O Lobo Atrás da Porta
A aguardada promessa O
Lobo Atrás da Porta, do cineasta paulista
estreante Fernando Coimbra, surpreendeu de maneira agradável na 37ª. Mostra de
Cinema de São Paulo. O clássico triângulo amoroso já rendeu vários bons filmes
pelas mãos de diversos cineastas pelo mundo, entre os quais os brasileiros Beto
Brant e Renato Ciasca, no recente e denso
Eu Receberia as Piores Notícias de seus Lindos Lábios (2011), com Camila
Pitanga arrasando. Coimbra incursiona também pela paixão entre três seres
distintos neste instigante e desmistificante misto de suspense policial com
drama familiar, que lhe rendeu o prêmio de melhor filme do Festival do Rio de
Janeiro deste ano, dividindo a premiação com De Menor (2012), da neófita Caru Alves de Souza.
A trama tem no vértice a sensual e competente Leandra Leal, que
encarna de forma despudorada a amante jovem instável de belo corpo Rosa. Nos
outros extremos estão Sylvia (Fabíula Nascimento), no papel da esposa traída e
vitimizada pela dor da perda; e o marido Bernardo (Milhem Cortaz- em grande
forma, está num crescendo no cenário cinematográfico), encarnando o traidor do
cotidiano e sem grandes compromissos amorosos, praticando apenas uma rápida
escapadinha, como afirma para o delegado (Juliano Cazarré- ainda que num papel
secundário, está impecável).
Aproveitando mote do romance proibido, o diretor busca
desmistificar e lançar um olhar de imparcialidade para “A Fera da Penha”,
personagem da década dos anos 60, ao mostrar as duas versões recorrentes sobre
o rapto da filha do casal, em que o caso rumoroso do Rio de Janeiro lhe serviu
de inspiração e não como uma adaptação simples do fato real, como afirmou no
bate-papo após a apresentação do longa. Os depoimentos na delegacia são
desencontrados dos pais da criança e não há verossimilhança plausível com as
alegações da principal suspeita Rosa. Surge uma outra personagem na história,
onde há uma suposta traição da mãe da garotinha, ao tenta-se inviabilizar cada
vez mais o direcionamento das investigações policiais.
Coimbra não se debruça especificamente pelo ângulo do
suspense policial e aos poucos a trama direciona seu foco para as versões e busca
elementos intrigantes nas relações atribuladas da protagonista na sua paixão
avassaladora pelo homem casado. Cria uma inusitada amizade insólita com a
esposa traída e faz uma encenação que a coloca dentro da residência do casal.
Simula situações estranhas e vai tomando conta e se adonando das peculiaridades
da arquirrival e de sua filha na creche. Ao assumir a identidade de Sylvia, a lucidez
começa a se esvair e a loucura vai se incrustando lentamente até atingir um grau
máximo de descontrole e desatinos próprios de uma mulher desprezada.
O filme mostra aspetos típicos de um outro Rio de Janeiro, o
lado menos conhecido e estigmatizado das estações de trens na zona norte
suburbana. Foi lá que Rosa conheceu Bernardo e as mentiras se sucederam, desde
o primeiro encontro, sob a alegação de não perdê-la e as invenções da amante
para se aproximar de Sylvia. Há uma boa dose de densidade aos personagens evidenciados
em cada cena que avança até o epílogo, fluindo em belas imagens de uma
fotografia esplendorosa que fecha em algumas tomadas e abre em outras de dias
ensolarados, nublados e chuvosos para acompanhar a transformação do romance.
Estão bem secundados pelo som e a trilha sonora compatíveis e adequados ao
clímax, entrecortadas por cenas apimentadas de sexo com um erotismo de muita
sensualidade apanhadas por uma câmera estática à espera do amor, paixão e da
loucura.
O drama familiar passa a ser o foco principal e vai
crescendo aos poucos, numa clara premonição metafórica pela tempestade
decorrente de um grande temporal com raios que desaba numa noite de amor entre
as duas criaturas inseguras com o futuro. Soa como um final com tendência de
tragicidade. O diretor inclina-se pela abordagem sem culpa específica e com um
olhar de entendimento ao ser humano em confusão e com perda dos sentidos
lúcido numa narrativa em flashbacks bem explorado. Mas há o fator do aborto a incomodar e cutucar a protagonista e sua
visão de perda e insatisfação com uma realidade pessimista e sem perspectiva.
O Loba Atrás da Porta
é um filme pungente e de bastante intensidade no seu desenrolar. Aborda o cotidiano
de sons de batidas, gritos, o apito e o barulho dos trens entrando pela janela no
encontro da amante e da esposa com magnífica discrição, sem causar medo da
perda, diante da impossibilidade pelo desconhecimento da situação criada
patologicamente para a reviravolta que o futuro reserva aos fantasmas que estão
rondando. É criado um realismo cênico para dar um clima adequado na atmosfera de
dor e revolta neste magistral drama angustiante de reflexão realizado por um
cineasta promissor, que faz pensar e tentar entender o universo humano.
Debate em São Paulo
Após a exibição do filme, o diretor Fernando Coimbra e os
atores Milhem Cortaz e Leandra Leal participaram de um bate-papo com o público.
Durante a conversa, o cineasta falou que o caso real chamado de “A Fera da
Penha”, nos anos 60, Rio de Janeiro, apenas serviu de inspiração e não
adaptação para seu longa-metragem; quanto ao aborto não houve uma investigação
profunda e apenas indícios de depoimentos, tendo em vista que houve muita
pressão da imprensa e da sociedade para condenar a amante; achou na zona norte
do Rio para um cenário de realismo com estação de trens; buscou um cenário
diverso com sol, nuvens, chuva e sons do cotidiano para dar uma atmosfera
consistente da transformação do caso; a trilha sonora e o som estavam
harmonizados com o desenrolar da trama; entende que seu filme é mais um drama
do que um suspense policial. Já a dupla de atores, Milhem e Leandra, reforçaram
que o roteiro é muito maduro e que seguiram o que o diretor determinou, sem
grandes invenções espontâneas, principalmente nas tórridas cenas de sexo.
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