quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

London River- Destinos Cruzados



Diferenças Étnicas e Religiosas

O diretor franco-argelino Rachid Bouchareb é um cineasta voltado para os preconceitos étnicos dentro dos países europeus, especialmente França e Inglaterra, onde ele tem realizado suas películas doloridas e questionadoras, abordando as diferenças raciais, os conflitos religiosos e a independência dos povos massacrados pelo imperialismos dos mais fortes e donos de um poder econômico que suplanta as camadas menos abastadas.

A trajetória de Bouchareb tem como marco o notável longa-metragem Dias de Glória (2006), ao abordar em 1943, a saga de milhares de soldados das colônias francesas na África irem lutar na Europa na 2ª Guerra Mundial e ajudar a libertar uma pátria-mãe na qual nunca antes haviam estado, lidando com o preconceito existente ao mesmo tempo em que lutam pela vitória da França. Já Fora da Lei (2010), debruça-se sobre os problemas enfrentados pelos descendentes da Argélia para conquistarem sua independência da França, acontecendo somente em 1962, depois de um banho de sangue, onde morreram milhares de inocentes, tanto argelinos como franceses. Abre feridas e toca em questões cruciais como a luta pela independência da Argélia dentro da França e a existência de guerrilhas francesas estimuladas por suas autoridades, onde a história se sobrepõe as barbáries e agressões explícitas apresentados de maneira nua e crua, sem abusar da violência gratuita. A luta dos povos africanos colonizados, saturados e cansados de serem humilhados pelas suas colônias imperiais, começaram a dar um basta, tendo a Argélia despontada como uma das primeiras a se rebelar, tem a dignidade e o orgulho deste cineasta em colocar com toda contundência neste filme universal e maior.

Agora Bouchareb lança seu último longa London River- Destinos Cruzados, tendo por mote os pais à procura de seus filhos desaparecidos na capital Londres incendiada, numa Inglaterra de diferenças multiétnicas, porém efervescente por atos terroristas com dezenas de mortes em atentados, num filme silencioso e que tem na busca incessante de dois jovens enamorados sumidos num certo dia de julho de 2005. Percebe-se a inspiração no longa iraniano O Caçador (2010), de Rafi Pitts, bem como avança na xenofobia e abordagem extraordinária em Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret e o não menos apreciável e devastador O Visitante (2007), de Tom McCarthy. Mas também encontra similitude pela aproximação religiosa cristã com muçulmano e ataques terroristas no belíssimo Hadewijch (2009), de Bruno Dumont

A obstinada procura e o desespero daqueles pais, sendo que Elisabeth (Brenda Blethyn, melhor atriz em Cannes por Segredos e Mentiras (1996), em mais uma notável atuação), é uma mãe viúva que toca uma pequena propriedade rural numa ilha inglesa; o outro é o técnico ambiental Ousmane (Sotigui Kouyaté, em grande desempenho, vindo a falecer em abril de 2010, aos 73 anos, vencendo antes em fevereiro, como melhor ator no Festival de Berlim), um pai que vive na França, mas originário de um país distante da África. Nenhum dos pais sabiam o que realmente faziam seus filhos em Londres. Prova cabal do desconhecimento e ausência paterna. As cenas vão mostrando e plasmando uma evidência, tendo Ousmane visto seu filho pela última vez na África, quando ainda era criança, como confessa em tom culposo. Elisabeth admite que perdeu o contato com sua filha, mesmo deixando recados e mensagens suplicantes no celular, a falta do retorno é a indicação da perda do vínculo familiar.

A angústia avança e os dias conduzem para um pessimismo realista do bem maior que são seus filhos. A polícia não tem resposta concreta para aquelas criaturas que aos poucos vão deixando as diferenças de lado e os preconceitos para trás, especialmente Elisabeth, uma inglesa que simboliza todo o racismo e diferenças éticas estampados e deflagrados nas atitudes e palavras jocosas para com Ousmane, aquele africano pobre e pai do namorado de sua filha. Cria-se uma amizade entre os pais que acabam dormindo, como bons amigos, no mesmo apartamento que abrigara o casal desaparecido. Há o respeito de seus espaços e dos dias melancólicos que vão se passando com a velocidade da dúvida e da esperança perdida, após as peregrinações por hospitais e necrotérios, reduzindo as diferenças religiosas e unindo-os pela fé.

