja com dificuldades econômicas. Há alguma semelhança com a personagem de Bruna Surfistinha (2011), de Marcus Baldini, ao retratar a trajetória da garota de programa mais famosa do Brasil, que se notabilizou por um blog de relacionamentos, na saga da mocinha insatisfeita com seus pais, neste caso adotivos, está à procura de autoafirmação e busca uma vida própria, vê novos horizontes se abrirem, tal qual uma cinderela adormecida que desperta para o mundo adulto e mau, após sua primeira transa com um dos clientes assíduos.

O cineasta francês tenta mergulhar nas inquietações juvenis de uma adolescente com cara de criança entre os adultos, mas uma rebelde quase sem causa, diante de suas afirmações de boa relação com o pai separado, o padrasto a quem tenta seduzir, talvez para estragar o romance, também é uma boa amiga do irmão, não reclama de falta de dinheiro. Timidamente faz menção a um suposto caso extraconjugal da mãe com seu companheiro, o que não poderia ser um motivo tão relevante como alegação, tendo em vista que seus devaneios sexuais já afloravam bem antes de qualquer suposta traição familiar.

As revelações ao psicólogo no seu tratamento são bem rasas e sem profundidade. O vazio e a alusão de uma desorientação sexual estão soltas e sem uma atmosfera consistente, pela falta de uma melhor construção psicológica da protagonista. Há indícios significativos por conta da experimentação libertária em determinados momentos, porém em outros há a nítida falta de um motivo mais claro como mola propulsora, deixando-se as questões mais para o marasmo de uma pessoa volúvel e sem objetivos de um sentido de vida definido. São colocações sem respostas, às vezes os desejos e os sentimentos estão mais para a busca de uma identidade, mas longe de uma contextualização específica do diretor, deixando a reflexão enfraquecida pela ausência de uma absoluta tendência de maior clarividência nas ideias lançadas.

Jovem e Bela traz à baila a prostituta de luxo próximo da glamourização de uma causa pouco convincente para uma abordagem sólida. A morte de um cliente e o encontro com a viúva (Charlotte Rampling- numa pequena aparição sóbria e elegante) no mesmo local do inusitado incidente dão margens para a interpretação de que tudo continuará como antes, ou seja, nada vai mudar e as estações do ano fecham o ciclo com a bonita canção de Françoise Herdy. Retumba a frase de um dos clientes: “prostituta uma vez, prostituta para sempre”, sob o olhar de Ozon na sentença definitiva para a protagonista que quis brincar com fogo numa experiência perigosa e sem volta.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Tanta Água



Reencontros na Chuva

O cinema uruguaio está cada vez melhor e se continuar assim, logo encostará na melhor escola de América do Sul, a Argentina. Iniciou meio tímido, em seguida engrenou com Coração de Fogo (2002) com direção de Diego Arsuaga, depois conquistou o público com Whisky (2004), de Juan Pablo Rebella- que se suicidou aos 32 anos, em 2006- e Pablo Stoll, para culminar com a mini obra-prima O Banheiro do Papa (2007), dirigido por Henrique Fernández e César Charlone. Pablo Stoll dirigiu seu segundo longa Hiroshima (2009). Outro grande sucesso foi Gigante (2009), com direção de Adrián Biniez, levou o Urso de Prata no Festival de Berlim (2009) e três Kikitos no Festival de Gramado (2009), como de melhor ator, roteiro e o prêmio da crítica.

Agora vem bater em nossas telas Tanta Água, uma pequena grande comédia dramática sobre as afetivas relações familiares, escrita e dirigida pelas estreantes Ana Guevara Pose e Leticia Jorge Romero, causou uma ótima impressão no público e crítica no último Festival de Berlim, embora não tenha obtido nenhum prêmio. Houve até comparações com a diretora Lucrecia Martel, de O Pântano (2001) e A Menina Santa (2003). Foi sensação no circuito internacional de festivais, tendo conquistado o prêmio da crítica em Cartagena de Índias, na Colômbia, o prêmio de melhor obra de diretor estreante em Guadalajara, no México, e o grande prêmio do júri em Miami, nos EUA.

A trama retrata Alberto (Néstor Guzzini), um pai quarentão divorciado que busca seus dois filhos menores na casa da ex-mulher para passar as férias numa colônia em Termas de Arapey, nas imediações do Rio Uruguai. Lucía (Malú Chonza) é uma pré-adolescente que está despertando para o amor e demonstra sofrimento nas primeiras derrapadas na vida, diante de perdas que surgem como a decepção com a amiga Madelón (Sofía Azambuya). Federico (Joaquín Castiglione) é o outro filho de 10 anos, parecendo estar de bem com a vida, comete peraltices como qualquer criança de sua idade. Porém, ambos demonstram insatisfação com a presença do pai, uma figura ausente até aquele momento, criam algumas dificuldades de relacionamento.

A chuva cai sem parar e o único refúgio aparente é a pequena casa alugada naquele lugarejo de classe média. Faltam opções de lazer para os filhos se divertirem, pois não há televisão, internet, quando muito um telefone para realizar uma ligação, colocam o pai em xeque para resolver as dificuldades e segurar a barra que se torna complicada, devido ao tédio instalado entre eles. Há um vazio entre os três diante daquela circunstância atípica do aguaceiro interminável, tendo em vista que era para ser umas férias inesquecíveis de reaproximação, torna-se chata e exaustiva, causando uma solidão involuntária entre eles, a mesma vista no belo drama argentino Chuva (2008), de Paula Hernández.

As diretoras enfatizam um pai flertando com uma mulher desconhecida, mas é guardado em segredo e a namorada é mantida longe dos filhos, a mesma distância que é utilizada como recurso da câmera ao captar as imagens sem nenhuma aproximação. Uma criativa metáfora sobre o afeto familiar distante, embora Alberto busque outras maneiras para reatar o vínculo deteriorado. Anima timidamente os filhos com a pescaria no rio, as compras no supermercado com Lucía, além das artimanhas para entrar no ritmo infantil de Federico. Há revelações constantes como a filha batendo de frente, fumar, mentir para ir dançar sozinha e passar mal por ingestão de bebida de álcool.

Ana e Letícia esmiúçam as ligações entre filhos e pai, deixando propositalmente a figura materna fora do foco, completamente alheia, como se mandassem um recado direto ao ex-marido sobre as dificuldades dobradas em relação à educação e as inerentes complicações de uma família em que há duas crianças e suas indagações para com o mundo que se abre como um leque. O cenário da bonita fotografia de tonalidade gris, típica dos dias chuvosos, traz no acaso e na precipitação do tempo o isolamento em que o trio se encontra como um desafio para a reaproximação da ausência paterna anterior para achar alternativas convincentes e tê-los sob sua segurança, criando-se um elo de credibilidade entre eles.

Os conflitos da adolescência que emergem faz parte de uma relação em Tanta Água, como as paixões juvenis que afloram e explodem como um vulcão. Para isto o pai não estava preparado psicologicamente, sequer imaginava o turbilhão de problemas que o aguardava nesta instigante e formidável comédia dramática. Impecável na forma e no contexto familiar, fisga o espectador com muita sensibilidade de uma obra simples, mas profunda na essência, pode-se perceber a descoberta de cada um e a ampliação dos valores e algumas afinidades que serão dados à vida, a partir deste momento único.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Um Toque de Pecado



Catarse Chinesa

Jia Zhang-ke causou impacto no Festival de Cannes deste ano com o longa-metragem Um Toque de Pecado, obtendo somente a premiação de melhor roteiro, embora pudesse ter conquistado a Palma de Ouro, como um justo reconhecimento pela sua monumental obra sobre a violência que explode em forma de catarse na China de um regime comunista em vias de abertura gradual ao capitalismo e vista como uma das maiores forças do mundo atualmente, por isso respeitada como uma poderosa nação e gigante na economia. Foi sucesso de público e crítica na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo.

O cineasta que realizou obras marcantes como Em Busca da Vida (2006) e Memórias de Xangai (2010), chega agora ao ápice com este drama social sobre a eclosão violenta como o estopim de uma sociedade amordaçada por muitos anos e ainda convivendo com um poder ditatorial, como a referência induzida na estátua do líder revolucionário Mao Tsé-Tung, vista com frequência pelas ruas de quatro províncias diferentes que são cenários de quatro histórias que se interligam como uma cronologia distinta de pessoas completamente independentes e sem relação entre elas.

Além de abordar a violência explícita, há como pano de fundo o tédio dolorido e infausto que corrói e destrói aos poucos, evoluindo para uma crise de valores e como decorrência a história individual que é abalada pelas atitudes coletivas de uma comunidade em iminente desintegração pela depravação política que campeia solta, como se vê no primeiro episódio do minerador ensandecido e sua revolta em forma de histeria diante da complacência e a falta de indignação das pessoas que o cercam, em relação ao líder corrupto. Ao colocar o rifle no ombro e ir à forra, seu personagem nos remete para a brutalidade bestial dos anti-heróis de Tarantino; ou mais propriamente para o assassino psicótico e impiedoso de Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), dos irmãos Joel e Ethan Coen.

