quinta-feira, 10 de outubro de 2013

O Capital














Ascensão Inescrupulosa

O diretor grego naturalizado francês Constantin Costa-Gavras está de volta ao cinema com O Capital, demonstrando grande e calibrado poder de fogo, afiado e em boa forma para um cineasta octogenário, mestre do cinema de denúncia política, entre os quais os extraordinários Z (1968), Desaparecido- Um Grande Mistério (1982) e do bom Amém (2002).

O drama tem o roteiro baseado na obra de Stéphane Osmont, um executivo que passou por várias instituições financeiras fortes e dominadoras da Europa. É dele os relatos instigantes sobre os movimentos bancários e os jogos de poder e fama beirando a inverossimilhança, mas que são reais e cruéis. Doa a quem doer. São armações políticas abjetas e nefastas, tendo no protagonista Marc Torneuil, interpretado magnificamente pelo ator marroquino Gad Elmaleh, conhecido por atuar em Meia Noite em Paris (2011), de Woody Allen e A Espuma dos Dias (2013), de Michel Gondry. É uma espécie de continuação do tema abordado no filme O Corte (2005), onde um executivo demitido de um emprego estável, decide matar todos os concorrentes à uma vaga que lhe surge como opção viável ao trabalho.

Marc é um homem talentoso e braço forte do presidente do fictício banco francês Phenix, seu método de trabalho é autoritário e domina como poucos as artimanhas financeiras, fazendo-o ascender à presidência com o intuito de conduzir a instituição ao primeiro lugar no cenário mundial. Não tem escrúpulo e o jantar com a família e parentes próximos, ao ser interpelado pelo tio, que não se conforma e demonstra insatisfação com os métodos de demissão em massa de funcionários, sob o amparo de alavancar o poderio da empresa que dirige, torna a cena reveladora por tirar a máscara do sobrinho. Deixa-o perplexo com a ousadia sincera e humana de uma pessoa humilde que não pensa somente em dinheiro e mantém arraigados valores éticos. Chega a ser constrangedor o modo como se afasta e vai embora daquele aprazível lugar íntimo, com afeto e de extrema franqueza.

O filme retrata o mergulho do protagonista no mundo voraz de um capitalismo selvagem e desenfreado, ao alcançar o topo do banco com saúde financeira debilitada, diante da grave enfermidade do então presidente, que viria o escolher para sucedê-lo. Logo é implementado uma ciranda de negócios e trapaças para despencar a bolsa de valores, com olhos na aquisição de um banco japonês falido, depois de algumas tratativas em Miami, com um deslumbrante cenário de iates e lindas mulheres, tudo regado com champanhes e iguarias nos banquetes de festas fascinantes. Marc faz uso do símbolo capitalista no passeio pelas ruas, inspirado no longa Cosmópolis (2012), de David Cronenberg, ao se colocar acima dos mortais trancafiado dentro de sua limusine blindada, uma espécie de bunker.

Costa-Gavras mostra uma criatura que se eleva por meios malvistos e começa a perder seus valores éticos e morais. Entra em choque direto com diretores, conselho e acionistas minoritários, mas procura minimizar seus atos. O corte na carne é inevitável e as demissões se avolumam com consequências inimagináveis, causando visões alucinantes de pessoas com graves dificuldades de sobrevivência que se confundem com uma realidade de corrupção decorrente de um fundo de investimento nos EUA. É um panorama do que acontece não só em bancos, mas que também pode ser estendido a grandes empresas de várias atividades com suas negociatas, bem como numa abordagem sobre a concorrência desleal, onde executivos são treinados para dirigir de maneira fria, impessoal e insensível para um mundo que se esboroa, num embate árduo entre o poder e a culpa.

O Capital é uma referência ao best-seller homônimo de Karl Marx e a irônica política revolucionária de Mao Tsé-Tung na China, sendo o filme conduzido com sarcasmo arrebatador, com tintas de lesão grave ao humanismo e suas perdas, sem deixar de abordar e enfocar com energia o comportamento dúbio do protagonista ao ascender profissionalmente. Há impagáveis tiradas com requintes perversos dentro de uma ironia devastadora como “roubar dos pobres e dar aos ricos”. Mas é fulminante e vai ao cerne da questão, ao observar uma diretoria e um conselho extasiados com o ápice do banco, solta a pérola derradeira “continuam a se divertir como crianças, até que tudo se exploda”, com a providencial elipse da cena, entrando um futuro em preto e branco como resultado de uma catástrofe metafórica. Um drama fabuloso do genial cineasta em retorno retumbante com o consagrado formalismo típico e necessário para uma obra singular.

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