domingo, 27 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (A Gaiola Dourada)



A Gaiola Dourada

Uma comédia dramática sempre é bem-vinda, ainda mais com o requinte de uma trama portuguesa contada por um descendente luso em coprodução francesa. Falada nos dois idiomas, assim é a bela e charmosa A Gaiola Dourada, do estreante em longa-metragem Rubem Alves, com sucesso garantido na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo e a promessa de estreia nos cinemas para a segunda quinzena de janeiro do ano vindouro.

É uma saborosa proposta cômica intimista típica sobre os costumes lusos e a fleuma francesa em confronto salutar, um misto de romantismo com sarcasmo em alto estilo, pela veia crítica apurada deste promissor cineasta em solo francês, mas preservando nas veias os costumes e tradições com muito orgulho da colônia portuguesa, com certeza, sem deixar de homenagear nos créditos finais os velhos pais que estão residindo há mais de 35 anos na França.

Há um olhar amargo e ao mesmo tempo doce do diretor sobre o microcosmo familiar, sem deixar de alfinetar claramente as hipocrisias e os subterfúgios decorrentes das relações por conveniências, tanto na própria família portuguesa, como dos franceses interesseiros ao saberem da herança obtida pelos imigrantes José (Joaquim de Almeida) e sua mulher Maria (Rita Blanco), pais da contestadora filha (Bárbara Cabrita) que namora o filho dos patrões de seu pai, o futuro sogro (Roland Giraud) e sogra (Chantal Lauby).

Recebem a notícia da herança do irmão desafeto de José, porém com a imposição da volta e permanência definitiva no bucólico vinhedo. Um retrato das amizades por puro interesse e a aproximação maior de parentes distantes são evidentes, com a tônica da comédia pela hipocrisia deslavada e o escracho como uma boa pitada agridoce de crítica social e familiar. A zeladora Maria e o mestre de obras José trabalham dia e noite incansavelmente e o namoro da filha com o filho do patrão não é visto com simpatia pelo casal. São os franceses desta vez que são os colonizadores e as diferenças se distanciam, como se aproximam com o desenrolar da comédia de costumes diante das situações colocadas momentaneamente.

A partir do evento do inesperado retorno, os filhos, cunhado, sobrinhos e a irmã, além de outras pessoas da comunidade se fazem mais presentes e dão suas contribuições valiosas ou não para desatar o emaranhado. O que interessa para eles é que participam ativamente, movidas por interesses financeiros ou emocionais daquela gaiola que estão dentro como presos a um sistema e aos vínculos e laços ocorridos entre eles com os franceses depois de décadas de convivência.

A Gaiola Dourada instiga sobre os desejos de ficar e a vontade de voltar. A saudade pode falar mais alto às vezes, como a lembrança do ídolo Pauleta da seleção de Portugal, uma época anterior a Cristiano Ronaldo, com uma fotografia primorosa, além dos belos fados cantados com muito ardor e paixão, relembrando um passado difícil e um presente eivado de incertezas maiores ainda, sobre os tempos que não voltam mais, nesta magnífica comédia de profundas reflexões, com traços autobiográficos do cineasta utilizados como inspiração para um agradável acerto de contas com seus pais e com seu povo, com toques recheados de um humor refinado por piadas inteligentes e sacadas memoráveis, através de algum sarcasmo, boa ironia e um crítica social bem dosada. Prevalece as aparências cínicas e fantasiosas do evento comemorativo, apenas esboçando um quadro cênico de realismo deturpado.

Comentários em São Paulo do diretor sobre a produção do filme:

Após a exibição do filme, o diretor francês Ruben Alves, de raízes portuguesas, participou de um apreciável bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que seu filme foi muito inspirado na emoção de uma realidade dos seus pais em Paris; disse que é bom rir de nós mesmos; o longa foi bem recebido na França que coproduziu com Portugal, tendo levado 1.200.000 espectadores às salas; pode ser feita mais de uma leitura do filme como rir e chorar por estar longe de seu país e suas raízes; o título é uma coisa muito parisiense sobre a casa enorme; as pessoas querem voltar mas pensam que estão bem onde estão e acabam desistindo pelos efeitos da ditadura que se fez por muito tempo; os franceses têm muita fleuma e gostam de aparências, mas os elogios aos portugueses são muito em razão de patrão para empregado, pois os lusos se adaptaram bem por lá e as piadas de bacalhau e mulher de bigode são clichês repetidos para agradar; Portugal é muito conhecido na Europa e outros continentes por Cristiano Ronaldo; a realidade da França é bem superior como indústria de cinema dando chance para todos, já em Portugal há um mercado restrito aos grandes realizadores.

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