Zhang-ke vai pontuando sua escala de matizes de trucidamentos com um rigor cênico magnífico raramente visto num cinema de reflexão, sem ser apelativo, como se observa na jovem que trabalha numa sauna para obter ganhos para a família e é confundida com uma prostituta por uma esposa de um frequentador, bem como é assediada por um cliente rico e inescrupuloso. A raiva e a injustiça se misturam em uma explosão de legítima defesa em cenas de um banho de sangue como um libelo metafórico contra a prepotência de seres abjetos e apodrecidos como o próprio sistema decadente de um governo ultrapassado.

Em outro episódio um trabalhador migrante volta para casa na véspera de um ano novo, que será festejado com muitos fogos de artifício, porém sem comemoração com o filho. Os tiros que solta no ar é uma antevisão de sua tragédia pessoal como pai e a busca pela criminalidade de forma crua como que abate suas vítimas indefesas na rua. A juventude está presente no último episódio, ao retratar um rapaz que troca de emprego com o intuito de um resultado mais compensador, após ser condenado pelo patrão a pagar as despesas de um colega acidentado involuntariamente. A decepção com a bonita colega com quem está flertando é a gota d’água como causa determinante de uma decisão inusitada, ao perder o sentido da vida para continuar lutando contra um destino ingrato. Fica como análise o pessimismo pelo revés contundente para as adversidades como decorrência do fracasso profissional e pessoal como homem.

Um Toque de Pecado é um drama arrebatador na essência e na crueldade com que a vida reserva ao indivíduo. Uma violência latente com recheios destrutivos que perturba e instiga pelas lentes que captam através da sensibilidade do diretor sobre a amostragem de uma sociedade nitidamente em decomposição e permeando a selvageria, faz refletir pelas imagens eloquentes e arrasadoras, além da denúncia virulenta de uma conduta disforme de quem governa e o melancólico tédio de pessoas derrotadas num caminho de violência com rastros de mortes estúpidas, num clímax equilibrado e coerente. O próprio julgamento é um teatro alegórico de uma situação onde o poder judiciário está esfacelado e submisso ao Estado. Um filme que consta em listas de melhor do ano, como nas revistas Cahiers du Cinéma da França e na britânica Sight & Sound, credenciando-se como obrigatório entre os melhores de 2013 no Brasil.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Simone


















Os Amores

Juan Zapata estreia em ficção com o longa-metragem Simone, contando a história real da atriz e amiga Simone Telecchi interpretando a protagonista que empresta o nome ao título. O cineasta é um documentarista nato, que optou por uma incursão no terreno da ficção ao realizar este drama de 76 minutos com um pequeno orçamento de R$520 mil, arrecadado através de prêmios em festivais e contribuições diversas. Foi rodado em Porto Alegre, razão pela qual a preferência pela estreia se dar na Capital gaúcha, diante de uma forte identificação com lugares tradicionais, como o Parque da Redenção e a famosa Rua dos Andradas, local em que o escritor Luís Fernando Verissimo e o seu grupo de jazz fazem uma pequena ponta no longa, animados tocam e arrecadam dinheiro.

O diretor, roteirista e produtor colombiano está radicado no Brasil desde 2004, morando em Porto Alegre realizou os médias-metragens Quinta Bienal do Mercosul (2005) e Em Branco (2007). Inovou ao lançar simultaneamente em cinemas, TV, internet e DVD os documentários A Dança da Vida (2007) e Ato de Vida (2009) em países como Colômbia, Brasil e Equador, também realizou Histórias de Fronteira (2010). Dirigiu e escreveu ainda outros quatro curtas-metragens e o documentário média-metragem Fidelidad (2004), em Cuba.

A trama mostra um cotidiano do dia a dia da protagonista e sua companheira Cris (a uruguaia Natália Mikeliunas) num romance que começa a ruir aos poucos, dando mostras de desgaste pelo tédio, onde até os novos vizinhos atrapalham com seus gemidos na cama a relação afetiva do casal. Os ciúmes são constantes e a deterioração parece iminente no relacionamento, até que surge Pedro (Roberto Birindelli-uruguaio radicado no Brasil), um colega novo na repartição pública, após passar num concurso e com a desaprovação da namorada, pois ambas se conheceram num curso de artes dramáticas e tinham como projeto a carreira de atriz.

Zapata assina o roteiro com Maressa Sampaio e Edson Gandolfi, com a liberdade de realizar uma adaptação livre das experiências verídicas de uma mulher assumidamente homossexual, que sempre se relacionou com pessoas do mesmo sexo, mas que aos 30 anos tem um envolvimento heterossexual, criando um típico triângulo amoroso contado em dois tempos distintos: passado e presente são intercalados até o epílogo, quando há a unificação como um fecho dos flashbacks temporais. Cris e Pedro estão no meio da indecisão e do vacilo sexual momentâneo de Simone, por isso e sofrem e demonstram dificuldades no rompimento e o caminho a seguir que se impõe. A paixão entre as namoradas já não é mais consistentes como forma de amar e dá sinais de uma turbulência na sexualidade da protagonista em rota de colisão com os prazeres e desejos oriundos dos instintos em que brota um contraste da natureza que está numa encruzilhada evidente.

Simone é um filme sem um grande enfoque na abordagem dos personagens inseridos num relacionamento entre pessoas de gostos diferentes em suas opções sexuais, pois é bem mais comportado e segue uma linha linear sem ter a contundência impactante de um Azul é a Cor Mais Quente (2013), de Abdellatif Kechiche; também está distante dos ousados e perturbadores filmes de Xavier Dolan: Eu Matei Minha Mãe (2009) e Lawrence Anyways (2012); bem como não tem a suavidade dolorida de Flores Raras (2012), de Bruno Barreto; ou ainda o irreverente e instigante Tatuagem (2012), de Hilton Lacerda.

Um drama típico homossexual menor diante de evidentes precariedades, embora o roteiro tente convergir para uma percepção de relação de coisas em comum como a desmotivação diante da sensação de vazio e isolamento, mostra-se insuficiente para uma proposta de uma obra reflexiva por faltar uma melhor elaboração no contexto. A trilha sonora destoa e sobrepõe as imagens e diálogos, numa invasão comprometedora. Zapata é um desbravador em suas ideias de cinema documental, em que é louvável, mas não empolga e nem provoca o espectador na ficção, diante dos defeitos estruturais numa imaginação apenas rasa na proposição do debate sobre a sexualidade, afasta-se da profundidade e deixa fluir os estereótipos numa trama pouco comprometida com uma análise mais crítica.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Seleção de Filmes Bourbon (Azul é a Cor Mais Quente)


Azul é a Cor Mais Quente (La Vie d'Adèle)

O grande vencedor da Palma de Ouro este ano em Cannes é o polêmico drama francês Azul é a Cor Mais Quente, quinto longa-metragem do cineasta franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, que tem em sua filmografia A Culpa de Voltaire (2000), A Esquiva (2003), O Segredo do Grão (2007)- até aqui seu melhor e mais conhecido filme- e Vênus Negra (2009). Aborda a história de uma adolescente de 15 anos que descobre na tonalidade azulada dos cabelos de uma mulher experiente, assumida e sedutora, ao cruzar na rua por acaso, o combustível que faltava para explodir sua grande paixão por uma pessoa do mesmo sexo, após uma experiência inicial heterossexual.

O filme é uma adaptação da história em quadrinhos homônima, escrita e desenhada por Julie Maroh, retrata o romance secreto de Adèle, interpretada pela bela e formosa atriz revelação de 19 anos Adèle Exarchopoulos, dos filmes inéditos Quando Eu Era Sombrio (2013), Des Marceaux de Moi (2012) e do pouco conhecido Carré Blanc (2010), que se entrega por completo para a pintora Emma, com atuação sóbria de Léa Seydoux, a mesma de Robin Hood (2010), Meia Noite em Paris (2011) e Adeus, Minha Rainha (2011), deixando aflorar seus desejos e instintos homoafetivos que deverão ser mantido em sigilo absoluto, diante da família conservadora e defensora da moral vigente na comunidade de uma cidade do interior. Antes tivera um affaire morno com Thomas (Jérémie Laheurte), que logo desandou pela falta de química.

A dramaticidade dos personagens está bem condensada neste roteiro eficiente e de muita sensibilidade sobre a temática juvenil sem estereótipos, com seus anseios à flor da pele. Há profundidade na difícil transição da adolescência para o mundo adulto e são poucos os filmes que arriscam em se debruçar neste tema. Laís Bodanzky esteve ótima em As Melhores Coisas do Mundo (2010), retratando os prazeres e desprazeres da adolescência; Antes que o Mundo Acabe (2010), da diretora gaúcha Ana Luiza Azevedo, é outro instigante filme sobre as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em suas vidas futuras e os questionamentos da pós-infância; Em Paris (2006), de Christophe Honoré, é um longa soberbo na abordagem deste tema e as consequências imediatas de desfazimentos dos namoros; um outro no mesmo norte é A Bela Junnie (2008), também de Honoré, em que a garota de 16 anos apresenta problemas de relacionamento na escola.

