domingo, 20 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (O Lobo Atrás da Porta)



O Lobo Atrás da Porta

A aguardada promessa O Lobo Atrás da Porta, do cineasta paulista estreante Fernando Coimbra, surpreendeu de maneira agradável na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo. O clássico triângulo amoroso já rendeu vários bons filmes pelas mãos de diversos cineastas pelo mundo, entre os quais os brasileiros Beto Brant e Renato Ciasca, no recente e denso Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios (2011), com Camila Pitanga arrasando. Coimbra incursiona também pela paixão entre três seres distintos neste instigante e desmistificante misto de suspense policial com drama familiar, que lhe rendeu o prêmio de melhor filme do Festival do Rio de Janeiro deste ano, dividindo a premiação com De Menor (2012), da neófita Caru Alves de Souza.

A trama tem no vértice a sensual e competente Leandra Leal, que encarna de forma despudorada a amante jovem instável de belo corpo Rosa. Nos outros extremos estão Sylvia (Fabíula Nascimento), no papel da esposa traída e vitimizada pela dor da perda; e o marido Bernardo (Milhem Cortaz- em grande forma, está num crescendo no cenário cinematográfico), encarnando o traidor do cotidiano e sem grandes compromissos amorosos, praticando apenas uma rápida escapadinha, como afirma para o delegado (Juliano Cazarré- ainda que num papel secundário, está impecável).

Aproveitando mote do romance proibido, o diretor busca desmistificar e lançar um olhar de imparcialidade para “A Fera da Penha”, personagem da década dos anos 60, ao mostrar as duas versões recorrentes sobre o rapto da filha do casal, em que o caso rumoroso do Rio de Janeiro lhe serviu de inspiração e não como uma adaptação simples do fato real, como afirmou no bate-papo após a apresentação do longa. Os depoimentos na delegacia são desencontrados dos pais da criança e não há verossimilhança plausível com as alegações da principal suspeita Rosa. Surge uma outra personagem na história, onde há uma suposta traição da mãe da garotinha, ao tenta-se inviabilizar cada vez mais o direcionamento das investigações policiais.

Coimbra não se debruça especificamente pelo ângulo do suspense policial e aos poucos a trama direciona seu foco para as versões e busca elementos intrigantes nas relações atribuladas da protagonista na sua paixão avassaladora pelo homem casado. Cria uma inusitada amizade insólita com a esposa traída e faz uma encenação que a coloca dentro da residência do casal. Simula situações estranhas e vai tomando conta e se adonando das peculiaridades da arquirrival e de sua filha na creche. Ao assumir a identidade de Sylvia, a lucidez começa a se esvair e a loucura vai se incrustando lentamente até atingir um grau máximo de descontrole e desatinos próprios de uma mulher desprezada.

O filme mostra aspetos típicos de um outro Rio de Janeiro, o lado menos conhecido e estigmatizado das estações de trens na zona norte suburbana. Foi lá que Rosa conheceu Bernardo e as mentiras se sucederam, desde o primeiro encontro, sob a alegação de não perdê-la e as invenções da amante para se aproximar de Sylvia. Há uma boa dose de densidade aos personagens evidenciados em cada cena que avança até o epílogo, fluindo em belas imagens de uma fotografia esplendorosa que fecha em algumas tomadas e abre em outras de dias ensolarados, nublados e chuvosos para acompanhar a transformação do romance. Estão bem secundados pelo som e a trilha sonora compatíveis e adequados ao clímax, entrecortadas por cenas apimentadas de sexo com um erotismo de muita sensualidade apanhadas por uma câmera estática à espera do amor, paixão e da loucura.

O drama familiar passa a ser o foco principal e vai crescendo aos poucos, numa clara premonição metafórica pela tempestade decorrente de um grande temporal com raios que desaba numa noite de amor entre as duas criaturas inseguras com o futuro. Soa como um final com tendência de tragicidade. O diretor inclina-se pela abordagem sem culpa específica e com um olhar de entendimento ao ser humano em confusão e com perda dos sentidos lúcido numa narrativa em flashbacks bem explorado. Mas há o fator do aborto a incomodar e cutucar a protagonista e sua visão de perda e insatisfação com uma realidade pessimista e sem perspectiva.

O Loba Atrás da Porta é um filme pungente e de bastante intensidade no seu desenrolar. Aborda o cotidiano de sons de batidas, gritos, o apito e o barulho dos trens entrando pela janela no encontro da amante e da esposa com magnífica discrição, sem causar medo da perda, diante da impossibilidade pelo desconhecimento da situação criada patologicamente para a reviravolta que o futuro reserva aos fantasmas que estão rondando. É criado um realismo cênico para dar um clima adequado na atmosfera de dor e revolta neste magistral drama angustiante de reflexão realizado por um cineasta promissor, que faz pensar e tentar entender o universo humano.

Debate em São Paulo

Após a exibição do filme, o diretor Fernando Coimbra e os atores Milhem Cortaz e Leandra Leal participaram de um bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que o caso real chamado de “A Fera da Penha”, nos anos 60, Rio de Janeiro, apenas serviu de inspiração e não adaptação para seu longa-metragem; quanto ao aborto não houve uma investigação profunda e apenas indícios de depoimentos, tendo em vista que houve muita pressão da imprensa e da sociedade para condenar a amante; achou na zona norte do Rio para um cenário de realismo com estação de trens; buscou um cenário diverso com sol, nuvens, chuva e sons do cotidiano para dar uma atmosfera consistente da transformação do caso; a trilha sonora e o som estavam harmonizados com o desenrolar da trama; entende que seu filme é mais um drama do que um suspense policial. Já a dupla de atores, Milhem e Leandra, reforçaram que o roteiro é muito maduro e que seguiram o que o diretor determinou, sem grandes invenções espontâneas, principalmente nas tórridas cenas de sexo.

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