quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Mother - A Busca pela Verdade















Civilização e Seus Demônios

O diretor coreano Bong Joon-ho já havia surpreendido com O Hospedeiro (2006), tratando seus monstros com seriedade numa dita civilização dos homens, tendo por cenário a beira do rio Han poluído ao extremo. Lá, uma família dona de uma barraca de comidas no parque é aterrorizada por um animal monstruoso que emerge do fundo do rio e leva a neta do patriarca. São abordadas as relações dos filhos e pais, sendo o mais velho um imaturo homem de 40 anos, a filha do meio é uma arqueira olímpica do time da Coreia do Sul e o caçula está desempregado. Mesmo sendo cuidada pelos tios e o avô, acontece a desgraça naquelas águas parecidas com um pântano de sujeira. Os monstros se confundem com os civilizados e os demônios são exorcizados no extraordinário longa que consagrou definitivamente Joon-ho.

Seu penúltimo filme é o episódio Shaking Tokio, dentro do longa Tóquio (2008), onde dividiu espaço com Michel Gondry e Leos Carax. Talvez um dos mais melancólicos e devastadores relatos de solidão humana contado no cinema, onde um rapaz está enclausurado em sua própria casa há mais de 10 anos, isolado do mundo e das pessoas, exceto quando recebe o entregador de pizzas. Conhece uma moça pela tele-entrega, num dia de terremoto que assola a cidade, que também ingressa no mundo claustrofóbico de distanciamento com o ser humano. A corrida louca do jovem pelas ruas de Tóquio completamente vazias se contrapõe com imagens coloridas e esquizofrênicas, ainda há tempo para um possível e enigmático relacionamento de uma paixão que por si só poderá romper com as amarras da doença contagiante das vidas solitárias e sem perspectivas numa cidade futurista e fria.

Joon-ho já demonstrara em seu primeiro filme aqui no Brasil, Memórias de um Assassino (2003), que o convencionalismo não faz parte de seu currículo, ao brincar com o público espectador, pois uma jovem brutalmente assassinada num lugar convence a polícia tratar-se de um serial killer, mas os fatos se repetem em outras localidades, deixando aturdidos os detetives, começa então um investigação minuciosa e interessante, demonstrando influência forte do mestre Alfred Hitchcock.

Agora, em Mother- A Busca pela Verdade, sua influência hitchcockiana aflora com mais intensidade e seu talento se espraia com qualidade invulgar, ao aproximar o realismo do fantástico e desqualificar o possível culpado, buscando no jogo de valores sua visão crítica. A cena inicial mostra esta mãe caminhando dentro de um campo de trigo e em seguida dança uma música, fazendo gestos tresloucados e enigmáticos, cena esta que terá a extensão no epílogo, porém agora o espectador já estará mais familiarizado com o cineasta e sua proposta, poderá então fazer suas observações e conclusões desta senhora de cabelos grisalhos que busca freneticamente provar a inocência do filho deficiente mental, mas chamado com prazer pela comunidade de retardado.

O instinto de defesa chega de maneira obsessiva e leva aquela mãe às raias da consciente loucura, buscando uma verdade irreal que está petrificada em sua mente e consciência, o processo civilizatório se brutaliza e os atos são todos convergidos para a inocência do rapaz, acusado de um crime bárbaro, logo após seguir aquela menina indefesa na saída de um bar noturno. Tudo é álibi, mesmo que isso recaia sobre possíveis inocentes com cara de culpados, como até mesmo o melhor amigo do filho preso. O catador de lixo é visto como algoz e paga caro por saber demais, ainda que um defensor da natureza com sua recliclagem, contrapondo com o processo de destruição já invocado no longa O Hospedeiro. A mãe, com aquele olho monstruoso, ao espiar o amigo no quarto se relacionando com uma garota, se revela como a extensão da continuidade do monstro do rio.