Apesar de não ser o que de melhor realizou Bouchareb, tendo em vista que Fora da Lei, sua obra-prima, que deve estrear no Brasil neste verão, e que passou recentemente na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e o magnífico Dias de Glória; fica o legado e a proposta sensível e sutil deste cineasta das indiferenças e preconceitos, neste bom longa-metragem London River- Destinos Cruzados, que tem emoções dentro da razoabilidade, nunca fora de ponto, afasta a pieguice com classe, deixando uma boa reflexão para os defensores da xenofobia.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Os 10 Melhores Filmes do Ano



Como é final de ano e todos os críticos estão com suas listas de melhores filmes vistos em 2010, também estou elencando o que se viu e ficou marcado como os 10 Mais e ainda 05 Menções Honrosas. Segue em ordem de preferência:

01. O Segredo dos Seus Olhos (foto acima), de Juan José Campanella;

02. A Origem, de Christopher Nolan;

03. Um Homem que Grita, de Mahamat-Saleh Haroun;

04. Vincere, de Marco Bellocchio;

05. Tropa de Elite 2, de José Padilha;

06. A Fita Branca, de Michael Haneke;

07. Film Socialisme, de Jean-Luc Godard;

08. O Escritor Fantasma, de Roman Polanski;

09. As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzsky;

10. Mother- A Busca pela Verdade, de Bong Joon-ho.

Dos que não conseguiram constar nos 10 Mais, listamos algumas menções honrosas, que só não entraram por absoluta falta de espaço, tais como:


- À Prova de Morte, de Quentin Tarantino;
- Coração Louco, de Scott Cooper;
- Mademoiselle Chambon, de Philippe Lioret;
- Não, Minha Filha, Você Não Irá Dançar, de Christophe Honoré;
- Tudo Pode dar Certo, de Woody Allen.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A Rede Social



Rede Controvertida

A criação do website Facebook é o núcleo da trama, ao mostrar toda confusa, controvertida e renhida disputa judicial de uma das redes mais famosas do mundo, propiciando este fenômeno de bilheteria A Rede Social. Surge, então, toda a genialidade criativa daquele aluno da faculdade de computação de Harward, o nerd Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg, em atuação impecável e convincente, falando por compulsão como se estivesse programado por um computador). A direção é do emergente cineasta americano David Fincher, o mesmo do muito bom Clube da Luta (1999) e do discutível O Curioso Caso de Benjamin Button (2008). O longa foi baseado com adaptação livre do livro Bilionários por Acaso- A Criação do Facebook, de Bem Mezrich.

O drama repete incessantemente a fala do obstinado fundador Zuckerberg "nunca estará pronto, vai estar sempre crescendo", como seu lema de vida, logo após ter tomado um porre monumental pela perda da namorada, começa a se dedicar em sites de relacionamentos de intrigas e fofocas de colegas da universidade, colocando on-line as estrepolias de seus pares e as orgias eram jogadas nas telas sem pudor ou qualquer tipo de precaução, com truques realizados para atingir e ferir, não importando quem fosse o alvo.

Os gêmeos remadores Winklevoss (Josh Pence e Armie Hammer), embora estivessem sempre treinando nas belas águas do rio, pressentindo ali uma mina de ouro, trataram de se aproximar do nerd e deram a ideia da fundação de algo mais contundente como um site universal, supostamente os idealizadores do Facebook. Entra em cena em seguida o jovem brasileiro criado em Miami Eduardo Saverin (Andrew Garfield), como o administrador, pois sua formação é economia, vindo a alegar no judiciário ser o cofundador, pois seria também parceiro de Zuckerberg na empreitada. Mas tem ainda o cofundador do site de músicas Napster, o irreverente e mulherengo Sean Parker (o cantor popstar Justin Timberlake).

