terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Miss Violence)




Miss Violence

Outro filme que é uma grata surpresa, possivelmente o melhor da 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, é este incrível drama familiar Miss Violence, do diretor Alexandros Avranas em seu segundo longa-metragem, antes realizara Without (2008), retratando a crise europeia através de uma metáfora sobre o patriarca (Themis Panou- impecável em sua atuação) que manda as mulheres da casa se prostituírem, tendo como objetivo claro colocar a família grega falando sobre sua sociedade desencantada e traumatizada com os duros rumos de seu país. Venceu o Festival de Veneza com ator e direção. Segue na mesma esteira crítica dos defeitos sociais demonstrados no outro filme grego, o badalado O Garoto que Come Alpiste (2013), do estreante Ektoras Lygizos, um drama social com tintas fortes de tragédia que perturba o mais distraído dos espectadores, numa fotografia de um país de mortos-vivos e amplamente liquidado.

O cineasta retrata alegoricamente para caracterizar o contexto formal de um filme seco e duro, com alguns elementos pouco sutis dentro de uma violência extraordinária pelo extremo das cenas chocantes. São enfatizadas pela retumbante perda da dignidade humana, diante de um realismo cênico nauseante de estupros e assédio sexuais na obra em seu todo, o que não descaracteriza a proposta, pelo contrário, a eloquência torna-o estupendo pela condução firme e sem firulas para demonstrar as sucessões de fatos intrigantes naquela família aparentemente serena, mas com um rombo na sua estrutura que está prestes a desmoronar, pois é sustentada por pilares podres na figura metafórica do abjeto patriarca.

O constrangimento vem junto com uma insustentável humilhação e a vergonha é imensurável no seio familiar deturpado. Tudo começa na fatídica festa de 11 anos de uma das netas, que pula da sacada e morre com um sorriso angelical estampado no rosto. Polícia e assistência social tentam desvendar o suicídio, mas encontram uma forte barreira para solucionar o intrincado caso. O avô é o mentor da dissimulação, a mãe (Eleni Roussinou- além de bela e uma ótima atriz) se submete por razões que não podem ser reveladas e a avó (Reni Pittaki- sóbria e eficiente) passiva e repugnante até a explosão de raiva e ódio. Todos escondem a verdade e o mistério ficará para ser solucionado no inusitado e bombástico final.

Avranas afasta a violência gratuita e foca sua câmera parada para capar as imagens virulentas de intolerância pelas reações com os contumazes tapas nas caras contrastando com o silêncio das refeições orquestrado pelo senhor todo poderoso e soberano, do alto de sua disciplina rígida e ferrenha para com filha, mulher e netos. Segue uma linha clássica de rigor formal ao melhor estilo de similitude e abrangência com A Fita Branca (2009), de Michael Haneke, sobre fatos misteriosos que começam a acontecer entre os moradores pela conduta autoritária e centralizadora do protagonista e seus problemas de relacionamento, diante das crianças apresentadas como inocentes num ambiente de hipocrisias e mentiras, numa caracterização como a do médico que se relaciona com sua filha incestuosamente e que teria alguma responsabilidade na disputa pelo pai; também há subsídios evidentes de Volver (2005), de Pedro Almodóvar, aprofundado com sutileza o tema da pedofilia, envolvendo pai, filha e neta num relacionamento de incesto; sem esquecer a semelhança estética e o formalismo cênico de Luz Silenciosa (2007), de Carlos Reygadas.

Miss Violence é um filme que arrasa pela perversidade latente e com os desdobramentos explícitos naquela enigmática casa que não quer perder o auxílio da assistência do governo, uma espécie de bolsa-família brasileira, diante das terríveis dificuldades financeiras que assolam o país. As crianças são vistas com alguma inocência de pureza, embora quando deslizam são castigadas com violência física e psicológica, diante de uma educação ferrenha pelo medo e não do respeito, mantendo a punição como um ritual de um celerado.

A conclusão do filme embora sugira uma solução, pode também esconder os verdadeiros autores intelectuais da atrocidade. A hiprocrisia anda solta e de mãos dadas com as frequentes mentiras e arranjos para obscurecer a verdade que deve ficar completamente escondida das autoridades e do restante da febril sociedade debilitada, diante do delírio enlouquecedor de uma situação estática pelo pragmatismo de um suposto homem bom escondido atrás de uma moral de bons costumes estereotipados, cria-se uma loucura mental combalida de uma crise pela falta de dinheiro e emprego, sendo incluídos como base da culpa e da prepotência num sistema em que estão presentes a derrota iminente pela violência e a humilhação num ambiente hostil, atraindo a revolta e a vingança pela mutilação nesta mini obra-prima.

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