E este é o caso de La Vie d'Adèle, que teve o nome trocado no Brasil e em outros países, para o batismo comercial de Azul é a Cor Mais Quente, tão abrangente quanto os referidos dramas familiares mencionados. Cabe ressaltar que não se trata de uma obra sobre duas mulheres que transam o tempo todo, porque não é um filme panfletário gay, muito antes pelo contrário. O cineasta trata com imparcialidade as fragilidades de uma adolescente em ebulição na fase da confusa descoberta do amor e da vida sexual com uma alta dose erotização, como são confusos os ideais e as utopias sonhadas nesta fase, onde tudo ainda é indefinido. Há muitas dificuldades de se reencontrar, como no caso de Adèle que estuda num colégio classe média, adora literatura e a língua francesa, porém sonha com o inglês e viajar para os Estados Unidos. São escassos os diálogos com os pais, estes numa posição beirando a ausência, como se vê na cena do jantar, onde todos assistem televisão, a menina ali com sérios problemas emocionais e há apenas uma vaga indagação da mãe sobre seu distanciamento.

Traição e culpa são abordados com equilíbrio, como decorrências de um casal que mora junto, diante do inesperado choque frontal com a parceira e o surgimento de outras pessoas envolvidas no relacionamento, de lado a lado, embora pela adolescente haja apenas um flerte com um colega de trabalho num momento de raiva e ódio com o novo quadro que se apresenta e a nova família constituída de Emma surja como um entrave doloroso. Nas exposições há os amigos que são apresentados como pessoas diferentes, como de uma outra esfera social, tudo contribui para a crise das amantes em processo de esvaziamento amoroso. A citação de Sartre não é por acaso, quando a essência e a existência são mencionadas anteriormente, ainda que num momento de harmonia entre as duas. Adèle supera as adversidades pela sua força de vontade e uma capacidade emocional equilibrada, ainda que por dentro esteja estraçalhada pelas desavenças e os transtornos do seu romance, diante da iminência do rompimento.

O filme busca no romance alucinante a reflexão para as dúvidas amorosas e a liberalidade sexual, como uma descoberta do prazer na impactante cena tórrida de sexo explícito num plano-sequência de intensidade e realismo em seis minutos, que causou furor e escandalizou críticos e o púbico mais conservador em Cannes. Há anos também houve muita polêmica com a cena de sexo oral com Marlon Brando e Maria Schneider em Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci; bem como no controvertido O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima. Hoje são filmes que podem ser vistos até em convento de freiras, é tudo uma questão de tempo e costume, para que se entenda a arte como uma licença de livre criação.

Kechiche utiliza muito bem o recurso dos muitos closes como uma valoração da técnica cinematográfica de aproximação, ao dar mais realismo e intimidade com o espectador nas cenas, numa forma pouco habitual de filmar. Busca o rosto, os lábios e as lágrimas para expressar a dor não manifestada pelas palavras, porque Azul é a Cor Mais Quente mergulha no sofrimento e na tristeza da perda de um grande amor e a solidão que se escancara como resultado final, mas no seu contexto de reflexão há muito mais, como a descoberta e os primeiros passos na adolescência para a opção sexual livre como propõe o diretor, dentro de uma liberdade total, afastando os preconceitos das amarras repressivas, neste espetacular drama romântico francês com erotismo aplastante e suas abordagens sobre a juventude e seu espaço num universo de igualdades, mesmo que desemboque em rupturas.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Seleção de Filmes Bourbon (Instinto Materno)


Instinto Materno (Child’s Pose)

Vem da Romênia o contundente drama familiar Instinto Materno, do cineasta Calin Peter Netzer, que assinou o roteiro enxuto com Razvan Radulescu. Também dirigiu o premiado Maria (2003) e Medalha de Honra (2009). Foi o grande vencedor do Urso de Ouro e o Prêmio da Crítica de Melhor Filme no Festival de Berlim, além da passagem exitosa de público e crítica na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo deste ano.

Um dos grandes trunfos do filme é a impecável atuação de Luminita Gheorghiu no papel da obstinada mãe Cornelia, a mesma atriz do cultuado 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (2007), e Além das Montanhas (2012), ambos de Cristian Mungiu. A instigante história da saga da protagonista, uma mulher rica que ouve ópera, quando num dia qualquer é surpreendida pela notícia trágica. A partir daí passa a dedicar todo seu tempo para livrar o filho (Bogdan Dumitrache) da cadeia, embora haja comprovada culpa no acidente que matou um garoto de 14 anos, sem prestar socorro, ao andar numa velocidade de 140 km por hora numa rodovia em que o limite máximo é de 110 km/h.

O drama aborda a corrupção que se faz presente diante de uma polícia frágil e com resquícios ainda de um poder onipotente, como se vê nos dois policiais tontos e despreparados aparentemente. Um deles chega a pedir uma ajudinha para liberar a construção da casa de um parente, deflagra-se ostensivamente a falta de seriedade. Há contatos com superiores que interferem na investigação, demonstrando a triste situação deste país que saiu da Cortina de Ferro. Retrata uma nova casta de uma sociedade surgida após soçobrar o comunismo na Romênia, num comportamento absurdo de uma classe social estereotipada e que inverte os valores, dando guarida para o desenlace de uma situação dolorida pela culpa não assumida de um rapaz já adulto e mimado, criado irresponsavelmente sob a proteção matriarcal e que não sabe o que fazer. Chega a pedir uma pausa para ter uma vida independente, como num indício de cortar o vínculo de submissão e os limites da proteção exagerada, como uma metáfora da mãe que representa o Estado protetor e seus filhos pacatos e sem luz própria.

O cineasta utiliza a câmera na mão na maioria das cenas, como um recurso da situação nevrálgica e nebulosa do quadro apresentado, assim como a fotografia sem brilho e em tons esmaecidos como num lusco-fusco de interiores dentro de um cenário sem grandes locações. Um filme de diálogos contínuos em contraplanos e com o afastamento de planos de belas imagens. A dor está presente acompanhando a ausência irremediável, como na extraordinária cena do encontro de Cornelia e sua nora com os pais da vítima. Um duelo magnífico de palavras dilacerantes sobre a perda e a culpa. O pedido de perdão e a indicação da mãe sobre seu filho lá fora, no carro, querendo se redimir é comovente.

Netzer chegar a inverter os papéis num determinado momento do diálogo e deixa dúvidas de quem está sofrendo mais realmente: os pais do morto ou a mãe do motorista imprudente? Há um entrave dolorido daquela senhora representante de uma elite viciada no suborno que luta como uma leoa faminta para isentar o filho de uma possível condenação e do martírio da prisão. Alega que só tem ele, enquanto que do outro lado há um irmão ainda vivo de 11 anos para iluminar o futuro. São frases chocantes sendo desfiadas como um colar que despenca e perde suas pedras preciosas, diante de um desenlace enternecedor do encontro do algoz com aquele pai em frangalhos, numa cena triste e ao mesmo tempo paradoxal, pois está repleta de altivez pelo ato jogado como uma imagem ardente no retrovisor.

Instinto Materno é um poderoso e arrebatador drama familiar com fortes tintas sociais que mergulha com dignidade na perda, na culpa e no arrependimento com viés de perdão diante de uma luta desenfreada e com a ética distanciada da realidade. Uma mãe obsessiva pela liberdade do filho culpado que quer o fim das amarras da submissão no belo e dignificante encontro final com aquela criatura estraçalhada pela ausência trágica definitiva no seu seio familiar. O longa sensibiliza com sutileza um amor destroçado e questiona os limites protetivos, através de um realismo cênico com desfecho equilibrado de uma narrativa dramática para reflexão das relações sofridas entre seres desesperançados, emociona pela condução sem arroubos ou pieguismos baratos, perturba ao rasgar a alma do espectador numa profunda amostragem sobre a morte e as pessoas íntimas em seu entorno, com as consequências de seus vínculos e relações decorrentes de uma vida. Aí está um filme que deverá constar nas listas de melhores de 2013. 

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Tatuagem


As Utopias

Hilton Lacerda estreia como diretor do premiado longa Tatuagem que conquistou os prêmios no 41º. Festival de Gramado de melhor filme do júri e de crítica, ator para Irandhir Santos e trilha musical para DJ Santos; no Festival do Rio deste ano recebeu o prêmio especial de júri oficial de filme, melhor ator para Jesuíta Barbosa e ator coadjuvante para Rodrigo Garcia; ganhou ainda como melhor longa em ficção pelo júri popular e melhor longa latino-americano pela Fipresci (crítica internacional). Começou bem sua nova carreira por trás das câmeras, depois de escrever roteiros por muitos anos e ser reconhecido no cinema de Pernambuco pelos filmes de Cláudio Assis: Amarelo Manga (2002), Baixio das Bestas (2006) e Febre do Rato (2011); notabilizou-se também pelos roteiros de Baile Perfumado (1997), de Paulo Caldas e A Festa da Menina Morta (2008), de Matheus Nachtergaele.