A Rede Social é um filme de estrutura simples e um ritmo acelerado, tendo na batalha judicial do brasileiro Saverin o fio condutor para trazer em flashbacks as negociações, armadilhas e disputas ferrenhas para a criação deste famoso website, tendo cadastrado mais de 500 milhões de usuários e um patrimônio avaliado em 25 bilhões de dólares, por isso as artimanhas e filigranas jurídicas são conduzidas em grande parte da película ao extremo, pois as amizades e as parcerias vão dando lugar para o ódio e o rancor daqueles garotos outrora amigos e colegas, todos estudantes de um universidade classe média alta.

O proprietário do Facebook é seguramente o jovem mais rico do mundo na atualidade e já é comparado ao bilionário Bill Gates dono da Microsoft. Não mede esforços e a ética fica para trás, parecendo que a frieza e seu estilo compenetrado e sério, com uma risada nervosa, pouco se importando para as consequências nefastas que vier a acontecer. Não tem escrúpulos e o pragmatismo é sua arma principal. Se tiver que tirar alguém de seu convívio, caso esteja dificultando seus negócios, faz qualquer coisa, até uma armação para a polícia invadir determinado local, onde rola uma festinha com muita bebida e droga, comandado pelo parceiro Sean Parker, que passara a ser um incômodo, a partir de determinado momento de sua ascensão.

Tanto o criador como sua rede social de relacionamentos não têm limites de crescimento, pois sempre superou as posteriores similares como Orkut, Twitter, MSN e outras. Porém, o preço é caro e as acusações de infidelidade e os direitos desrespeitados são a tônica do filme, ainda que muitas decisões judiciais fossem desfavoráveis a Zuckerberg, nada impediu a estratosférica consagração do Facebook, neste bom filme do cineasta Fincher, que certamente arrebatará muitos prêmios nas festas do Globo de Ouro e o Oscar, pois é uma típica obra hollywoodiana, nos moldes dos espectadores americanos.

Cabe ressaltar que agora com a repercussão mundial de outro site polêmico como o WikiLeads e a prisão de seu fundador Julian Assange, certamente alavancará ainda mais as bilheterias e as estatuetas virão aos borbotões, mesmo que seja uma obra apenas boa, sem maiores eloquências cinematográficas, destacando-se a bela trilha sonora de Trent Reznor, como um achado inquestionável, na magnífica cena da competição de remo na Inglaterra.

É um longa-metragem voltado para a ética e os desmandos, bem como o dinheiro se sobrepondo às amizades, o turbilhão dos negócios efetivados a qualquer preço e a ganância financeira como símbolo da prepotência humana, com causas e consequências irrefreadas no mundo e no universo do poder onipotente da internet, nesta virada do milênio, funcionando como um fonte arrecadora inimaginável.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Film Socialisme















A Contestação de Godard

O octagenário Jean-Luc Godard nunca foi um diretor acomodado ou de filmes fáceis. Notabilizou sua filmografia por um estilo sempre recheado de alegorias e metáforas, como em Nossa Música (2004), Elogio ao Amor (2001) e Nouvelle Vague (1990); porém seu longa menos denso, discursivo e por vezes enigmático, talvez seja o magnífico O Acossado (1979).

Em Film Socialisme não foge a regra e deslumbra com seu magnetismo singular, diante das citações filosóficas, buscando nas lembranças de um passado repleto de acontecimentos históricos, que aos poucos irão se desnudando e o mosaico de fatos contestados vão desfilando em imagens colocadas na cabeça do espectador, fazendo-o imaginar e dar vida as mesmas, viajando pelo mundo de tantas injustiças e segregações. Godard dividiu seu longa em momentos cruciais, como se fosse uma ópera bufa. Ou seja, o primeiro Coisas Assim, se passa numa viagem pelo Mar Mediterrâneo num cruzeiro, com conversas em vários idiomas entre os passageiros; o segundo movimento é Nossa Europa, onde há o questionamento de dois irmãos, refletindo sobre a liberdade, igualdade e a fraternidade, lema da Revolução Francesa em 1789; o terceiro e o melhor sem dúvida é Nossas Humanidades, sobre a falsidade e a verdade de alguns mitos de países que são visitados, como Egito, Palestina, Grécia, Odessa, Nepal e Barcelona, servindo como uma revisão histórica pelo cinema.

