Pais e Filhos
A 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo tem a presença do
Japão, muito bem representado pelo festejado cineasta Hirokasu Kore-Eda com Pais e Filhos, baseado em casos reais
de crianças trocadas em hospitais que serviram de inspiração para que fosse
contada a história. Foi um dos favoritos à Palma de Ouro deste ano, em Cannes,
mas levou como consolo apenas o Prêmio do Júri. O diretor nipônico já havia
concorrido em outras duas vezes com Distance
(2002) e Ninguém Pode Saber (2004).
Também é dele os longas Depois da Vida
(1998), Seguindo em Frente (2008) e Air Doll (2009).
Eis um drama familiar fabuloso que discute a troca de bebês
e os efeitos futuros das crianças com as revelações recebidas. Há uma estrutura
do roteiro centrada no casal de melhores condições financeiras, ou seja: Ryota
(Masaharu Fukuyama) e Midori (Muchiko Ono). Ryota é um conceituado executivo arrogante
de alto poder aquisitivo, ganhou tudo pela sua dedicação e ardor, tem uma vida
perfeita e parece que nada poderá atrapalhar seu sucesso profissional, bem como
no amor com sua bonita mulher e o filho de 6 anos, porém não legítimo, vindo a
descobrir num certo dia, através de um telefonema inusitado. O outro casal é
humilde (Lily Franky e Yoko Maki), aparentemente de pouca instrução e sem muito
para dar, dono de uma loja de material elétrico, tem três filhos, sendo que um deles foi trocado
no berçário. Ledo engano, ali tem duas pessoas estruturadas e com muito amor
para dar, com pai e mãe presentes diariamente, se doam ao máximo e dão aula de
humanismo e dedicação familiar, além dele consertar os brinquedos, fazer pipas
e brincar como se fosse uma criança descobrindo o mundo.
O clima de tensão está instalado diante do amor da esposa
para aquela criança, filho de outros pais e a intolerância do marido. E agora,
realizar a troca com seu verdadeiro filho ou deixar assim? É uma situação
delicada e difícil de ser tomada. Há um questionamento explícito sobre sua
condição de pai por estes anos todos, em que criou o filho de outra família
totalmente desconhecida. Aquele senhor humilde ensina ao executivo que a gente
não precisa imitar o pai que não lhe fez pipas, numa bela metáfora ao
inconsequente avô que mandou realizar a troca em nome do sangue nas veias, o
mesmo que proibia o filho de visitar a mãe e o fazia fugir para realizar seu
desejo.
Kore-Eda coloca de forma incisiva que uma criança não pode
ser trocada como se fosse um objeto numa loja qualquer, tendo em vista que cada
família tem suas peculiaridades e idiossincrasias, tais como: uma é abastada e
vive numa casa como estivesse num hotel, definição do próprio filho; outra tem
uma trajetória modesta de poucos recursos; uma o pai é ausente, não tem tempo
para o filho, só pensa em trabalhar para ganhar dinheiro; a outra tem no pai um
homem que trabalha para sobreviver sem muita ambição, porém é dedicado quase
que integralmente para a esposa e os filhos.
Uma reflexão sobre as dúvidas, anseios e o amor entre pais
legítimos ou não com seus filhos, numa magnífica abordagem sobre o microcosmo
familiar e a relação de afetividade, diante do problema surgido e da
paternidade futura em como ser resolvido para não causar traumas e sequelas nas
crianças. No contundente longa Ninguém
Pode Saber, o diretor retrata o abandono de mãe para seus quatro filhos de
pais diferentes, vai embora e deixa para o filho mais velho um bilhete e um
pouco de dinheiro e nunca mais retorna. Em Pais
e Filhos há a disputa pelas crianças e ninguém quer abrir mão da
paternidade, principalmente o amor silencioso e profundo das mães,
aparentemente em papéis secundários, porém são realmente as grandes vítimas do
contexto, pois sofrem muito sem serem as protagonistas.
O filme está na mesma esteira de um dos episódios de O Que se Move (2012), de Caetano Gotardo,
sobre um fato real acontecido em 2002, mais conhecido como Pedrinho de Goiânia,
diante do fato do roubo de um bebê da maternidade e somente aos 16 anos
encontra seus pais biológicos. Nesta altura da vida, já havia constituído e se
estruturado numa nova família, recebendo afeto, carinho e dedicação daqueles
que o criaram. O reencontro de mãe, pai e filho mostram o vazio que jamais será
preenchido ou suprido de alguma forma e a solução do compartilhamento da
paternidade.
O drama de Kore-Eda parece buscar subsídios no filme
brasileiro quanto ao destino a ser dado às crianças trocadas no berçário. O bom
senso seria em tese a melhor solução com a integração entre famílias. Mas para
isto deve ser deixado o orgulho do poder, os caprichos personalíssimos, as
diferenças sociais, culturais e financeiras em segundo plano, em nome dos
filhos que são vítimas da situação e não podem ser punidos, passando para a
condição de culpados. Mexe e instiga com o espectador através do olhar atento
do cineasta com as questões advindas das relações e dos sentimentos de todos os
envolvidos.
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