terça-feira, 29 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (La Jaula de Oro)



La Jaula de Oro

Outro filme que é uma grata surpresa e está disparado entre os melhores da 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, com procedência do México, é este incrível drama social La Jaula de Oro, do cineasta espanhol estreante Diego Quemada-Díez, retratando a crise financeira da América Central, mais especificamente a Guatemala, onde três adolescentes favelados partem clandestinamente rumo aos Estados Unidos, em busca de vidas bem melhores do que aquelas que sempre tiveram, num ambiente de muita miséria e de abundância de promiscuidade.

A trama apresenta um componente dramático e estrutural de tintas fortes de uma aventura frustrada previamente anunciada que perturba o mais distraído dos espectadores, numa fotografia de um país de derrotados, tendo seus filhos imigrando para adquirir uma sonhada vida decente e com alguma esperança de sobrevivência. Juan (Brandon López), Sara/Osvaldo (Karen Martinez) e Samuel (Carlos Chajon) são na realidade três crianças que estão ingressando na fase da adolescência e moram em favelas numa Guatemala em estado de miserabilidade pela precária condição humana de sobrevivência.

Na viagem rumo ao México, os dois garotos e a garota travestida de menino conhecem o indiozinho da mesma faixa etária Chauk (Rodolfo Dominguez), da região de Chiapa, que não fala espanhol e se atrapalha com sua linguagem própria. Segue junto com o trio favelado e vão dar continuação à trajetória até os trilhos da ferrovia. É uma verdadeira aventura de nitroglicerina pura em diversos trens de cargas pelo desconforto apresentado e o risco iminente por onde passam, tendo que superar muitas peripécias nada agradáveis.

Surgem no caminho da fronteira com o México diversas adversidades como uma polícia truculenta que bate sem piedade, grupos de assaltantes fortemente armados, quadrilhas de sequestradores para buscarem resgates das famílias dos imigrantes clandestinos que caem facilmente nas armadilhas. A realidade é perversa e começa a ser mostrada para os jovens que terão que encarar uma dureza terrível para tentar ingressar sem visto de permanência num país como os EUA.

Há perdas pelo caminho do agora quarteto. Umas voluntárias e outras decorrentes do clima de violência de grupos beligerantes que buscam meninas para prostituição. É cruel a vida como mostra o diretor numa estética de beleza fotográfica fascinante, porém com uma crueza arrebatadora com os aventureiros na busca da imigração clandestina, tendo que se submeter a serem “mulas” para transportar drogas na travessia da fronteira, porém nem sempre há facilidades para suas vidas. É a lei do mais forte, como numa floresta infestada de animais selvagens devorando-se. Não há glamour para aqueles que sonham com o charme da nevasca de Los Angeles, mas sim uma odisseia disseminada de dissabores como uma escalada para o interior do inferno.

O cineasta retrata o contexto com a complexidade de um filme seco e duro, com alguns elementos pouco sutis dentro de uma violência clássica de cenas chocantes. São enfatizadas pela retumbante perda da dignidade humana, diante de um realismo cênico instigante em seu todo, o que não descaracteriza a proposta, pelo contrário, a eloquência torna-o profundo pela condução firme e sem firulas para demonstrar as sucessões de equívocos dos sonhadores com um mundo mágico. O constrangimento vem junto com uma insustentável humilhação e estão ali porque nada mais tem a perder, o que restou ainda ficou para trás há muito tempo naquelas favelas degradantes e características de um país pobre, sem programas de governo voltados para as populações carentes.

Quemada-Díez, afasta a violência gratuita e foca sua câmera para capar imagens virulentas de uma intolerância social pelas reações dos adolescentes de alma pura, com se vê na cena da galinha furtada, quando Juan sequer sabe matá-la e demonstra sentimento de compaixão para com o animal. La Jaula de Oro é monumental e arrasa pela contundência além da denúncia, insere-se como um filme de crítica social que passa pelo sonho e a perversidade latente, com desdobramentos explícitos das dificuldades financeiras pela falta de dinheiro e emprego, num sistema em que está presente a derrota iminente pela violência num ambiente hostil.

Comentários em São Paulo do diretor sobre a produção do filme:

Após a exibição do filme, o diretor espanhol participou de um agradável bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que trabalhou com Fernando Meirelles no longa-metragem O Jardineiro Fiel (2005); os figurantes dos trens são imigrantes reais e recebiam comida porque não tinham como a equipe de produção contratá-los formalmente; o quarteto de atores juvenis foram preparados para atuar, depois de uma rigorosa seleção de milhares de jovens, inclusive buscado nas favelas, sendo que hoje seguem suas vidas normais, já Karen Martinez é atriz de teatro e teve assassinado um parente próximo; os atores adolescentes deram muito de realidade nas cenas filmadas, foram preparados física e sensorialmente pela equipe de produção, demonstrando muita força de vontade e sonhos a serem realizados; o filme custou aproximadamente 2 milhões de dólares, mas teve incentivo do governo mexicano; trabalhou com mais de 600 imigrantes e que o filme foi baseado em alguns fatos reais, como da menina que cortou o cabelo para se parecer menino.

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