A trama é bem urdida com ambientação em 1978, num pós-regime militar, diante do golpe de 1964 que dá seus últimos suspiros, ainda que mantendo uma ferrenha censura e submetendo os censores às ordens superiores rígidas, como na cena da proibição da peça, sob o pífio argumento da moral e dos bons costumes infringidos. Clécio (Irandhir) é o líder da trupe de artistas teatrais que se apresentam no Chão de Estrelas, um cabaré anarquista em más condições de infraestrutura, de aspecto mambembe e com mínimas condições técnicas, diante dos recursos financeiros escassos, numa história que retrata o provocador grupo anárquico de uma cidade do Nordeste que questiona uma moral deturpada e os costumes sendo ultrajados, onde o poder ainda está sob o comando e diretrizes de exceção, numa época de democracia inexistente sob todos os pontos de vista. Os espetáculos se sustentavam pelo deboche escrachado e perturbador, com o objetivo de causar ruptura nos paradigmas moralistas e conservadores.

O musical de protesto encenado sobre os glúteos do ser humano é demolidor, embora esteja bem próximo da tênue linha que separa da vulgaridade e por consequência a forma apelativa. Aproxima-se do teatro de revista como uma ideia narrativa, mas logo é abandonada, dando lugar ao teatro de rua libertário encontrado na contracultura estética do tropicalismo de Oiticica; ou no teatro de oficina do irreverente Zé Celso Martinez; bem como o famoso grupo Dzi Croquettes, referências culturais que povoavam os anos de 1960 e 1970. Por vezes o roteiro escorrega, em outras se levanta, e o filme vai em frente, com o epílogo à espera para saudar com a marchinha de carnaval celebrizada por Dalva de Oliveira Bandeira Branca (1970), de Max Nunes e Laércio Alves, pedindo paz e um futuro melhor que se desenha no horizonte.

Um drama do cotidiano com raízes sociais, onde o diretor reúne um painel de contestadores contra o poder público, através de uma casta de intelectuais, artistas e um público predominantemente homossexual. Além da liderança de Clécio, há seu melhor amigo Paulete (Rodrigo), a principal vedete do palco estrelado, que irá apresentar seu cunhado Fininha (Jesuíta), um soldado raso de 18 anos, oriundo do interior pernambucano, que convive com uma família pobre e conservadora. Surge a grande reviravolta na vida dele e de Clécio, quando se apaixonam e ensejam cenas tórridas de sexo. O milico de homossexualidade latente mostrava-se desconfortável no serviço militar, com sinais evidentes de estar enrustido no quartel, tatua o corpo com a letra “C” numa dúbia referência. Chega a ser visto como um espião do Exército junto aos artistas irreverentes do teatro, o que causa embaraços e um mal-estar entre todos.

A comparação com o filme Febre do Rato é inevitável, embora Lacerda refute e afirme que sua obra é o futuro idealizado, enquanto que o de Assis é o passado. Febre do Rato é em preto e branco e os locais que serviram de cenário não poderiam retratar uma colorido estonteante, se a proposta principal era enfatizar o lado negativo de desvalidos das favelas fétidas e imundas enxotados do conforto; enquanto que Tatuagem é rodado em cores e há otimismo, com uma estrutura colocada nas diferenças sexuais como pano de fundo, aborda despudoradamente um poder dominante que ficou para trás. Mas em ambos há o poeta como a simbologia da resistência.

Tatuagem é um bom filme sobre a inversão de valores, apesar de alguns excessos verborrágicos e um nudismo exacerbado, não chega a afetar ou obscurecer o resultado final. Traz na essência um viés homossexual que serve de base para tripudiar o rompimento das contravenções de uma sociedade ultrapassada, como no grito de liberdade da trupe teatral que acredita no futuro e deixa registrada uma satisfatória contribuição das marcas da história, através de um cineasta promissor do polo do cinema de Pernambuco, um dos mais importantes do país. Mostra-se criativo ao discutir um Brasil do presente e o seu passado como parâmetro para dar voz às utopias, ainda que seu filme seja regional com uma típica linguagem nordestina.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Blue Jasmine



As Irmãs

Woody Allen mesmo se reinventando, ou ainda seguindo sua trajetória de comédias de costumes ou dramáticas, seu sarcasmo e sua ironia sempre estão presentes como marcas registradas de sua obra. Neste seu 43º longa-metragem, além de diretor é o roteirista em Blue Jasmine, retomando com vigor sua capacidade de construção de um cinema voltado para as inquietações angustiantes do dia a dia. Evidente que poucos filmes se comparam com Zelig (2003), uma das obras-primas do cineasta; ou o inesquecível longa, talvez o maior filme do velho mestre, A Rosa Púrpura do Cairo (1985), naquela que se consagrou como cena antológica do cinema, a saída do herói da tela indo ao encontro da garçonete que assiste pela quinta vez a película, para fugir do martírio de sua vida cotidiana na época da Grande Depressão dos EUA.

Depois que começou sua fase europeia, ao filmar em lugares distantes de sua querida Nova Iorque, iniciando por Londres com Ponto Final- Match Point (2005), um dos melhores dos últimos anos; Scoop- O Grande Furo (2006); e O Sonho de Cassandra (2007). Seguiu como turista com sua câmera na mão e ancorou na Espanha com Vicki Cristina Barcelona (2008). Passou pelos EUA de regresso e assinou Tudo Pode Dar Certo (2009), onde escolhe com perfeição seu alter ego como Boris (Larry David), no papel de um velho rabugento. Retorna para a Inglaterra e realiza Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos (2010); passa pela França para dirigir Meia-Noite em Paris (2011) e finaliza com Para Roma, com Amor (2012).

Blue Jasmine aborda com interesse as neuroses e os relacionamentos despudorados, bem como as traições com métodos de sedução nada convencionais, como numa terapia não ortodoxa decorrente das angústias atormentadoras. Seus personagens muitas vezes são reescritos, às vezes com bons resultados e em outros apenas discretos. Mais uma vez parte dos desajustes familiares, como de Jasmine (Cate Blanchett- a atriz australiana está magnífica e é séria candidata ao Oscar) que se muda para o modesto apartamento, em São Francisco, da irmã de criação Ginger (Sally Hawkins), logo após ter desfeito seu casamento com o mulherengo Hal (Alec Baldwin), um rico empresário que se mete em arriscados negócios, tendo inclusive falido o cunhado Al (Louis C. K.), casado com Ginger, fazendo-o perder todas as economias guardadas por anos.

Para boa parte da crítica há uma forte semelhança do longa de Allen com a peça clássica Um Bonde Chamado Desejo (1947), de Tennessee Williams, diante das semelhanças com a socialite nova-iorquina num mundo de futilidades que de repente está em ruínas pela falência financeira decorrente da perda do marido e o posterior suicídio. A peça apresenta DuBois, uma decadente sulista com pretensões de virtude e cultura que, através da fantasia, busca encobrir, para si mesma e para os outros, a realidade. Disfarça suas desilusões através da ideia de se mostrar atraente e com possibilidade de novas conquistas amorosas.

No filme embalado por um bonito e recorrente jazz, a protagonista vai ao encontro da irmã, uma pessoa simples que trabalha como empacotadora. As companhias são outras obviamente, seu mundo agora mudou e a vida parece contrariar, embora seja um alerta para aquela construção falsa de um castelo de areia desmoronando. Sua fragilidade aflora e se entope de antidepressivos, deixando-a desnorteada e vazia, sem um sentido claro sobre a existência e sua continuação. A cabeça roda, tudo parece perdido, mas surge a grande chance de reeguer-se, quando encontra por acaso numa festa um pretendente bonitão (Peter Sarsgaard), viúvo rico e com um projeto político para o futuro bem definido, quer fazê-la primeira-dama. A protagonista atrapalha-se ao falsear a identidade e se faz passar por uma designer de interiores. O mundo cai novamente na sua cabeça, diante de um encontro inusitado.

A mentira pune e não tem perdão na visão de Allen, assim como a frivolidade presente a faz voltar às ruas perambulando, numa construção psicológica que retrata a bancarrota humana depreendida. Jasmine nunca perde sua pompa aristocrática, interpretada com elegância e verve dramática por Blanchett, numa imagem que retrata o orgulho ferido e o preconceito à irmã simplória e seu namorado bronco Chilli (Bobby Cannavale), embora infamemente estereotipado, é um rapaz apaixonado com pouca cultura, às vezes violento, quando se sente menosprezado. Na sua trajetória pelo recomeço, passa por um consultório dentário, onde é recepcionista de Flicker (Michael Stuhlbarg) numa situação constrangedora de assédio.

