Miss Violence
Outro filme que é uma grata surpresa, possivelmente o melhor
da 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, é este incrível drama familiar Miss Violence, do diretor Alexandros
Avranas em seu segundo longa-metragem, antes realizara Without (2008), retratando a crise europeia através de uma metáfora
sobre o patriarca (Themis Panou- impecável em sua atuação) que manda as
mulheres da casa se prostituírem, tendo como objetivo claro colocar a família
grega falando sobre sua sociedade desencantada e traumatizada com os duros
rumos de seu país. Venceu o Festival de Veneza com ator e direção. Segue na
mesma esteira crítica dos defeitos sociais demonstrados no outro filme grego, o badalado O Garoto que Come Alpiste (2013), do
estreante Ektoras Lygizos, um drama social com tintas fortes de tragédia que
perturba o mais distraído dos espectadores, numa fotografia de um país de
mortos-vivos e amplamente liquidado.
O cineasta retrata alegoricamente para caracterizar o contexto
formal de um filme seco e duro, com alguns elementos pouco sutis dentro de uma
violência extraordinária pelo extremo das cenas chocantes. São enfatizadas pela
retumbante perda da dignidade humana, diante de um realismo cênico nauseante de
estupros e assédio sexuais na obra em seu todo, o que não descaracteriza a
proposta, pelo contrário, a eloquência torna-o estupendo pela condução firme e
sem firulas para demonstrar as sucessões de fatos intrigantes naquela família
aparentemente serena, mas com um rombo na sua estrutura que está prestes a
desmoronar, pois é sustentada por pilares podres na figura metafórica do abjeto
patriarca.
O constrangimento vem junto com uma insustentável humilhação
e a vergonha é imensurável no seio familiar deturpado. Tudo começa na fatídica festa
de 11 anos de uma das netas, que pula da sacada e morre com um sorriso
angelical estampado no rosto. Polícia e assistência social tentam desvendar o
suicídio, mas encontram uma forte barreira para solucionar o intrincado caso. O
avô é o mentor da dissimulação, a mãe (Eleni Roussinou- além de bela e uma
ótima atriz) se submete por razões que não podem ser reveladas e a avó (Reni
Pittaki- sóbria e eficiente) passiva e repugnante até a explosão de raiva e
ódio. Todos escondem a verdade e o mistério ficará para ser solucionado no
inusitado e bombástico final.
Avranas afasta a violência gratuita e foca sua câmera parada
para capar as imagens virulentas de intolerância pelas reações com os
contumazes tapas nas caras contrastando com o silêncio das refeições
orquestrado pelo senhor todo poderoso e soberano, do alto de sua disciplina
rígida e ferrenha para com filha, mulher e netos. Segue uma linha clássica de
rigor formal ao melhor estilo de similitude e abrangência com A Fita Branca (2009), de Michael Haneke,
sobre fatos misteriosos que começam a acontecer entre os moradores pela conduta
autoritária e centralizadora do protagonista e seus problemas de
relacionamento, diante das crianças apresentadas como inocentes num ambiente de
hipocrisias e mentiras, numa caracterização como a do médico que se relaciona
com sua filha incestuosamente e que teria alguma responsabilidade na disputa
pelo pai; também há subsídios evidentes de Volver
(2005), de Pedro Almodóvar, aprofundado com sutileza o tema da pedofilia,
envolvendo pai, filha e neta num relacionamento de incesto; sem esquecer a
semelhança estética e o formalismo cênico de Luz Silenciosa (2007), de Carlos Reygadas.
Miss Violence é um
filme que arrasa pela perversidade latente e com os desdobramentos explícitos naquela
enigmática casa que não quer perder o auxílio da assistência do governo, uma
espécie de bolsa-família brasileira, diante das terríveis dificuldades
financeiras que assolam o país. As crianças são vistas com alguma inocência de
pureza, embora quando deslizam são castigadas com violência física e
psicológica, diante de uma educação ferrenha pelo medo e não do respeito, mantendo
a punição como um ritual de um celerado.
A conclusão do filme embora sugira uma solução, pode também
esconder os verdadeiros autores intelectuais da atrocidade. A hiprocrisia anda
solta e de mãos dadas com as frequentes mentiras e arranjos para obscurecer a
verdade que deve ficar completamente escondida das autoridades e do restante da
febril sociedade debilitada, diante do delírio enlouquecedor de uma situação
estática pelo pragmatismo de um suposto homem bom escondido atrás de uma moral
de bons costumes estereotipados, cria-se uma loucura mental combalida de uma
crise pela falta de dinheiro e emprego, sendo incluídos como base da culpa e da
prepotência num sistema em que estão presentes a derrota iminente pela
violência e a humilhação num ambiente hostil, atraindo a revolta e a vingança
pela mutilação nesta mini obra-prima.
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