quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Gravidade


















À Deriva

Não há os urros do gorila com o osso na boca atirado ao ar pelos homens das cavernas até as imagens futurísticas que metamorfoseiam uma nave para a reflexão do isolamento espacial, na antológica cena ao som da valsa espacial Assim Falou Zaratustra, de Richard Strauss, na obra-prima de ficção científica 2001- Uma Odisseia no Espaço (1968), dirigida espetacularmente por Stanley Kublick, para um saboroso mergulho no futuro da humanidade. Não havia na época os recursos sofisticados do 3D que dão suporte ao filme Gravidade, do diretor mexicano Alfonso Cuarón, reconhecido pelas obras E Sua Mãe Também (2001) e os hollywoodianos Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) e Filhos da Esperança (2006), seu filme anterior.

Embora seja uma trama simples, Gravidade é um forte concorrente ao Oscar de 2014 e Hollywood aposta todas as fichas nesta obra ficcional muito superior a Avatar (2009), de James Cameron, mas bem aquém de Alien, O Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott; Solaris (1972), de Andrei Tarkovsky; Guerra nas Estrelas (1977), de George Lucas, bem como não está nem próximo de 2001.., de Kublick. O filme tem como roteiristas o próprio Cuarón e seu filho Jonás, para uma produção orçada em US$80 milhões assinada por David Heyman. Mesmo que não comprometendo no todo, há demasias por alguns equívocos que refogem da livre licença poética criativa e vão de encontro ao bom senso, tornando-se em absurdos espetaculosos memoráveis como a queda livre do espaço até o mar, com a pronta e intacta recuperação da personagem transformada em heroína, após uma odisseia pelo espaço sideral flutuando no universo de estrelas, planetas e meteoritos em transformações desencontradas.

A trama tem bons momentos cinematográficos e é um filme realizado para ser visto especialmente em 3D. Conta a história de uma dupla de astronautas numa operação rotineira no lado externo da nave mãe, onde os personagens trabalham e ao mesmo tempo se divertem muito, com boas tiradas irônicas e sutis nos diálogos do veterano, já prestes a se aposentar, Matt Kowalsky (George Clooney) com a neófita, ainda em fase de adaptação, doutora Ryan Stone (Sandra Bullock- na melhor interpretação de sua carreira). Porém, um grave incidente é provocado pelos russos e coloca o ônibus espacial à deriva, deixando a dupla atônita, através de um clima sufocante e com uma agonia quase sem fim transmitida ao espectador no desenrolar do longa-metragem. Há méritos inegáveis nesta fase indefinida da obra ficcional, provocando ansiedade e expectativa quanto ao futuro do casal completamente perdido na imensidão do espaço.

Um filme que busca reforçar a luta pela sobrevivência, como uma ode de valoração à vida, coloca o espectador dentro da nave em algumas cenas tensas, já em outras é visto fora e flutua na estratosfera cósmica, mas em outras acompanha o drama dos personagens pela visão lateral do capacete, com movimentos horizontais e verticais da câmara para causar vertigens. Fica assim evidente o ar rarefeito e seus efeitos que causam uma respiração ofegante em Stone, que repassa para a plateia angustiada e sufocada pela falta de oxigênio, afastando a mera contemplação.

Cuarón é um diretor que não abusa da pirotecnia, embora pudesse fazer uso desmedido da técnica tridimensional, está contido e busca o equilíbrio sem ser omisso, estando aí uma das grandes virtudes como realizador. Usa os efeitos especiais adequados dentro de uma atmosfera num universo planetário a ser fustigado pelo homem que quer descobrir o enigma das galáxias. Um filme onde o silêncio é quebrado apenas pela música de fundo vinda de muito longe, diante da sutil e comovente cena da protagonista ouvindo latidos de cachorros e crianças sendo embaladas por cânticos de ninar na plataforma chinesa, que surge como símbolo da salvação e da solidariedade aos americanos, contrastando com a perversidade dos eternos inimigos russos.

Eis um filme de ficção científica com reconhecidos méritos, mas que contém algumas cenas previsíveis como da ciência inabalável e indestrutível, diante da fé ardorosa de um povo que nasceu para vencer. Obviamente que não falta o heroísmo desbragado pela paixão nacionalista sem limites, numa louvação de enaltecimento desproporcional do patriotismo salvador para um encerramento decorrente de uma situação inverossímil que se torna realidade e base de esperança, principalmente para os estúdios de Hollywood e sua vocação para o vitimismo inicial e os atos heroicos espetaculares no epílogo, ressalvando-se o clímax narrativo aprimorado. Talvez aí o mérito maior de Cuarón com a tensão sendo mantida, intercalada com algum humor para descontrair, mostrando uma realidade falsa advinda da ficção.

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