segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (O Garoto que Come Alpiste)



O Garoto que Come Alpiste

Um filme surpreendente na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo é este instigante O Garoto que Come Alpiste, do estreante Ektoras Lygizos, digno representante de seu país para uma das vagas ao Oscar de 2014, ao retratar de forma comovente a falência da Grécia, tem no título a reflexão literal do desenrolar da trama e o modo de sobrevivência de Yorgos (Yannis Papadopoulos- de estupenda interpretação), um jovem cantor de 22 anos, sem namorada e sem comida, morador em Atenas em meio a crise europeia vem perder o emprego. As latas de lixo são sua fonte de sustento e ainda busca desesperadamente sobras na vizinhança para saciar a fome, além da ração de seu passarinho de estimação.

O diretor utiliza-se de uma metáfora dolorida para mostrar o único companheiro do rapaz, um canário engaiolado, preso como seu dono e enrolado na bandeira de seu país quebrado em todos os sentidos, sem uma perspectiva de restabelecimento na economia. Enfatiza a falta de suprimento para uma retumbante perda da dignidade humana, através de cenas chocantes pelo uso da escatologia. Neste aspecto Lygizos exagerou e equivoca-se ao não sugerir ou utilizar uma elipse para mostrar o sêmen como alimento após a masturbação, ou ainda a lavagem da latrina com água mineral para propor um realismo cênico nauseante, embora não chegue a comprometer a obra no todo.

Uma crise sem precedentes com a desvalorização da moeda euro que atingiu países fortes economicamente como a Grécia. Afeta em cheio o protagonista que sente a degradação humana lhe corroer dia após dia. O constrangimento vem junto com uma insustentável humilhação e a vergonha é imensurável, pois sequer consegue passar para a própria mãe pelo telefonema realizado entre os dois, diante de sua miséria física e o estado de espírito combalido. Uma perturbação avassaladora que acaba por lhe induzir em vender tudo o que ainda resta para ganhar algumas parcas moedas.

Eis um drama social aprofundado através da performance de Yorgos como homem mostra-se abalada, afetando inevitavelmente sua virilidade e por consequência a autoestima. Seu único contato com o mundo exterior é perseguir uma bela moça recepcionista de um hotel, logo após ser despejado. Nutre um carinho especial pela sua musa, diante da iminência de começar a sofrer um processo de deterioração mental e a lucidez se esboroando gradativamente, reduzindo sua aptidão e sua libido desaparece.

Um filme silencioso e com raros diálogos que reflete um país falido e sem condições de reagir, como se faltasse combustível para uma energia humana prostrada diante da perda de suas referências, como o vínculo familiar, como se vê na senhora da igreja simbolizando a mãe, ao cantar com todo denodo e força de seu coração, demonstra entusiasmo e afeto materno já quase que esquecidos pelo tempo e pelas derrotas inevitáveis que a vida teima em aplicar sistematicamente nesses anos de extrema dificuldade financeira.

O Garoto que Come Alpiste é um belo e paradoxal dolorido drama social com tintas fortes de tragédia grega, que perturba o mais distraído dos espectadores. Numa condução frenética do cineasta com sua câmera na mão para captar as imagens degradantes de um trêmulo jovem derrotado e suas vertigens decorrentes da fome que o consome, retratada de maneira nua e crua, sem rodeios ou sutilezas que ficam de lado. Uma fotografia de um país de mortos-vivos e amplamente liquidado.

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