O Reino Unido também se faz presente na 37ª. Mostra de
Cinema de São Paulo com o apreciável drama Para
Aqueles em Perigo, sendo dirigido pelo estreante em longas Paul Wright ,
antes havia em sua filmografia quatro curtas-metragens. O enfoque tem como tema
a culpa de um jovem aparentemente desajustado numa paradisíaca ilha isolada na
Escócia, em que é o único sobrevivente de um estranho acidente de um barco
pesqueiro em alto-mar, tendo morrido seu irmão mais velho Michael e outros
quatro pescadores. Uma inesperada tragédia que torna uma ida sem volta daqueles
jovens, causando muita comoção na população.
Um drama com algumas similitudes com o fabuloso filme sobre
perda e culpa, o holandês em coprodução húngara Em Silêncio (2013), da cineasta estreante Ricky Rijneke. Uma
comunidade que está voltada para o folclore, onde existe como fato indiscutível
a superstição de um monstro no fundo do mar. Todos sabem ou ouviram falar dele e
a tradição é espalhada com o propósito de atormentar o acusado sobrevivente
Aaron (George MacKay) pela inconsequência. O rapaz é visto como um exilado e
sem papel definido no meio social entre os moradores, é escorraçado como um
cachorro sarnento e enxotado de um lado para outro, como se vê na cena do pai rancoroso
de uma das vítimas, ou na ameaça de morte do ex-sogro do irmão (Michael Smiley).
No filme Em Silêncio
havia o tormento da irmã mais velha no papel da mãe e seu sentimento de culpa,
com o esquecimento involuntário do trágico acidente ocorrido de automóvel, bem
como a frustração de tristeza com a perda e o sonho não realizado; já em Para
Aqueles em Perigo é
o irmão mais novo que carrega esta carga emocional em relação ao mano vitimado
com quem não tinha uma boa relação, disputava o mesmo espaço e se sentia
humilhado e inferiorizado, tendo na figura carismática da mãe (Kate Dickie) entrando
como o algodão entre os cristais. Sua interferência é oportuna e defende com
sutileza seu filho desprezado pela sociedade hostil. Conta a lenda do fundo do
mar para o filho, que pede para repetir numa cena que determinará o caminho a
ser seguido pelo Aaron.
Diante do evidente questionamento pela autoria das mortes
anunciadas e recusando-se a acreditar que realmente houve os fatos, o rapaz vai
à procura do irmão com o intuito de trazê-lo de volta ao convívio dos vivos. Há
uma sutil mescla de delírio pela crença mística com uma loucura sintomática
pela perda da lucidez que corrói e esmaga sua consciência dentro de uma atmosfera
de dor e revolta com misto de raiva e ódio, deixando margem para interpretação
favorável dos seus detratores, diante dos sonhos delirantes que vêm
perseguindo-o nas noites de pesadelo.
Há uma significativa mexida no roteiro que coloca ainda mais
dúvidas sobre a realidade sobre os acontecimentos trágicos ocorridos, quando há
o ingresso de Jane (Nichoa Burley), a namorada apaixonada de Michel que se
aproxima de Aaron e cria um clima de fingimento de affaire, o que haverá desdobramentos
e margens para mais dúvidas ainda, após algumas revelações.
A abordagem sobre os fantasmas da perda pela suposta culpa
se entrelaçam no bom começo da história, apesar do longa se desenvolver com boa
desenvoltura, porém o clímax vai esvaindo-se e o final inusitado apaga um pouco
o brilho e tira a sustentação de uma obra com forma e efeito para reflexão mais
apurada, diante da falta de coesão num roteiro dúbio e fraquejante. Há fatos
desarmonizados com o contexto que se encaixam numa construção psicológica do
protagonista para a simplificação esquizofrênica.
Eis um drama que falta um aprofundamento maior de causas e
efeitos, visto aqui como lineares e carecedores de um mergulho no imaginário da
comunidade de pescadores humildes colocados como algozes, diante da falta de um
elemento de reflexão mais aproximado com a tragédia ali existente e sua densidade.
Para Aqueles em Perigo é um filme razoável
com uma boa proposta, mas que poderia alcançar um resultado melhor se fosse
dirigido por um cineasta mais atento com o contexto e as revelações culturais
localizadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário