terça-feira, 22 de outubro de 2013

Mostra de Cinema São Paulo (Habi, A Estrangeira)















Habi, A Estrangeira

Vem da Argentina, em coprodução com o brasileiro Walter Salles, o drama familiar Habi, A Estrangeira, da cineasta estreante María Florencia Alvarez que também assina o roteiro. Foi bem recebido por público e crítica na 37ª. Mostra de Cinema de São Paulo, abordando essencialmente a busca da identidade de uma jovem interiorana, recém-saída da adolescência que se converte radicalmente pelo fascínio da pregação do islamismo, vivendo uma inusitada e assumida crise existencial de valores e rumos a serem seguidos.

As produções do país vizinho têm características muito peculiares como a sutileza e a sensibilidade. Nos temas discutidos há a busca da simplicidade, deixando os grandes cenários em segundo plano, dando-se mais importância para o roteiro e as conclusões filosóficas de vida e relações humanas tangenciadas pelo clima hostil ou pela solidariedade, como visto nas obras de Carlos Sorín com Histórias Mínimas (2002), O Cão (2004) e A Janela (2008); Pablo Trapero com Família Rodante (2004), Nascido e Criado (2006) e Abutres (2008); Lucrécia Martel com a obra-prima O Pântano (2001); Marcelo Piñeyro com o belíssimo Kamchatka (2002); Paula Hernández, com o comovente Chuva (2008), e outros tantos cineastas comprometidos com as coisas simples e belas da vida, muitas vezes invadidas ou perturbadas por problemas familiares, ou pela crise econômica que assolou o país vizinho e que ainda não se afastou totalmente.

María Florencia não chega a inovar e tem em Analia (Martina Juncadella- de ótima atuação e grata surpresa) deslocando-se do interior até Buenos Aires para entregar umas encomendas de sua mãe para clientes. Sua estada deveria ser rápida, pois os compromissos na sua cidade natal lhe aguardam, entre eles assumir o salão de beleza da família. Diante de um imprevisto na agenda de endereços, acaba por entrar numa comunidade muçulmana, logo se depara com rituais religiosos jamais vistos ou imaginados na sua cabeça. É presenteada pelos seguidores do islã com uma túnica, um mapa e uma receita estranha, tudo como se fosse uma mensagem repleta de mistérios para seu futuro ser mentalizado espiritualmente. A moça não hesita e assume uma identidade diferente, passando a se chamar Habi, ou Habiba, escolhido de um mural de avisos, para tentar descobrir os segredos e enigmas de uma nova personalidade de um mundo desconhecido.

A cineasta buscou numa mesquita muçulmana pessoas comuns que nunca foram atores, o que reforça o clímax e dá verossimilhança de realismo à narrativa, sendo que apenas dois são profissionais. É um filme sobre a busca da liberdade de uma garota de 20 anos que está enfastiada de sua vidinha provinciana e busca algo mais. Embora paradoxal, como afirma a diretora, a cultura islâmica pode ser vista como livre para a mulher nos seus propósitos de trilhar caminhos diferentes do habitual no cotidiano.

O drama é uma boa amostragem de personagens sofridos, como a prostituta sensível Marguerita (Maria Luisa Mendonça- está impecável e seu espanhol é corretíssimo) é oriunda do Brasil e torna-se amiga de Habi para chorar suas mágoas numa pensão de categoria de um prostíbulo de baixarias em que estão hospedadas, se vê envolvida por um homem que lhe bate e faz gato e sapato da coitada. A brasileira parece estar num outro planeta, pois seus dias são melancólicos e doloridos pela angústia da incerteza.

Habi, A Estrangeira é um longa-metragem instigante e tem méritos na pesquisa realizada por mais de seis anos nas mesquitas muçulmanas pela cineasta, uma dedicada e entusiasta sobre o tema religioso em questão. A abordagem da temática é aparentemente simples, porém interessante e nada convencional, se distingue pela originalidade de um roteiro enxuto e sem pirotecnias e nem panfletagens apelativas.

O equívoco da trama está na religião muçulmana criada por Alá e com seguidores fervorosos pelo Alcorão ser vista com complacência de um olhar de ternura pela realizadora, que demonstra admiração irrestrita pelos usos, costumes, tradição e fé nos templos islâmicos. Não há óbices e a reflexão é de pura aprovação pelos métodos aplicados como sendo inquestionáveis. Eis um filme argentino que não empolga pelo seu conteúdo de ausência de contestação, mas que possui uma técnica aprimorada pela narrativa consistente com enquadramentos de sequências de aproximação e alguns closes em harmonia, secundados por uma bonita fotografia, deixando esmaecer e desbotar no quarto e nas situações sem glamour para dar um realismo contundente.

Debate em São Paulo

Após a exibição do filme, a diretora María Florencia Alvarez participou de um bate-papo com o público. Durante a conversa, a cineasta falou que o construção da criação da identidade da protagonista esteve baseada em um fato conhecido em 1999, que desenvolveu por anos e chegou até a realização do roteiro; quanto a utilização da atriz brasileira Maria Luiza Mendonça foi por indicação de seu coprodudutor Walter Salles, em que esteve acertado para a personagem Marguerita; falou sobre os pais de Habi como sendo importantes, embora ocultos e que deram uma boa dimensão ao filme, mesmo sem se mostrarem explicitamente; buscou na cultura dos muçulmanos uma liberdade da protagonista e falou sobre o papel da mulher islâmica, ainda que possa parecer estranho para nós, mesmo sendo um paradoxo, são personagens reais da mesquita e não atores profissionais, exceto apenas dois deles.

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