Allen nunca negou sua influência pelo cineasta da alma Ingmar Bergman, como em Setembro (1987) e Interiores (1978), tendo por característica quase sempre mergulhar no interior humano na busca obsessiva das neuroses presentes em seus personagens, dando soluções nada pragmáticas. Blue Jasmine aborda as consequências de uma realidade num mundo de vaidades pelos desatinos de verdades ignoradas. O cineasta enfoca as demasiadas preocupações de como as pessoas veem os outros, como metáfora da cegueira de suas vidas alimentadas ilusoriamente por sentimentos frívolos de uma sociedade elitista esfarelada e corrompida por futilidades e desmandos. Os flashbacks são colocados como referência para o presente e estimulam o espectador a acompanhar os desdobramentos e avanços da narrativa no inteligente roteiro, como pedras no tabuleiro de um jogo de xadrez, deixando a dor provocada pela angústia ganhar força e tornar-se consistente nesta bela comédia dramática sobre os desajustes familiares e seus vínculos destroçados por diferenças sociais e culturais expressas entre as irmãs.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

O Exercício do Caos



Pai e Filhas

O primeiro longa-metragem de ficção produzido no Maranhão tem na direção o estreante Frederico Machado, que também é responsável pelo roteiro, fotografia e produção. O Exercício do Caos teve um orçamento de R$110 mil pela Lume Filmes, da qual é fundador, ocupando apenas dez salas no país e faz parte da trilogia Trindade Dantesca, sendo que o segundo filme deverá estrear em 2014 com o título de O Signo das Tetas, em coprodução com Cuba. Machado é quase que um visionário, um desbravador que acredita na ideia da proposta de um cinema autoral puramente artesanal, distante das mega produções, abre um novo polo desta forma e contribui para outras realizações comprometidas com a arte e a cultura, ainda que o caminho seja árduo e espinhoso na sua trajetória.

A trama é contada em três atos sucessivos: O Exercício, O Limbo e O Caos, retratando em tom de suspense existencial mesclado com drama psicológico a história de um pai austero (Auro Juriciê) que vive em companhia de suas três filhas na fase da adolescência (Izabella, Thalyta e Thainá Souza- nenhuma é atriz profissional e são irmãs de fato) numa fazenda no interior do Maranhão. Trabalham na roça obstinadamente de dia para comerem à noite. Plantam, colhem e descascam mandioca para produzir farinha, que serve de alimento básico para a família e também como meio de produção para o sustento.

As garotas sofrem muito com o inusitado desaparecimento da mãe (Elza Gonçalves), supostamente raptada pelo caboclo de branco que surge ao entardecer na beira do rio, uma lenda recorrente na região, passada por gerações que divulgam o fato, inclusive o próprio pai, um homem humilde que se deixa envolver por insinuações maldosas do perigoso e tarado capataz (Di Ramalho) de olhos maliciosos voltados para as filhas ingênuas. Além das provocações de traição há as alegadas ameaças de cobrança do patrão das terras pela produtividade insuficiente.

O filme tem escassos diálogos permeados por um sufocante silêncio, diante de uma comunicação com o mundo apenas pelo rádio, numa época de discursos inflamados de Collor de Mello tentando chegar à presidência da República, através da sua retórica antes do escândalo do impeachment. Não há água potável, luz elétrica, televisão, celular e internet, num cenário de muita dificuldade pela sobrevivência e promessas políticas vazias contrastando com uma pobreza devastadora para os trabalhadores da terra. Há fragilidades de empregados decorrentes de um espertalhão mau-caráter que usa a figura paterna para explorá-la sem piedade. A mãe flutua na mata e surge na igrejinha como um fantasma que se liberta e ao mesmo tempo afaga as meninas do iminente perigo, diante da desintegração psicológica do marido em processo de loucura e perda da razão, vai se distanciando da lucidez pelo vício do álcool.

Os fragmentos são evidentes da destruição de um núcleo familiar, com uma trilha sonora adequada para dar a estrutura tensionada do lugar. Machado abre lacunas e impõe a atenção do espectador num drama com tintas marcantes sobre o medo, com imagens bonitas sendo cortadas em planos bem elaborados para uma proposta estética de metalinguagem inovadora, afastando-se do didatismo exagerado de algumas produções brasileiras como em O Tempo e o Vento (2012), de Jayme Monjardim e Colegas (2012), de Marcelo Galvão; aproxima-se em muito pela qualidade de um cenário tipicamente rural, longe da civilização urbana, com o longa pernambucano Na Quadrada das Águas Perdidas (2011), dos diretores estreantes Wagner Miranda e Marcos Carvalho; embora bem distante, traz o medo e a solidão como reflexão de O Som ao Redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.

O Exercício do Caos deve ser saudado pelos méritos evidentes de uma produção de poucos recursos, embora não seja revolucionário ou um filme singular, deixa um resultado bem satisfatório, acima da média de grandes produções vazias e de propostas inócuas, considerando-se um elenco em que apenas os adultos já haviam pisado num teatro amador em São Luís e as jovens intérpretes nunca atuaram. Eis um filme sobre a forma de manter-se vivo, a solidão permanente e a perda da lucidez gradativa, através de uma violência psicológica sugerida pelo equilíbrio, porém instigante e reflexiva.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Lore



Filhos do Nazismo

Vem da Alemanha, em coprodução com a Austrália e Reino Unido, Lore, segundo longa-metragem da australiana Cate Shortland, responsável também pelo roteiro, ganhou 17 prêmios internacionais: entre eles os festivais de Locarno, Hamburgo, Estocolmo e Valladolid. Aborda magnificamente uma Alemanha pós-guerra na primavera de 1945 mergulhada no nazismo ensandecido do Führer se esvaindo e as consequências danosas irremediavelmente para os filhos dos colaboradores, simpatizantes e oficiais, como no caso do casal fugitivo após a morte inesperada de seu mentor máximo Adolf Hitler.

O filme foi adaptado do livro The Dark Room, de Rachel Seiffert, sendo a protagonista que empresta o nome ao título interpretada pela atriz estreante Saskia Rosendahl, em desempenho impecável e convincente pela forma comedida. Seu pai (Hans-Jochen Wagner), um oficial da polícia SS foge às pressas e logo é seguido pela mãe (Ursina Lardi), desintegrando o núcleo da família. A jovem recebe instruções para levar seus quatro irmãos mais novos, entre eles um bebê, ao encontro da casa da avó, uma fiel e ferrenha defensora do Führer na distante Hamburgo. Tem que cruzar por dentro da aterradora Floresta Negra, com o perigo de animais selvagens, enfrentar o frio e a fome, além dos soldados das forças aliadas vencedoras espalhados pelo seu interior, liderados pelos norte-americanos nada amigáveis, como se vê nas imagens do comboio de caminhões.

O Terceiro Reich chegara ao fim e é demonstrado o abandono dos pais aos próprios filhos, embora sem quebrar o vínculo com o nazismo derrotado do exército alemão em colapso. A neta Lore reflete a situação e o destino que terá que seguir inevitavelmente, pois sempre fora induzida a escorraçar e odiar o povo semita, achando-os uns porcos imundos, mas sua relação com o misterioso rapaz judeu Thomas (Kai Malina), diante de sua solidariedade para atravessar os percalços da odisseia travada pela sobrevivência, a faz repensar seu preconceito de ojeriza antissemita inoculada pela família simpática ao regime alemão nefasto, ora derrotado. E ao quebrar os bibelôs de barro que adornam a residência da avó engajada, há o rompimento dos paradigmas preconceituosos raciais, na bela cena metafórica.

A diretora, que anteriormente realizou Somersault (2003), retrata um país falido e esmiúça com profundidade as consequências trágicas que levaram ao transtorno psicológico da protagonista e seus irmãos defenestrados por uma causa inverossímil. Um caminho de extrema violência com rastros de mortes estúpidas, passando por estupros sugeridos num clímax equilibrado e coerente, através de uma história com suavidade contraditória pela barbárie. Há uma sutileza embrutecida por um panorama do holocausto que deixou feridas abertas de difícil cicatrização, embora a sensibilidade da realizadora para permear a selvageria intercalada por momentos líricos doloridos faz desta película um manifesto contundente, sem se deixar cair no maniqueísmo ou na mesmice de câmaras de gás esperando pessoas amontoadas dentro de trens rumo à morte.

O drama retrata a escuridão que se encontra a protagonista e o interior da sua alma atingido pela brutalidade de uma nação putrificada por um insano no poder, que levou seus filhos para o caos e a humilhação passando por gerações, na metáfora dos pais em relação à saga de Lore e seus irmãos, como uma alegoria da Alemanha para seu povo numa dor de fracassados vistos por anos e anos como uma raça tristemente afamada, fruto da ruína desencadeada por Hitler e sua aversão contrária à permanência dos judeus no mundo, pregando o extermínio em massa.

