quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Nine



Homenagem ao Cinema Italiano

O filme Nine é uma homenagem satisfatória, através de um musical costumeiro, ao cinema italiano e seu grande estúdio Cinecittá, que teve a pedra fundamental lançada por Benito Mussolini em 1936 e inaugurado no ano seguinte. Teve seu apogeu com os filmes épicos Quo Vadis (1951) e Ben-Hur (1959), sendo a década de ouro deste país. A Cinecittá atualmente está dando 25% de desconto nos impostos cobrados pelo governo como incentivo fiscal, para produções estrangeiras acima de 7 milhões de dólares, visando atrair outros países a realizarem seus filmes no mercado italiano, como forma de acelerar e resgatar aquela que foi uma marca e orgulho dos italianos.

O diretor Bob Marshall que já fizera o bom musical Chicago (2002), levando para a tela um espetáculo da Broadway, assim como uma espécie de continuidade ao estupendo trabalho de Bob Fosse com Cabaret (1972), busca inspiração para Nine em 8 1/2 (1963), de Federico Fellini. A comparação é desigual, pois a obra-prima de Fellini é inevitável, mas ainda assim deixa satisfeita a plateia, com um gostinho amargo das diabruras do velho mestre.

Guido é o alter ego de Fellini, em 8 1/2, com o incomparável Marcelo Mastroianni, agora vivido pelo estupendo ator britânico Daniel Day-Lewis que arrasa em Nine, como o diretor envolvido pelos seus amores e a falta de inspiração ocasional. Luta tenazmente na busca do equilíbrio entre aquelas várias personagens maravilhosas que o deixam fora da realidade. Seus sonhos e devaneios são refletidos numa entrevista afirmando que um filme quando se explica está se matando parte dele. As neuroses e lembranças da infância estão presentes, deixando-o perturbado e atemorizado com o passado em que era espancado pela mãe, vindo à tona o amor edipiano que traz e revela como a única mulher correta e de amor sincero sua algoz.

Se Penélope Cruz está em conflito como ora contida e quase vulgar amante ardente, papel vivido por Sandra Milo em 8 1/2; já a diva vivida por Nicole Kidman decepciona e não consegue reeditar Cláudia Cardinale no auge da beleza esplendorosa com Fellini; mas como a mãe está Sophia Loren reeditando o papel que foi de Giuditta Rissone, esta sim bem a mais vontade que a veterana Sophia, já acusando o peso da idade, parece inibida e distante; como a jornalista da Revista Vogue aparece Kate Hudson cantando e dando vida a seu papel, o que não acontecia no filme de Fellini; como a prostituta que é a primeira paixão do menino Guido está Fergie, estrelado por Eddra Gale no filme de Fellini; como a figurinista e confidente em atuação exemplar está Judi Dench; porém quem dá o tom e está magnífica como a esposa ciumenta que atormenta os pensamentos de Guido é a estonteante Marion Cotillard, ganhadora do Oscar de 2008, de melhor atriz como Piaf. Sua atuação é irretocável e sua beleza aliada ao seu talento acabam por anestesiar as demais estrelas da constelação de mulheres lindas que desfilam em Nine. Anouk Aimée que fora a esposa no longa de Fellini, acaba ficando em segundo plano depois desta representação singular de Marion.

O musical é um gênero complicado e difícil de colocar e passar com gosto para o espectador, nem sempre fica no ponto certo. Comparações são inevitáveis e lembranças de grandes películas deste gênero pululam, mas poucos ficaram como inesquecíveis. Dá para citar O Mágico de Oz (1939), na brilhante interpretação de Judy Garland; Gene Kelly todo encharcado e dançando pelas ruelas na obra-prima Cantando na Chuva (1951); Evita (1996), interpretado por Madonna também teve sua valiosa contribuição com tintas políticas para os musicais com a direção de Alan Parker; assim como o antológico Hair (1979), de Milos Forman, mostrando um jovem rapaz do interior recrutado para a Guerra do Vietnã, acaba por conhecer um grupo de hippies e aprende os absurdos da guerra, numa crítica poderosa à violência e ao belicismo militar americano, que causou furor na época, neste que talvez esteja entre os três maiores musicais da história do cinema.

Nine traz a o resgate da Cineccitá nesta refilmagem em outro gênero de 8 1/2, embora com alguma luz própria, Marshall homenageia o espetáculo musical, bem como Fellini o grande representante do cinema italiano. Seu filme é bom, não é grandioso, com um orçamento de US$ 80 milhões, poderia ter feito algo bem melhor. Não entra para a galeria dos grandes musicais, como também não decepciona, embora se deixe levar por alguns clichês românticos batidos, tenta evitar a mesmice, parece conseguir com muita força e dignidade. Talvez a falta de inspiração do personagem Guido dentro do filme tenha contagiado Marshall, ficando na periferia sem aprofundar-se como fez Milos Forman e Alan Parker.

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