Outro filme que é uma grata surpresa e está disparado entre
os melhores da 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, com procedência do México, é
este incrível drama social La Jaula de Oro, do cineasta espanhol estreante
Diego Quemada-Díez, retratando a crise financeira da América Central, mais
especificamente a Guatemala, onde três adolescentes favelados partem
clandestinamente rumo aos Estados Unidos, em busca de vidas bem melhores do que aquelas que sempre tiveram, num ambiente de muita miséria e de abundância
de promiscuidade.
A trama apresenta um componente dramático e estrutural de tintas
fortes de uma aventura frustrada previamente anunciada que perturba o mais
distraído dos espectadores, numa fotografia de um país de derrotados, tendo
seus filhos imigrando para adquirir uma sonhada vida decente e com alguma
esperança de sobrevivência. Juan (Brandon López), Sara/Osvaldo (Karen Martinez)
e Samuel (Carlos Chajon) são na realidade três crianças que estão ingressando
na fase da adolescência e moram em favelas numa Guatemala em estado de
miserabilidade pela precária condição humana de sobrevivência.
Na viagem rumo ao México, os dois garotos e a garota
travestida de menino conhecem o indiozinho da mesma faixa etária Chauk (Rodolfo
Dominguez), da região de Chiapa, que não fala espanhol e se atrapalha com sua
linguagem própria. Segue junto com o trio favelado e vão dar continuação à trajetória
até os trilhos da ferrovia. É uma verdadeira aventura de nitroglicerina pura em
diversos trens de cargas pelo desconforto apresentado e o risco iminente por
onde passam, tendo que superar muitas peripécias nada agradáveis.
Surgem no caminho da fronteira com o México diversas
adversidades como uma polícia truculenta que bate sem piedade, grupos de
assaltantes fortemente armados, quadrilhas de sequestradores para buscarem resgates
das famílias dos imigrantes clandestinos que caem facilmente nas armadilhas. A
realidade é perversa e começa a ser mostrada para os jovens que terão que
encarar uma dureza terrível para tentar ingressar sem visto de permanência num
país como os EUA.
Há perdas pelo caminho do agora quarteto. Umas voluntárias e
outras decorrentes do clima de violência de grupos beligerantes que buscam
meninas para prostituição. É cruel a vida como mostra o diretor numa estética
de beleza fotográfica fascinante, porém com uma crueza arrebatadora com os aventureiros
na busca da imigração clandestina, tendo que se submeter a serem “mulas” para
transportar drogas na travessia da fronteira, porém nem sempre há facilidades para
suas vidas. É a lei do mais forte, como numa floresta infestada de animais
selvagens devorando-se. Não há glamour para aqueles que sonham com o charme da
nevasca de Los Angeles, mas sim uma odisseia disseminada de dissabores como uma
escalada para o interior do inferno.
O cineasta retrata o contexto com a complexidade de um filme
seco e duro, com alguns elementos pouco sutis dentro de uma violência clássica
de cenas chocantes. São enfatizadas pela retumbante perda da dignidade humana, diante
de um realismo cênico instigante em seu todo, o que não descaracteriza a
proposta, pelo contrário, a eloquência torna-o profundo pela condução firme e
sem firulas para demonstrar as sucessões de equívocos dos sonhadores com um
mundo mágico. O constrangimento vem junto com uma insustentável humilhação e estão
ali porque nada mais tem a perder, o que restou ainda ficou para trás há muito
tempo naquelas favelas degradantes e características de um país pobre, sem
programas de governo voltados para as populações carentes.
Quemada-Díez, afasta a violência gratuita e foca sua câmera
para capar imagens virulentas de uma intolerância social pelas reações dos
adolescentes de alma pura, com se vê na cena da galinha furtada, quando Juan
sequer sabe matá-la e demonstra sentimento de compaixão para com o animal. La
Jaula de Oro é monumental e arrasa pela contundência além
da denúncia, insere-se como um filme de crítica social que passa pelo sonho e a
perversidade latente, com desdobramentos explícitos das dificuldades
financeiras pela falta de dinheiro e emprego, num sistema em que está presente
a derrota iminente pela violência num ambiente hostil.
Comentários em São Paulo do diretor sobre
a produção do filme:
Após a exibição do filme, o diretor espanhol participou de
um agradável bate-papo com o público. Durante a conversa, o cineasta falou que trabalhou
com Fernando Meirelles no longa-metragem O
Jardineiro Fiel (2005); os figurantes dos trens são imigrantes reais e recebiam comida porque não tinham como a equipe de produção contratá-los formalmente; o quarteto de atores juvenis
foram preparados para atuar, depois de uma rigorosa seleção de milhares de
jovens, inclusive buscado nas favelas, sendo que hoje seguem suas vidas normais,
já Karen Martinez é atriz de teatro e teve assassinado um parente próximo; os
atores adolescentes deram muito de realidade nas cenas filmadas, foram
preparados física e sensorialmente pela equipe de produção, demonstrando muita
força de vontade e sonhos a serem realizados; o filme custou aproximadamente 2
milhões de dólares, mas teve incentivo do governo mexicano; trabalhou com mais
de 600 imigrantes e que o filme foi baseado em alguns fatos reais, como da
menina que cortou o cabelo para se parecer menino.
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