Lore não é uma defesa intransigente de uma verdade absoluta, porque o drama aprofunda-se ao ingressar com força no microcosmo familiar em decomposição, onde as vítimas são todas aquelas que não fizeram ou não participaram diretamente da barbárie neste fabuloso filme sobre a infância perdida e a alegoria de uma nação destruída pela insensatez e arrogância dos gabinetes e quartéis, deixando como reflexão maior a confiança no lugar do ódio pela luta da sobrevivência humana. São os reflexos de uma guerra que faz o espectador ter uma visão menos dualista, ao deixar fluir a equidistância da imparcialidade para elaborar uma posição mais crítica e menos escassa da realidade. Eis um filme que se insere entre as melhores produções de 2013.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Juan e Evita- Uma História de Amor



Bastidores do Poder

A trajetória de um dos maiores mitos da política na América do Sul entrecortada pelos jogos de poder com toda sua emblemática relação com o povo argentino e a grande paixão por uma jovem atriz de rádio, eis os principais ingredientes do roteiro que enfoca o romance de María Eva Duarte (Julieta Díaz), conhecida como Evita (1919-1952), torna-se uma líder política e casa-se antes da eleição com o todo poderoso general Juan Domingo Perón (Osmar Núñez) e assume a condição de primeira-dama no longa de estreia de Paula Luque, que também assina o roteiro, Juan e Evita- Uma História de Amor, ganhador do prêmio de melhor filme em Bogotá. A diretora é a mesma de um imbróglio recente em seu país sobre a cinebiografia do ex-presidente Néstor Kirchner (1950-2010), que foi retirada do cineasta uruguaio Adrián Caetano e passada para as suas mãos. Após a estreia fracassada da versão oficial de Luque em 93 salas de cinema do país, em novembro de 2012, a versão oficiosa e inacabada do uruguaio vazou na internet no início deste mês, houve comparações e muita polêmica.

O drama é ambientado em 1944, num período de 18 meses, após um terremoto na cidade de San Juan, o coronel viúvo aproxima-se da bonita Eva, dando início à famosa relação de amor abalada pela ditadura no país. A cineasta retrata a história da vida daquela moça interiorana e o caminho meteórico que ela percorreu na vida pública até falecer em apenas sete anos. Saiu do anonimato para se tornar uma das mulheres mais importantes e poderosas do planeta, num mundo em que desconhecia os meandros e falcatruas, mesmo com os mistérios e obscuridades de sua trajetória ela foi marcante, uma celebridade pelo seu sucesso absoluto pessoal e político da vida, para em seguida deparar-se com a morte prematura, vira “santa Evita dos pobres” num processo de catarse coletiva pela sacralização.

Embora a película não aprofunde o governo peronista, sem ter um olhar mais crítico, fica evidente que Evita era uma figura chave de um regime ancorado no paternalismo de um caudilho. A primeira-dama é apresentada como resistente pela sua imagem personalista de pessoa forte, às vezes alheia e logo superior e dona da situação conturbada que rodeava o casal. Perón fraquejava como um grande estadista, mas tinha ao lado um esteio sobre o qual o governo ora oscilava, ora ascendia. Ganha voz própria pela sua ambição de pretensões sociais, como o assistencialismo aos pobres e o sistema de poder pela sedução das massas, de uma coletividade. O regime está corrompido, mas cambaleia e sustenta-se com muita fragilidade pela demagogia.

Um filme em que Perón é visto acumulando a vice-presidência, secretário geral do Trabalho e Previdência Social e ainda ministro das Forças Armadas, numa época turbulenta de crise entre os EUA e a Alemanha. A Argentina mergulhada numa crise política sem precedentes. Luque enfatiza a aproximação e a participação direta em decisões fundamentais de Evita no governo do presidente militar Edelmiro Farrell, com um apoio parcial do exército, tendo a marinha como oposição e dividindo o poder, levando Perón à iminente renúncia.

O longa é dividido em três episódios na vida do mitológico casal: o amor, o ódio e a revolução, sendo que a prisão de Perón enraivece os defensores do assistencialismo e faz eclodir uma greve patrocinada pelos sindicatos simpatizantes. A bandeira do paternalismo é desfraldada e mexe com o imaginário do povo que vai às ruas e o faz voltar nos braços da multidão enlouquecida, como se vê em imagens por flashbacks da época, onde centenas de milhares de pessoas tomam as ruas de Buenos Aires, a Praça de Maio em direção à Casa Rosada, diante do acordo de Farrell com o ex-vice para libertá-lo.

Juan e Evita- Uma História de Amor conta a história do casal protagonista, com recheios políticos suaves nos bastidores que bem poderiam render um filme mais realista e contundente e não tão comprometido em ser simpático ao peronismo. Segue um roteiro didático de boa dose equilibrada de dramaticidade, numa relação amorosa que deu tango, tragédia e uma reverência incomum até hoje. Mas o filme para por aí, não menciona e nem faz qualquer alusão ao período posterior de Isabelita Perón, que governou de 1974 a 1976, foi a última esposa do general desde 1961. É intencional, faz concessões para manter de certa forma imaculada a imagem de Juan Domingo, sem um mergulho nas crises do governo. É induzida uma reflexão de um homem bom e voltado para as dificuldades de seu povo, sem arranhar a imagem construída neste drama político romanceado em plena era do rádio, realizado de forma linear para agradar os argentinos, dá uma razoável contribuição.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (O Médico Alemão-Wakolda)



O Médico Alemão (Wakolda)

Vem da Argentina, em coprodução com a França, Espanha e Noruega, o terceiro longa-metragem da cineasta Lucía Puenzo- selecionado pelo seu país para concorrer na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2014-,o thriller O Médico Alemão, assim batizado no Brasil e em outros países do título original Wakolda, que anteriormente realizou o cultuado XXY (2007) e O Menino Peixe (2009). É outro filme que foi bem recebido pelo público na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, abordando um misterioso médico alemão que conhece por acaso uma família típica argentina na Patagônia, em 1960, seguindo-a até Bariloche em meio a uma tempestade violenta que desaba naquela região com seus mistérios de forte magnetismo.

No drama familiar XXY, a diretora retratava uma criança que nasceu com ambas as características sexuais e tentava fugir dos médicos que desejavam corrigir a ambiguidade genital num vilarejo do Uruguai. Agora o tema é novamente a relação de um profissional especializado em genética como centro da trama sobre Josef Mengele, conhecido como o “Anjo da Morte”, pelas suas atrocidades com seres humanos, inclusive para testar as resistências, coletando órgãos em seu laboratório para experiências futuras.

Puenzo foca essencialmente a estrutura montada em Bariloche para acobertar o nazista com a identidade falsa de Helmut (Alex Brendemuhl- o intérprete catalão está impecável) e os horrores cometidos pela obsessão da raça pura ariana prevalecendo sobre as demais. Ao se utilizar de testes em animais num grande laboratório montado com pesquisadores, camas, uma infraestrutura hospitalar e uma arquivista/fotógrafa da escola (Elena Roger) contratada para documentar todos os experimentos realizados, como se depreende de suas anotações sobre o monstro e seus quadros esquematizados com traços e observações.

A utilização das lindas bonecas em série, inspirada no feio brinquedo da menina de 12 anos Lilith (Florencia Brado- a pequena e graciosa atriz uruguaia esteve bem no papel), é uma metáfora da raça pregada por Hitler e sua insanidade contrária à permanência dos judeus no mundo, pregando o extermínio em massa, num universo escabroso que começa com a perseguição consentida da família. O casal Enzo e Eva (Diego Peretti e Natalia Oreiro) tem três filhos menores e em véspera do quarto e seguem todos num carro para o Lago Nahuel Huapi para abrir uma hospedaria, tendo como seu primeiro cliente o protagonista carismático, elegante, bom papo, conhecedor de métodos científicos eficazes para esticar a traumatizada pequena Lilith e a próxima criança preste a nascer.

Um filme que não alivia nem a mãe que concorda com as experiências, tanto da filha como dela mesma nesta fase de gestação, embora sem saber de quem se tratava realmente. Até o pai se submete aos encantos da oferta milionária em dinheiro para multiplicar as bonecas e ganhar dinheiro, sob a alegação de ser ele o autor da façanha, ao criar o embrião da descoberta, ou seja, a bruxinha da filha. É uma maquiavélica manobra diversionista que dá certo e a cineasta questiona: todo mundo teria seu preço? Parece que sim, e o nazismo foi em frente na Argentina, como se depreende das pífias investigações.

O Médico Alemão é um bom suspense, embora um tanto quanto previsível como se depreende do final já antecipada na cena do voo de um pequeno avião. A tempestade é uma clara premonição metafórica decorrente de um grande temporal com raios que desaba e soa como uma situação de grandes complicações para aquelas criaturas em fase de cair na arapuca, com acontecimentos nebulosos que estão por vir num cenário bucólico de uma espetacular nevasca.

Eis um filme que sugere uma grande teoria da conspiração, se não fosse os fatos reais narrados na história de um médico e suas práticas desprezíveis reveladas num clima de encurralamento de pessoas inocentes nesta amostragem de personagens sofridos. Há uma atmosfera equilibrada com um clímax adequado na película de Puenzo, ainda que esteja longe de empolgar, pelo menos deixa sua contribuição sobre um passado perigoso para a tranquilidade do povo argentino que sofreu com as bestiais incursões nazistas deflagradas.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (La Jaula de Oro)



La Jaula de Oro

Outro filme que é uma grata surpresa e está disparado entre os melhores da 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, com procedência do México, é este incrível drama social La Jaula de Oro, do cineasta espanhol estreante Diego Quemada-Díez, retratando a crise financeira da América Central, mais especificamente a Guatemala, onde três adolescentes favelados partem clandestinamente rumo aos Estados Unidos, em busca de vidas bem melhores do que aquelas que sempre tiveram, num ambiente de muita miséria e de abundância de promiscuidade.