Os animais selvagens e irracionais de Joon-ho são bem identificados e estão entre aqueles que destroem e brutalizam o processo civilizatório da humanidade. Este diretor irrequieto, embora conduza sua filmografia pela violência não gratuita, quer sacudir e mostrar quem são os incivilizados e monstruosos de nosso planeta, assim como já o fizera em O Hospedeiro, como coloca de forma magistral toda sua angústia e a dor da solidão de uma metrópole desvairada em Tóquio. Difícil é ficar impassível com Joon-ho, pois ele tem a veia e o condão de perturbar seu espectador, criticando a preguiça da polícia e a inércia do advogado desleixado com olhos voltados para a luxúria neste magnífico Mother- A Busca pela Verdade.

A sociedade coreana serve de ponto de partida para sua contundência crítica, nada fica estático, tudo se move para a ilicitude, como os "bons velhinhos" que jogam golfe num belo campo com plácidas árvores que escondem suas maneiras desumanas, logo após o atropelamento com a fuga sem socorro daquele retardado, sem um mínimo de compaixão dos corretos cidadãos aristocráticos cansados de uma longa jornada de trabalho, ou quem sabe, de viver sem solidariedade. A reflexão é proposta e os monstros se multiplicam nos filmes de Joon-ho, à espera da conscientização oprimida pela repressão de valores que aguardam a absorção, como metáfora de uma civilização doente.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Nine



Homenagem ao Cinema Italiano

O filme Nine é uma homenagem satisfatória, através de um musical costumeiro, ao cinema italiano e seu grande estúdio Cinecittá, que teve a pedra fundamental lançada por Benito Mussolini em 1936 e inaugurado no ano seguinte. Teve seu apogeu com os filmes épicos Quo Vadis (1951) e Ben-Hur (1959), sendo a década de ouro deste país. A Cinecittá atualmente está dando 25% de desconto nos impostos cobrados pelo governo como incentivo fiscal, para produções estrangeiras acima de 7 milhões de dólares, visando atrair outros países a realizarem seus filmes no mercado italiano, como forma de acelerar e resgatar aquela que foi uma marca e orgulho dos italianos.

O diretor Bob Marshall que já fizera o bom musical Chicago (2002), levando para a tela um espetáculo da Broadway, assim como uma espécie de continuidade ao estupendo trabalho de Bob Fosse com Cabaret (1972), busca inspiração para Nine em 8 1/2 (1963), de Federico Fellini. A comparação é desigual, pois a obra-prima de Fellini é inevitável, mas ainda assim deixa satisfeita a plateia, com um gostinho amargo das diabruras do velho mestre.

Guido é o alter ego de Fellini, em 8 1/2, com o incomparável Marcelo Mastroianni, agora vivido pelo estupendo ator britânico Daniel Day-Lewis que arrasa em Nine, como o diretor envolvido pelos seus amores e a falta de inspiração ocasional. Luta tenazmente na busca do equilíbrio entre aquelas várias personagens maravilhosas que o deixam fora da realidade. Seus sonhos e devaneios são refletidos numa entrevista afirmando que um filme quando se explica está se matando parte dele. As neuroses e lembranças da infância estão presentes, deixando-o perturbado e atemorizado com o passado em que era espancado pela mãe, vindo à tona o amor edipiano que traz e revela como a única mulher correta e de amor sincero sua algoz.

