Vem da Argentina, em coprodução com o brasileiro Walter
Salles, o drama familiar Habi, A
Estrangeira, da cineasta estreante María Florencia Alvarez que também
assina o roteiro. Foi bem recebido por público e crítica na 37ª. Mostra de
Cinema de São Paulo, abordando essencialmente a busca da identidade de uma
jovem interiorana, recém-saída da adolescência que se converte radicalmente pelo
fascínio da pregação do islamismo, vivendo uma inusitada e assumida crise
existencial de valores e rumos a serem seguidos.
As produções do país vizinho têm características muito
peculiares como a sutileza e a sensibilidade. Nos temas discutidos há a busca da simplicidade, deixando os grandes cenários em segundo plano,
dando-se mais importância para o roteiro e as conclusões filosóficas de vida e
relações humanas tangenciadas pelo clima hostil ou pela solidariedade, como
visto nas obras de Carlos Sorín com Histórias
Mínimas (2002), O Cão (2004) e A Janela (2008); Pablo Trapero com Família Rodante (2004), Nascido e Criado (2006) e Abutres (2008); Lucrécia Martel com a
obra-prima O Pântano (2001); Marcelo
Piñeyro com o belíssimo Kamchatka (2002);
Paula Hernández, com o comovente Chuva
(2008), e outros tantos cineastas comprometidos com as coisas simples e belas
da vida, muitas vezes invadidas ou perturbadas por problemas familiares, ou
pela crise econômica que assolou o país vizinho e que ainda não se afastou
totalmente.
María Florencia não chega a inovar e tem em Analia (Martina
Juncadella- de ótima atuação e grata surpresa) deslocando-se do interior até
Buenos Aires para entregar umas encomendas de sua mãe para clientes. Sua estada
deveria ser rápida, pois os compromissos na sua cidade natal lhe aguardam,
entre eles assumir o salão de beleza da família. Diante de um imprevisto na
agenda de endereços, acaba por entrar numa comunidade muçulmana, logo se depara
com rituais religiosos jamais vistos ou imaginados na sua cabeça. É presenteada
pelos seguidores do islã com uma túnica, um mapa e uma receita estranha, tudo
como se fosse uma mensagem repleta de mistérios para seu futuro ser mentalizado
espiritualmente. A moça não hesita e assume uma identidade diferente, passando
a se chamar Habi, ou Habiba, escolhido de um mural de avisos, para tentar
descobrir os segredos e enigmas de uma nova personalidade de um mundo
desconhecido.
A cineasta buscou numa mesquita muçulmana pessoas comuns que
nunca foram atores, o que reforça o clímax e dá verossimilhança de realismo à
narrativa, sendo que apenas dois são profissionais. É um filme sobre a busca da
liberdade de uma garota de 20 anos que está enfastiada de sua vidinha
provinciana e busca algo mais. Embora paradoxal, como afirma a diretora, a
cultura islâmica pode ser vista como livre para a mulher nos seus propósitos de
trilhar caminhos diferentes do habitual no cotidiano.
O drama é uma boa amostragem de personagens sofridos, como a
prostituta sensível Marguerita (Maria Luisa Mendonça- está impecável e seu
espanhol é corretíssimo) é oriunda do Brasil e torna-se amiga de Habi para
chorar suas mágoas numa pensão de categoria de um prostíbulo de baixarias em
que estão hospedadas, se vê envolvida por um homem que lhe bate e faz gato e
sapato da coitada. A brasileira parece estar num outro planeta, pois seus dias
são melancólicos e doloridos pela angústia da incerteza.
Habi, A Estrangeira é
um longa-metragem instigante e tem méritos na pesquisa realizada por mais de
seis anos nas mesquitas muçulmanas pela cineasta, uma dedicada e entusiasta
sobre o tema religioso em
questão. A abordagem da temática é aparentemente simples,
porém interessante e nada convencional, se distingue pela originalidade de um
roteiro enxuto e sem pirotecnias e nem panfletagens apelativas.
O equívoco da trama está na religião muçulmana criada por
Alá e com seguidores fervorosos pelo Alcorão ser vista com complacência de um
olhar de ternura pela realizadora, que demonstra admiração irrestrita pelos
usos, costumes, tradição e fé nos templos islâmicos. Não há óbices e a reflexão
é de pura aprovação pelos métodos aplicados como sendo inquestionáveis. Eis um
filme argentino que não empolga pelo seu conteúdo de ausência de contestação,
mas que possui uma técnica aprimorada pela narrativa consistente com enquadramentos
de sequências de aproximação e alguns closes em harmonia, secundados por uma
bonita fotografia, deixando esmaecer e desbotar no quarto e nas situações sem
glamour para dar um realismo contundente.
Debate em São Paulo
Após a exibição do filme, a diretora María Florencia Alvarez
participou de um bate-papo com o público. Durante a conversa, a cineasta falou
que o construção da criação da identidade da protagonista esteve baseada em um
fato conhecido em 1999, que desenvolveu por anos e chegou até a realização do
roteiro; quanto a utilização da atriz brasileira Maria Luiza Mendonça foi por
indicação de seu coprodudutor Walter Salles, em que esteve acertado para a
personagem Marguerita; falou sobre os pais de Habi como sendo importantes,
embora ocultos e que deram uma boa dimensão ao filme, mesmo sem se mostrarem
explicitamente; buscou na cultura dos muçulmanos uma liberdade da protagonista
e falou sobre o papel da mulher islâmica, ainda que possa parecer estranho para
nós, mesmo sendo um paradoxo, são personagens reais da mesquita e não atores
profissionais, exceto apenas dois deles.
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