A trama apresenta um componente dramático e estrutural de tintas fortes de uma aventura frustrada previamente anunciada que perturba o mais distraído dos espectadores, numa fotografia de um país de derrotados, tendo seus filhos imigrando para adquirir uma sonhada vida decente e com alguma esperança de sobrevivência. Juan (Brandon López), Sara/Osvaldo (Karen Martinez) e Samuel (Carlos Chajon) são na realidade três crianças que estão ingressando na fase da adolescência e moram em favelas numa Guatemala em estado de miserabilidade pela precária condição humana de sobrevivência.

Na viagem rumo ao México, os dois garotos e a garota travestida de menino conhecem o indiozinho da mesma faixa etária Chauk (Rodolfo Dominguez), da região de Chiapa, que não fala espanhol e se atrapalha com sua linguagem própria. Segue junto com o trio favelado e vão dar continuação à trajetória até os trilhos da ferrovia. É uma verdadeira aventura de nitroglicerina pura em diversos trens de cargas pelo desconforto apresentado e o risco iminente por onde passam, tendo que superar muitas peripécias nada agradáveis.

Surgem no caminho da fronteira com o México diversas adversidades como uma polícia truculenta que bate sem piedade, grupos de assaltantes fortemente armados, quadrilhas de sequestradores para buscarem resgates das famílias dos imigrantes clandestinos que caem facilmente nas armadilhas. A realidade é perversa e começa a ser mostrada para os jovens que terão que encarar uma dureza terrível para tentar ingressar sem visto de permanência num país como os EUA.

Há perdas pelo caminho do agora quarteto. Umas voluntárias e outras decorrentes do clima de violência de grupos beligerantes que buscam meninas para prostituição. É cruel a vida como mostra o diretor numa estética de beleza fotográfica fascinante, porém com uma crueza arrebatadora com os aventureiros na busca da imigração clandestina, tendo que se submeter a serem “mulas” para transportar drogas na travessia da fronteira, porém nem sempre há facilidades para suas vidas. É a lei do mais forte, como numa floresta infestada de animais selvagens devorando-se. Não há glamour para aqueles que sonham com o charme da nevasca de Los Angeles, mas sim uma odisseia disseminada de dissabores como uma escalada para o interior do inferno.

O cineasta retrata o contexto com a complexidade de um filme seco e duro, com alguns elementos pouco sutis dentro de uma violência clássica de cenas chocantes. São enfatizadas pela retumbante perda da dignidade humana, diante de um realismo cênico instigante em seu todo, o que não descaracteriza a proposta, pelo contrário, a eloquência torna-o profundo pela condução firme e sem firulas para demonstrar as sucessões de equívocos dos sonhadores com um mundo mágico. O constrangimento vem junto com uma insustentável humilhação e estão ali porque nada mais tem a perder, o que restou ainda ficou para trás há muito tempo naquelas favelas degradantes e características de um país pobre, sem programas de governo voltados para as populações carentes.

Quemada-Díez, afasta a violência gratuita e foca sua câmera para capar imagens virulentas de uma intolerância social pelas reações dos adolescentes de alma pura, com se vê na cena da galinha furtada, quando Juan sequer sabe matá-la e demonstra sentimento de compaixão para com o animal. La Jaula de Oro é monumental e arrasa pela contundência além da denúncia, insere-se como um filme de crítica social que passa pelo sonho e a perversidade latente, com desdobramentos explícitos das dificuldades financeiras pela falta de dinheiro e emprego, num sistema em que está presente a derrota iminente pela violência num ambiente hostil.

Comentários em São Paulo do diretor sobre a produção do filme:

Após a exibição do filme, o diretor espanhol participou de um agradável bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que trabalhou com Fernando Meirelles no longa-metragem O Jardineiro Fiel (2005); os figurantes dos trens são imigrantes reais e recebiam comida porque não tinham como a equipe de produção contratá-los formalmente; o quarteto de atores juvenis foram preparados para atuar, depois de uma rigorosa seleção de milhares de jovens, inclusive buscado nas favelas, sendo que hoje seguem suas vidas normais, já Karen Martinez é atriz de teatro e teve assassinado um parente próximo; os atores adolescentes deram muito de realidade nas cenas filmadas, foram preparados física e sensorialmente pela equipe de produção, demonstrando muita força de vontade e sonhos a serem realizados; o filme custou aproximadamente 2 milhões de dólares, mas teve incentivo do governo mexicano; trabalhou com mais de 600 imigrantes e que o filme foi baseado em alguns fatos reais, como da menina que cortou o cabelo para se parecer menino.

Mostra de Cinema São Paulo (Ana Arabia)















Ana Arabia

De Israel em coprodução com a França vem Ana Arabia, do badalado cineasta Amos Gitai que também assina o roteiro em parceria com Marie-José Sanselme, com boa recepção de público e crítica na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo. A última produção do cineasta israelense é um misto de documentário com ficção e aborda essencialmente a manutenção da continuidade do processo pela paz no Oriente Médio e a coexistência entre os povos, inclusive os inimigos declarados. Sua filmografia é extensa sobre filmes recorrentes de desavenças étnicas, entre tantos estão: Kippur- O Dia do Perdão (2000), Kedma (2002), Free Zone (2005), Aproximação (2007), Mais Tarde Você Entenderá (2008) e Rosas a Crédito (2010).

Depois de Free Zone, o diretor israelense paralisou sua criatividade e buscou temas repetitivos como brigas de fronteira entre palestinos e judeus, desta vez inova apenas na estética, ao filmar em um único plano-sequência de 81 minutos, sendo a mais famosa até hoje no cinema os memoráveis 97 minutos da obra-prima Arca Russa (2002), de Alexander Sokurov. Pretendia dar nova luz e reacender seu cinema criativo esquecido, ultimamente anda numa mesmice de doer as suas últimas realizações, demonstrando uma falta de imaginação. Agora busca o experimental como novo, tentando se afastar do supérfluo, mas fica longe de algo consistente e de uma evolução primorosa para uma nova e prodigiosa etapa. Segue com o mesmo discurso folhetinesco e cansativo de ano após ano.

A trama de Ana Arabia mostra a vida de uma pequena comunidade de judeus e árabes exilados coabitando uma sede de um território de terras completamente esquecido na fronteira entre Jaffa e Tel Aviv, em Israel. Como se não houvesse diferenças raciais e religiosas, convivem em modestas casas entre um pomar de limoeiros, numa alusão ao comovente e eficiente filme Limon Tree (2008), de Eran Riklis, que retratou a história de uma mulher palestina que vê seus limões ameaçados quando o Ministro da Defesa de Israel se torna o seu vizinho e para salvar a plantação que lhe dá o sustento aciona a Suprema Corte do país.

Diante da inesperada chegada no enclave da jovem jornalista Yael (Yuval Scharf) para realizar algumas entrevistas bem singelas, cria-se um painel redundante de uma atmosfera vazia para as discussões e reflexões de pessoas quanto aos usos e costumes diferentes. Descobre-se que várias pessoas não estão contaminadas pelas constantes guerras entre muçulmanos e judeus naquela região conflitada permanentemente, inclusive são casadas, como depreende-se de alguns vizinhos, sendo que um deles dá abrigo para a ex-nora judia, após a morte súbita do filho árabe. São relatos sobre os sonhos, as esperanças, os casos amorosos e os desejos de cada um, mesclados com ilusões desfeitas e restos de um fio de esperança sem bombas explodindo nas carnificinas rotineiras. Uma galeria de depoimentos sobre os fragmentos de suas histórias contados com humanismo.

Há até um certo entusiasmo de Yael que choraminga pelo que viu de bom, chega a se esquecer de seu trabalho profissional, ao repensar sobre aquela fonte de sabedoria e esperança para um futuro de coexistência de povos em litígio. Ali o tempo parece ter parado, mesmo sendo um pequeno e frágil reduto, difere em muito das cidades que rodeiam em constante clima de convulsão social com o terror contumaz. A câmera sai do cenário focado e vai ao encontro de uma metrópole com seus prédios enormes, com um céu azul que antes passara um avião barulhento.