Se Penélope Cruz está em conflito como ora contida e quase vulgar amante ardente, papel vivido por Sandra Milo em 8 1/2; já a diva vivida por Nicole Kidman decepciona e não consegue reeditar Cláudia Cardinale no auge da beleza esplendorosa com Fellini; mas como a mãe está Sophia Loren reeditando o papel que foi de Giuditta Rissone, esta sim bem a mais vontade que a veterana Sophia, já acusando o peso da idade, parece inibida e distante; como a jornalista da Revista Vogue aparece Kate Hudson cantando e dando vida a seu papel, o que não acontecia no filme de Fellini; como a prostituta que é a primeira paixão do menino Guido está Fergie, estrelado por Eddra Gale no filme de Fellini; como a figurinista e confidente em atuação exemplar está Judi Dench; porém quem dá o tom e está magnífica como a esposa ciumenta que atormenta os pensamentos de Guido é a estonteante Marion Cotillard, ganhadora do Oscar de 2008, de melhor atriz como Piaf. Sua atuação é irretocável e sua beleza aliada ao seu talento acabam por anestesiar as demais estrelas da constelação de mulheres lindas que desfilam em Nine. Anouk Aimée que fora a esposa no longa de Fellini, acaba ficando em segundo plano depois desta representação singular de Marion.

O musical é um gênero complicado e difícil de colocar e passar com gosto para o espectador, nem sempre fica no ponto certo. Comparações são inevitáveis e lembranças de grandes películas deste gênero pululam, mas poucos ficaram como inesquecíveis. Dá para citar O Mágico de Oz (1939), na brilhante interpretação de Judy Garland; Gene Kelly todo encharcado e dançando pelas ruelas na obra-prima Cantando na Chuva (1951); Evita (1996), interpretado por Madonna também teve sua valiosa contribuição com tintas políticas para os musicais com a direção de Alan Parker; assim como o antológico Hair (1979), de Milos Forman, mostrando um jovem rapaz do interior recrutado para a Guerra do Vietnã, acaba por conhecer um grupo de hippies e aprende os absurdos da guerra, numa crítica poderosa à violência e ao belicismo militar americano, que causou furor na época, neste que talvez esteja entre os três maiores musicais da história do cinema.

Nine traz a o resgate da Cineccitá nesta refilmagem em outro gênero de 8 1/2, embora com alguma luz própria, Marshall homenageia o espetáculo musical, bem como Fellini o grande representante do cinema italiano. Seu filme é bom, não é grandioso, com um orçamento de US$ 80 milhões, poderia ter feito algo bem melhor. Não entra para a galeria dos grandes musicais, como também não decepciona, embora se deixe levar por alguns clichês românticos batidos, tenta evitar a mesmice, parece conseguir com muita força e dignidade. Talvez a falta de inspiração do personagem Guido dentro do filme tenha contagiado Marshall, ficando na periferia sem aprofundar-se como fez Milos Forman e Alan Parker.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Lula, O Filho do Brasil



Contrariedades Sobre Lula

O diretor Fábio Barreto nunca foi um grande artesão, pois tem em sua biografia desastres monumentais como A Paixão de Jacobina (2002), Bela Donna (1997) e A Nossa Senhora do Caravaggio (2007), entre alguns dos tantos. Já fez um bom longa que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro O Quatrilho (1994), com a sempre ótima Glória Pires, que desta vez encarna a impagável dona Lindu, mãe do presidente Lula, com suas frases de efeito em repetitivos clichês da sabedoria popular num estilo autoajuda, tais como: "A rapadura é doce, mas não é mole não" ou ainda "devagar com o andor que o santo é de barro ", neste polêmico filme Lula, O Filho do Brasil, que não é nenhum desastre, porém está longe de uma produção de grande qualidade.

A película começa num estilo semelhante a Dois Filhos de Francisco (2005), de Breno Silveira, contando toda as dificuldades deste interior do Brasil, mais especificamente em Garanhuns, no sertão de Pernambuco, sobre a saga da mãe pobre que fica com um lote de filhos enquanto o marido vai se aventurar em Santos, São Paulo. Sua ida é meio forçada e graças a um dos filhos que mais tarde irá conduzir Lula para a política brasileira através do sindicato dos metalúrgicos.

Há falhas no filme, como a interpretação do bom ator Rui Ricardo Dias que apresenta a língua presa no início do longa, mas depois esquece e a língua se solta com naturalidade, na fase de Lula já barbudo e envolvido nos grandes comícios e sua luta contra a temível polícia repressora de São Paulo, naqueles "anos de chumbo". Falha de direção, diante da descontinuidade de um personagem que fica estereotipado.

