A Gaiola Dourada
Uma comédia dramática sempre é bem-vinda, ainda mais com o
requinte de uma trama portuguesa contada por um descendente luso em coprodução
francesa. Falada nos dois idiomas, assim é a bela e charmosa A Gaiola Dourada, do estreante em longa-metragem Rubem
Alves , com sucesso garantido na 37ª. Mostra de Cinema de São
Paulo e a promessa de estreia nos cinemas para a segunda quinzena de janeiro do
ano vindouro.
É uma saborosa proposta cômica intimista típica sobre os
costumes lusos e a fleuma francesa em confronto salutar, um misto de romantismo
com sarcasmo em alto estilo, pela veia crítica apurada deste promissor cineasta
em solo francês, mas preservando nas veias os costumes e tradições com muito
orgulho da colônia portuguesa, com certeza, sem deixar de homenagear nos
créditos finais os velhos pais que estão residindo há mais de 35 anos na
França.
Há um olhar amargo e ao mesmo tempo doce do diretor sobre o
microcosmo familiar, sem deixar de alfinetar claramente as hipocrisias e os
subterfúgios decorrentes das relações por conveniências, tanto na própria
família portuguesa, como dos franceses interesseiros ao saberem da herança
obtida pelos imigrantes José (Joaquim de Almeida) e sua mulher Maria (Rita
Blanco), pais da contestadora filha (Bárbara Cabrita) que namora o filho dos
patrões de seu pai, o futuro sogro (Roland Giraud) e sogra (Chantal Lauby).
Recebem a notícia da herança do irmão desafeto de José,
porém com a imposição da volta e permanência definitiva no bucólico vinhedo. Um
retrato das amizades por puro interesse e a aproximação maior de parentes
distantes são evidentes, com a tônica da comédia pela hipocrisia deslavada e o
escracho como uma boa pitada agridoce de crítica social e familiar. A zeladora
Maria e o mestre de obras José trabalham dia e noite incansavelmente e o namoro
da filha com o filho do patrão não é visto com simpatia pelo casal. São os
franceses desta vez que são os colonizadores e as diferenças se distanciam, como
se aproximam com o desenrolar da comédia de costumes diante das situações
colocadas momentaneamente.
A partir do evento do inesperado retorno, os filhos,
cunhado, sobrinhos e a irmã, além de outras pessoas da comunidade se fazem mais
presentes e dão suas contribuições valiosas ou não para desatar o emaranhado. O
que interessa para eles é que participam ativamente, movidas por interesses
financeiros ou emocionais daquela gaiola que estão dentro como presos a um
sistema e aos vínculos e laços ocorridos entre eles com os franceses depois de
décadas de convivência.
A Gaiola Dourada instiga
sobre os desejos de ficar e a vontade de voltar. A saudade pode falar mais alto
às vezes, como a lembrança do ídolo Pauleta da seleção de Portugal, uma época
anterior a Cristiano Ronaldo, com uma fotografia primorosa, além dos belos
fados cantados com muito ardor e paixão, relembrando um passado difícil e um
presente eivado de incertezas maiores ainda, sobre os tempos que não voltam
mais, nesta magnífica comédia de profundas reflexões, com traços
autobiográficos do cineasta utilizados como inspiração para um agradável acerto
de contas com seus pais e com seu povo, com toques recheados de um humor
refinado por piadas inteligentes e sacadas memoráveis, através de algum sarcasmo,
boa ironia e um crítica social bem dosada. Prevalece as aparências cínicas e
fantasiosas do evento comemorativo, apenas esboçando um quadro cênico de
realismo deturpado.
Comentários em São Paulo do diretor sobre a produção do filme:
Após a exibição do filme, o diretor francês Ruben Alves, de
raízes portuguesas, participou de um apreciável bate-papo com o público. Durante
a conversa, o cineasta falou que seu filme foi muito inspirado na emoção de uma
realidade dos seus pais em Paris; disse que é bom rir de nós mesmos; o longa
foi bem recebido na França que coproduziu com Portugal, tendo levado 1.200.000
espectadores às salas; pode ser feita mais de uma leitura do filme como rir e
chorar por estar longe de seu país e suas raízes; o título é uma coisa muito
parisiense sobre a casa enorme; as pessoas querem voltar mas pensam que estão
bem onde estão e acabam desistindo pelos efeitos da ditadura que se fez por
muito tempo; os franceses têm muita fleuma e gostam de aparências, mas os
elogios aos portugueses são muito em razão de patrão para empregado, pois os
lusos se adaptaram bem por lá e as piadas de bacalhau e mulher de bigode são
clichês repetidos para agradar; Portugal é muito conhecido na Europa e outros
continentes por Cristiano Ronaldo; a realidade da França é bem superior
como indústria de cinema dando chance para todos, já em Portugal há um mercado
restrito aos grandes realizadores.
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