Ana Arabia mostra um Gitai ainda mais preguiçoso para filmar, utilizando-se do artifício da jornalista com uma caneta e um bloquinho na mão como fio condutor da trajetória, num enredo debilitado por falta de audácia criativa, de pouca emoção, sobra de indolência e falta de cinema, com um desenrolar exaustivo, embora de boas intenções como dita a regra de um típico folhetim pela paz no Oriente Médio.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Pais e Filhos)














Pais e Filhos

A 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo tem a presença do Japão, muito bem representado pelo festejado cineasta Hirokasu Kore-Eda com Pais e Filhos, baseado em casos reais de crianças trocadas em hospitais que serviram de inspiração para que fosse contada a história. Foi um dos favoritos à Palma de Ouro deste ano, em Cannes, mas levou como consolo apenas o Prêmio do Júri. O diretor nipônico já havia concorrido em outras duas vezes com Distance (2002) e Ninguém Pode Saber (2004). Também é dele os longas Depois da Vida (1998), Seguindo em Frente (2008) e Air Doll (2009).

Eis um drama familiar fabuloso que discute a troca de bebês e os efeitos futuros das crianças com as revelações recebidas. Há uma estrutura do roteiro centrada no casal de melhores condições financeiras, ou seja: Ryota (Masaharu Fukuyama) e Midori (Muchiko Ono). Ryota é um conceituado executivo arrogante de alto poder aquisitivo, ganhou tudo pela sua dedicação e ardor, tem uma vida perfeita e parece que nada poderá atrapalhar seu sucesso profissional, bem como no amor com sua bonita mulher e o filho de 6 anos, porém não legítimo, vindo a descobrir num certo dia, através de um telefonema inusitado. O outro casal é humilde (Lily Franky e Yoko Maki), aparentemente de pouca instrução e sem muito para dar, dono de uma loja de material elétrico, tem três filhos, sendo que um deles foi trocado no berçário. Ledo engano, ali tem duas pessoas estruturadas e com muito amor para dar, com pai e mãe presentes diariamente, se doam ao máximo e dão aula de humanismo e dedicação familiar, além dele consertar os brinquedos, fazer pipas e brincar como se fosse uma criança descobrindo o mundo.

O clima de tensão está instalado diante do amor da esposa para aquela criança, filho de outros pais e a intolerância do marido. E agora, realizar a troca com seu verdadeiro filho ou deixar assim? É uma situação delicada e difícil de ser tomada. Há um questionamento explícito sobre sua condição de pai por estes anos todos, em que criou o filho de outra família totalmente desconhecida. Aquele senhor humilde ensina ao executivo que a gente não precisa imitar o pai que não lhe fez pipas, numa bela metáfora ao inconsequente avô que mandou realizar a troca em nome do sangue nas veias, o mesmo que proibia o filho de visitar a mãe e o fazia fugir para realizar seu desejo.

Kore-Eda coloca de forma incisiva que uma criança não pode ser trocada como se fosse um objeto numa loja qualquer, tendo em vista que cada família tem suas peculiaridades e idiossincrasias, tais como: uma é abastada e vive numa casa como estivesse num hotel, definição do próprio filho; outra tem uma trajetória modesta de poucos recursos; uma o pai é ausente, não tem tempo para o filho, só pensa em trabalhar para ganhar dinheiro; a outra tem no pai um homem que trabalha para sobreviver sem muita ambição, porém é dedicado quase que integralmente para a esposa e os filhos.

Uma reflexão sobre as dúvidas, anseios e o amor entre pais legítimos ou não com seus filhos, numa magnífica abordagem sobre o microcosmo familiar e a relação de afetividade, diante do problema surgido e da paternidade futura em como ser resolvido para não causar traumas e sequelas nas crianças. No contundente longa Ninguém Pode Saber, o diretor retrata o abandono de mãe para seus quatro filhos de pais diferentes, vai embora e deixa para o filho mais velho um bilhete e um pouco de dinheiro e nunca mais retorna. Em Pais e Filhos há a disputa pelas crianças e ninguém quer abrir mão da paternidade, principalmente o amor silencioso e profundo das mães, aparentemente em papéis secundários, porém são realmente as grandes vítimas do contexto, pois sofrem muito sem serem as protagonistas.

O filme está na mesma esteira de um dos episódios de O Que se Move (2012), de Caetano Gotardo, sobre um fato real acontecido em 2002, mais conhecido como Pedrinho de Goiânia, diante do fato do roubo de um bebê da maternidade e somente aos 16 anos encontra seus pais biológicos. Nesta altura da vida, já havia constituído e se estruturado numa nova família, recebendo afeto, carinho e dedicação daqueles que o criaram. O reencontro de mãe, pai e filho mostram o vazio que jamais será preenchido ou suprido de alguma forma e a solução do compartilhamento da paternidade.

O drama de Kore-Eda parece buscar subsídios no filme brasileiro quanto ao destino a ser dado às crianças trocadas no berçário. O bom senso seria em tese a melhor solução com a integração entre famílias. Mas para isto deve ser deixado o orgulho do poder, os caprichos personalíssimos, as diferenças sociais, culturais e financeiras em segundo plano, em nome dos filhos que são vítimas da situação e não podem ser punidos, passando para a condição de culpados. Mexe e instiga com o espectador através do olhar atento do cineasta com as questões advindas das relações e dos sentimentos de todos os envolvidos.

domingo, 27 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Centro Histórico)



Centro Histórico

O longa-metragem coletivo Centro Histórico foi realizado para celebrar a capital da cultura em Portugal, no norte do país, a bela cidade de Guimarães, com direção de Manoel de Oliveira, Aki Kaurismaki, Pedro Costa e Victor Erice, dividem em quatro curtas um outro sucesso garantido na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo. Muitos relatos para serem contados por estes cineastas engajados com a arte no reduto português com suas peculiaridades locais do cotidiano para ser divulgado sem cerimônia e causar uma bela reflexão sobre a história com emoção e autenticidade.

Num painel de relatos estão dois curtas primorosos e outros dois bem aquém do aguardado. O primeiro e o terceiro são os melhores da produção coletiva, sendo que Kaurismaki faz uma abordagem interessante e muito crítica em O Tasqueiro, com a perda da clientela e como se vê numa das ruas de Guimarães. Há uma profunda desilusão amorosa e os fracassos se sucedem talvez por falta de imaginação do taberneiro para tentar manter seu espaço aberto, enfocados com o triste fado como sonoplastia e dando uma boa e correta dramaticidade no curta silencioso com uma linguagem em tom ficcional adequado.

O segundo ato tem Costa como responsável por O Lamento da Vida Jovem, possivelmente o mais fraco de todos, beirando a sonolência coletiva entre os espectadores, diante do estilo de filmar sem imaginação e exaustivo pela repetição da massificante cena do elevador fechado, através do delírio de um escravo sobre a revolução de Cabo Verde nos anos 70 e o soldado imaginário num diálogo risível. Arrasta-se e não engrena, perde-se uma boa chance de ser dado um recado eficiente e direto.

O terceiro curta Vidros Partidos vem com a assinatura de Erice, disparado o melhor de todos, em tom documental ao melhor estilo de Eduardo Coutinho de As Canções (2011) e Edifício Master (2002), com um painel de relatos contados pela boca de personagens que viveram uma situação no passado, são pessoas humildes que tiveram muitas dificuldades pelos obstáculos do dia a dia, sendo que destes há de tudo um pouco, numa galeria de depoimentos consistentes e emocionantes sob o ponto de vista humano e com força de um pensamento positivo de esperança para alguns e outros já desesperançados, com mágoas, tristezas e decepções.

É uma bela e comovente história sobre uma fábrica de tecidos fundada no século 19 que faliu em 2002, onde os operários mostram seus dedos cortados, com rostos cansados e olhos perdidos no tempo que passou. O epílogo do curta é comovedor com o gaiteiro tocando e a enorme foto da mesa com as pessoas tomando sopa num dia qualquer. Os rostos fotografados são aproximados lentamente em closes magníficos, sobressaindo-se os olhares reveladores com um impressionismo arrebatador de funcionários que criaram ilusões, outros tiveram frustrações e alguns falam sobre a imigração para a França e o retorno sempre aguardado. Um significativo mosaico pela riqueza do cotidiano de uma empresa que serviu para muitas vidas sobreviverem, causando desalento em outras, mas tudo com muito humanismo e a pergunta sobre qual o tempo foi melhor; passado ou presente? Para o ator carismático há uma rede on-line e a perda do emprego se deve muito ao avanço desenfreado da internet que teria retirado muitas vagas, uma das grandes responsáveis pela crise do desemprego.

O centenário Manoel Oliveira encerra com o curta Conquistador Conquistado, mas decepciona na abordagem crítica sobre os turistas e suas máquinas fotográficas, pelos usos abusivos e desproporcionais, dando pouca importância para os museus e monumentos, entre eles uma estátua e seu olhar de desaprovação. É um típico documentário simplista do genial cineasta, porém desta vez pouco inspirado.

Centro Histórico é um razoável filme coletivo, com uma linda fotografia primorosa, diante de alguns méritos inegáveis como os curtas de Aki Kaurismaki e Victor Erice, em suas abordagens certeiras sobre um Portugal mergulhado numa imensa crise financeira decorrente da situação instável na Europa. Ao mesmo tempo presta um belo tributo à capital da cultura Guimarães, relembrando um passado difícil e um presente de incertezas maiores ainda sobre os tempos que não voltam mais.