Barreto tenta se aproximar do filme político, após abandonar a ideia de Dois Filhos de Francisco, tentando ingressar na seara do protesto como feita de forma esplendorosa pelo diretor Roberto Farias em Pra Frente, Brasil (1983), onde o futebol anestesiava o povo com a conquista da Copa de 70, enquanto isso os presos políticos eram torturados barbaramente no interior das celas ao som dos gols de Pelé, Tostão, Jairzinho & Cia. Obviamente que os atletas nada tinham com isso, eles estavam apenas defendendo a pátria de chuteiras, chavão este criado pelo notável dramaturgo Nelson Rodrigues.

Lula, O Filho do Brasil não consegue desenvolver e ter a contundência do filme do Roberto Farias, este sim, com luz própria e um talento acima da média. Tenta timidamente, quando da prisão de Lula, mas não avança e fica na superfície. Pra Frente, Brasil aborda um trabalhador confundido com um ativista político, por isso é torturado ao extremo, em desempenho elogiável de Reginaldo Farias, mas Barreto parece querer se livrar logo do cenário político, deixando Lula solto num roteiro percorrido como se fosse de um documentário, ao se aproximar o epílogo.

Proposital ou não, fica a sensação que Lula teve em Lurdes (Cleo Pires) seu grande, verdadeiro e único amor. O mundo girava em torno dela e do primeiro filho e desmoronou com sua morte prematura. Já a primeira dama Marisa Letícia, interpretada por Juliana Baroni, está deslocada e sua participação é pífia e insossa, não há uma interação com seu amado, fica algo de fútil numa aproximação simplória, assim como a frágil professorinha (Lucelia Santos) que aparece e some por decreto. Outro personagem estereotipado é o pai de Lula (Milhem Cortaz), com suas bravatas e porres homéricos desfila como um troglodita inveterado, está amplamente demonizado e caracterizado como um selvagem, contrastando com a candura, a leveza e a simbólica beatificação de dona Lindu, sem nenhum reparo ou equívoco na educação dos filhos e na grandeza de vida. Exageros à parte, até na morte partiu como uma santa.

Talvez o maior equívoco da produção fosse os patrocínios de empresas construtoras e de operadoras de telefones. Sempre houve alguma desconfiança no Governo Lula destes segmentos da sociedade, inclusive com denúncias em revistas semanais, o que causa um desconforto em época de eleição, retirando a isenção do longa, assim como o lançamento em ano de campanha eleitoral causa uma sensação de propaganda, porém se depender do filme, não irá acontecer, até pelo decepção na bilheteria, pois era esperado um público de 12 milhões de espectdores e, até agora, se chegou em apenas 800 mil.

Restou do longa um Lula persuasivo, insistente e galanteador com suas namoradas, buscando sempre a aproximação no sindicato e propício para a conciliação. Frio na morte do pai e abalado pela perda da mãe. Uma tentativa tímida de mostrar um país em convulsão pelas greves dos metalúrgicos. Lula poderia ser mais de carne e osso, assim como dona Lindu, pois não afloram defeitos como seres humanos, deixando todos os malefícios demoníacos para tenebroso pai, que sequer teve analisado seu alcoolismo pelas causas e depois consequências.

O longa, se não é de todo inconsequente, tem alguns méritos razoáveis como ao menos a tentativa de mostrar uma época em ebulição e neurotizada pelos caçadores de comunistas, a perseguição implacável aos trabalhadores sindicalizados e a retirada do cenário de lideranças do comando de greve ou que pudessem parar as fábricas automotivas. Houve um exacerbado ideologismo que confundiu e minou parte da crítica a aderir aos detratores e opositores travestidos de imparciais, razão pela qual fulminou-se o filme, desconhecendo-se ou ignorando-se a existência de um contexto sócio-político de um regime de exceção.