Uma Casa com Torre
Vem da Ucrânia o fascinante longa-metragem Uma Casa com Torre, da diretora Eva
Neymann em seu segundo longa-metragem, antes realizara At The River (2007), consta ainda em sua filmografia três curtas e
três documentários. Este é um daqueles filmes marcantes e que causou uma ótima
impressão na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, ao enfocar de maneira criativa
um fato triste durante um dia de inverno na Rússia, em plena Segunda Guerra
Mundial, baseado no conto autobiográfico homônimo de Friedrich Gorenstein, um dos
roteiristas do cultuado Solaris (1972),
de Andrei Tarkóvski.
Um drama de guerra magistral com uma beleza estética rara e
alguma similitude de outro filme sobre uma mãe gravemente enferma que se recusa
a realizar tratamento médico, a produção independente norte-americana As Terras Frias (2013), do diretor Tom
Gilroy. O filme ucraniano aborda a história centralizando a trama no menino de
8 anos (Dmitriy Kobetskoy- em interpretação de astro) que fica sozinho e
desamparado, tendo em vista que sua mãe (Katerina Golubeva) tem a saúde muito afetada
e vai para o único hospital da cidade, em meio às vitimas da guerra. Guarda com
ele a recomendação para que retorne até a rua em que viveu sua infância para
procurar uma casa com uma torre.
A procura da sobrevivência está em jogo e a guerra
interminável é vista como um despropósito aterrador que danifica e esmaga os
sentimentos humanos de vidas inocentes sendo ceifadas. Os horrores das batalhas
causam uma falta de comida imensurável para os povos devastados, resultante de
governos belicistas pelo mundo, mais preocupados com interesses próprios e
loucos no poder, como Hitler e Mussolini. Uma bela metáfora da sociedade pelo
olhar melancólico do garotinho órfão e seu sofrimento de dor pela solidão e a fome
por falta de subsistência.
A diretora utiliza-se de um
artifício recorrente ultimamente no cinema, quando traz para o enredo a figura
materna para dar assistência espiritual e a condução empírica do menino para
desatar e retirar seus traumas, dando-lhe forças para seguir em frente, como
visto na última cena de extrema delicadeza da mão passando com doçura e carinho
pelo rosto do filho. Segue na esteira da inspiração e da visão com o infinito pós-morte
de As Terras Frias e o cultuado Tio Boonmee, Que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, do diretor
tailandês Apichatpong Weerasethakul, e
a incursão no infinito para imergir num clima transcendental.
Uma Casa com Torre retrata
os efeitos da guerra num cenário instigante de nevasca por todos os lados, do
trem com seu apito estridente cortando cidades pelos caminhos desertos e
longínquos de qualquer população. O filme fascina pelo movimento interessante
de uma câmera em planos-sequência longos, às vezes em contraplanos mais curtos, captando
as doloridas imagens de um neorrealismo de grandes filmes do cinema como Arca Russa (2002) em plano-sequência
único e a famosa trilogia impactante de realismo cênico em Moloch (1999), Taurus
(2001) e O Sol (2005), todos de
Alexander Sokurov; ou ainda em
Glória Feita de Sangue (1957), de Stanley Kubrick.
São mostradas as sobras de guerra, como se pessoas fossem animais sem
importância, diante da falta de cuidados mínimos para os sobreviventes. Há uma
carência de calor humano das enfermeiras nos hospitais, embora se possa
compreender pelo contato diário com vítimas. São amontoadas e a morte da mãe do
protagonista simboliza o descaso e reflete alegoricamente toda a situação de um
país convalescente pelas perdas do extermínio advindo dos campos de matança.
Morrer é uma circunstância vista como normal e quase que banalizada.
Outra grande referência pelo descaso às vidas está na viagem
de trem para um destino indeterminado e bem longe do fronte, em acomodações
precárias se acotovelam e querem seus espaços, numa busca de um futuro um pouco
melhor e com alguma segurança. Eis um drama sem estardalhaço pela ausência de
uma pirotecnia em moda, pois se utiliza do recuso da fotografia preto e branco
para causar um impacto mais realista aos fatos e o recurso da câmera estática é
notável na busca de sentimentos, ternuras e tristezas entre os passageiros
desesperançados rumo ao céu ou o inferno que querem deixar para trás como
herança maldita.
A cineasta acerta em cheio com o menino órfão, uma pela
magnífica atuação de Dmitriy Kobetskoy; outra pela sua trajetória nos caminhos
de um país destroçado em ruínas evidentes, dentro de um panorama de fome e
miséria espalhado por todos os cantos. Neymann dá uma aula de simplicidade
cinematográfica por demonstrar os efeitos nefastos de uma guerra com suas
marcas indeléveis e com cicatrizes permanentes, com pouca perspectiva de
recuperação. Como o barulho violento das botas no chão soando com o rigor militar
desenfreado para o combate; assim como o cenário do hospital simbolizando vidas
miseráveis ainda existentes; já o trem é o sopro da esperança naquelas
criaturas agoniadas pelo tédio da amargura do passado, exceto o protagonista
com sua fibra para viver, através do embalo cadenciado do trem como uma trilha
sonora em formato de canção de ninar para fazer dormir e seguir em frente nos seus
sonhos, iluminado pela nevasca insistente predominando como a vida renascendo
pelo afago da mão da mãe.
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