O diretor grego naturalizado francês Constantin Costa-Gavras
está de volta ao cinema com O Capital,
demonstrando grande e calibrado poder de fogo, afiado e em boa forma para um
cineasta octogenário, mestre do cinema de denúncia política, entre os quais os
extraordinários Z (1968), Desaparecido- Um Grande Mistério (1982)
e do bom Amém (2002).
O drama tem o roteiro baseado na obra de Stéphane Osmont, um
executivo que passou por várias instituições financeiras fortes e dominadoras da
Europa. É dele os relatos instigantes sobre os movimentos bancários e os jogos
de poder e fama beirando a inverossimilhança, mas que são reais e cruéis. Doa a
quem doer. São armações políticas abjetas e nefastas, tendo no protagonista
Marc Torneuil, interpretado magnificamente pelo ator marroquino Gad Elmaleh,
conhecido por atuar em Meia Noite em Paris
(2011), de Woody Allen e A Espuma dos
Dias (2013), de Michel Gondry. É uma espécie de continuação do tema
abordado no filme O Corte (2005),
onde um executivo demitido de um emprego estável, decide matar todos os
concorrentes à uma vaga que lhe surge como opção viável ao trabalho.
Marc é um homem talentoso e braço forte do presidente do
fictício banco francês Phenix, seu método de trabalho é autoritário e domina
como poucos as artimanhas financeiras, fazendo-o ascender à presidência com o
intuito de conduzir a instituição ao primeiro lugar no cenário mundial. Não tem
escrúpulo e o jantar com a família e parentes próximos, ao ser interpelado pelo
tio, que não se conforma e demonstra insatisfação com os métodos de demissão em
massa de funcionários, sob o amparo de alavancar o poderio da empresa que
dirige, torna a cena reveladora por tirar a máscara do sobrinho. Deixa-o
perplexo com a ousadia sincera e humana de uma pessoa humilde que não pensa
somente em dinheiro e mantém arraigados valores éticos. Chega a ser
constrangedor o modo como se afasta e vai embora daquele aprazível lugar
íntimo, com afeto e de extrema franqueza.
O filme retrata o mergulho do protagonista no mundo voraz de
um capitalismo selvagem e desenfreado, ao alcançar o topo do banco com saúde
financeira debilitada, diante da grave enfermidade do então presidente, que
viria o escolher para sucedê-lo. Logo é implementado uma ciranda de negócios e
trapaças para despencar a bolsa de valores, com olhos na aquisição de um banco
japonês falido, depois de algumas tratativas em Miami, com um deslumbrante
cenário de iates e lindas mulheres, tudo regado com champanhes e iguarias nos banquetes
de festas fascinantes. Marc faz uso do símbolo capitalista no passeio pelas
ruas, inspirado no longa Cosmópolis (2012),
de David Cronenberg, ao se colocar acima dos mortais trancafiado dentro de sua
limusine blindada, uma espécie de bunker.
Costa-Gavras mostra uma criatura que se eleva por meios
malvistos e começa a perder seus valores éticos e morais. Entra em choque
direto com diretores, conselho e acionistas minoritários, mas procura minimizar
seus atos. O corte na carne é inevitável e as demissões se avolumam com
consequências inimagináveis, causando visões alucinantes de pessoas com graves
dificuldades de sobrevivência que se confundem com uma realidade de corrupção
decorrente de um fundo de investimento nos EUA. É um panorama do que acontece
não só em bancos, mas que também pode ser estendido a grandes empresas de
várias atividades com suas negociatas, bem como numa abordagem sobre a
concorrência desleal, onde executivos são treinados para dirigir de maneira
fria, impessoal e insensível para um mundo que se esboroa, num embate árduo
entre o poder e a culpa.
O Capital é uma
referência ao best-seller homônimo de Karl Marx e a irônica política revolucionária
de Mao Tsé-Tung na China, sendo o filme conduzido com sarcasmo arrebatador, com
tintas de lesão grave ao humanismo e suas perdas, sem deixar de abordar e
enfocar com energia o comportamento dúbio do protagonista ao ascender
profissionalmente. Há impagáveis tiradas com requintes perversos dentro de uma
ironia devastadora como “roubar dos pobres e dar aos ricos”. Mas é fulminante e
vai ao cerne da questão, ao observar uma diretoria e um conselho extasiados com
o ápice do banco, solta a pérola derradeira “continuam a se divertir como
crianças, até que tudo se exploda”, com a providencial elipse da cena, entrando
um futuro em preto e branco como resultado de uma catástrofe metafórica. Um
drama fabuloso do genial cineasta em retorno retumbante com o consagrado formalismo típico e necessário para uma obra
singular.
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