O Garoto que Come Alpiste
Um filme surpreendente na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo
é este instigante O Garoto que Come
Alpiste, do estreante Ektoras Lygizos, digno representante de seu país para uma das vagas ao Oscar de 2014, ao retratar de forma comovente a falência da Grécia, tem no
título a reflexão literal do desenrolar da trama e o modo de sobrevivência de
Yorgos (Yannis Papadopoulos- de estupenda interpretação), um jovem cantor de 22
anos, sem namorada e sem comida, morador em Atenas em meio a crise europeia vem
perder o emprego. As latas de lixo são sua fonte de sustento e ainda busca
desesperadamente sobras na vizinhança para saciar a fome, além da ração de seu
passarinho de estimação.
O diretor utiliza-se de uma metáfora dolorida para mostrar o
único companheiro do rapaz, um canário engaiolado, preso como seu dono e
enrolado na bandeira de seu país quebrado em todos os sentidos, sem uma
perspectiva de restabelecimento na economia. Enfatiza a falta de suprimento
para uma retumbante perda da dignidade humana, através de cenas chocantes pelo
uso da escatologia. Neste aspecto Lygizos exagerou e equivoca-se ao não sugerir
ou utilizar uma elipse para mostrar o sêmen como alimento após a masturbação,
ou ainda a lavagem da latrina com água mineral para propor um realismo cênico
nauseante, embora não chegue a comprometer a obra no todo.
Uma crise sem precedentes com a desvalorização da moeda euro
que atingiu países fortes economicamente como a Grécia. Afeta em cheio o
protagonista que sente a degradação humana lhe corroer dia após dia. O constrangimento
vem junto com uma insustentável humilhação e a vergonha é imensurável, pois sequer
consegue passar para a própria mãe pelo telefonema realizado entre os dois,
diante de sua miséria física e o estado de espírito combalido. Uma perturbação
avassaladora que acaba por lhe induzir em vender tudo o que ainda resta para
ganhar algumas parcas moedas.
Eis um drama social aprofundado através da performance de
Yorgos como homem mostra-se abalada, afetando inevitavelmente sua virilidade e
por consequência a autoestima. Seu único contato com o mundo exterior é
perseguir uma bela moça recepcionista de um hotel, logo após ser despejado. Nutre
um carinho especial pela sua musa, diante da iminência de começar a sofrer um
processo de deterioração mental e a lucidez se esboroando gradativamente, reduzindo
sua aptidão e sua libido desaparece.
Um filme silencioso e com raros diálogos que reflete um país
falido e sem condições de reagir, como se faltasse combustível para uma energia
humana prostrada diante da perda de suas referências, como o vínculo familiar,
como se vê na senhora da igreja simbolizando a mãe, ao cantar com todo denodo e
força de seu coração, demonstra entusiasmo e afeto materno já quase que
esquecidos pelo tempo e pelas derrotas inevitáveis que a vida teima em aplicar
sistematicamente nesses anos de extrema dificuldade financeira.
O Garoto que Come
Alpiste é um belo e paradoxal dolorido drama social com tintas fortes de
tragédia grega, que perturba o mais distraído dos espectadores. Numa condução frenética
do cineasta com sua câmera na mão para captar as imagens degradantes de um trêmulo
jovem derrotado e suas vertigens decorrentes da fome que o consome, retratada
de maneira nua e crua, sem rodeios ou sutilezas que ficam de lado. Uma
fotografia de um país de mortos-vivos e amplamente liquidado.
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