A viagem se inicia pelo cruzeiro que singra calmamente aquele mar num tom azulado esplendoroso, de Alger a Barcelona, com passagens por Nápoles e algumas cidades do Oriente Médio, tendo em seu interior as distorcidas imagens captadas como se fossem por uma câmera de segurança. Ali há diálogos desencontrados e dispersivos em idiomas diversos, tendo um criminoso de guerra, uma ex-oficial da ONU, uma cantora negra americana, um embaixador da Palestina, um filósofo, e tantos outros. Os personagens vão se encontrando e as multietnias se interagem, com questionamentos exemplarmente confrontados e contestados. Nada escapa da câmera, como o som abafado e a falta de diálogos na boate do cruzeiro, apenas os corpos rebolando e dançando freneticamente, tendo nos garçons e barmans amplamente focados, demonstrando um certo desinteresse e às vezes pasmados com as tolices ouvidas de pseudos intelectuais.

Inicialmente o filme gira e anda pelos corredores, passando do quarto para o convés, da pista de dança para os diálogos entrecortados e murmurados como se as legendas derivassem de escritas de povos alienígenas, numa crítica social a própria Europa que se enche de orgulho e rejeita os demais como se fosse a toda poderosa e dominadora. Começa naquele mar turvo e revolto e aos poucos vai ao encontro da placidez e da calmaria das águas azuis-turquesa. No segundo ato ou momento, o mais fraco deles, mostra uma equipe de TV registrando as peculiaridades e o dia a dia de uma família interiorana da França. A jornalista branca representa uma Europa decadente, tendo ao seu lado a fotógrafa negra como simbologia da África, observadas atentamente no posto de gasolina por um burro e um dromedário, indiferentes as loucuras da humanidade. Já na cena anterior uma referência a Honoré Balzac, através do livro Ilusões Perdidas, como metáfora de uma geração desiludida.

Em seguida, passamos para o terceiro ato, com as cenas chocantes das guerras e golpes militares, enfatizando com clarividência o Nazismo, a bolsa de valores com o suposto dinheiro de ganho fácil, tendo suas consequências nefastas e antiéticas. Há frases de efeito sobre o dinheiro inventado para que os homens não precisassem olhar nos olhos dos coirmãos. Menciona o excesso de livros e a literatura num continente fora da realidade, voltado para o irreal e fictício. E a não menos bela cena da visita à escadaria de Odessa, que serviu de cenário do filme- que teve a cena antológica do berço do bebê que teve a mãe assassinada descendo pelos degraus, no famoso massacre dos marinheiros- a obra-prima Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Ensenstein, sobre a Revolução Russa de 1905, contra a tirania do regime czarista.

Godard deixa o filme fluir num roteiro que parece frouxo e prolixo por vezes, mas retoma e estrutura os três momentos com grande eloquência, dando eficiência, não deixando os enigmas sem solução ou uma posição como resposta aos diversos questionamentos lançados no prólogo. Inegavelmente não podemos deixar de lembrar de Manoel de Oliveira, na obra-prima Um Filme Falado (2003), como inspiração e porque não uma homenagem ao jovial centenário cineasta portugês. Um tributo merecido, ainda que de modo sutil, mas com todo frenesi e amor ao cinema.

Não é um filme para neófitos ou aqueles acostumados com uma estrutura de roteiro convencional de início, meio e fim. É uma película que aborda nas entrelinhas os preconceitos raciais e as diferenças entre povos de etnias diversas, bem como os valores éticos e morais literalmente feridos e arranhados, colocando com precisão as elipses entre as cenas sequenciais. Não há pieguices, embora esteja atento as peculiaridades, mas dentro de seu estilo formal e irreverente paradoxalmente. Às vezes, com rigor e em outras solta a câmera, dentro de seu modo de conduzir com sutileza, resultando neste inventário de suas obras para uma posteridade digna e merecedora de todos os aplausos, mesmo que restrito a uma seleta gama de espectadores.

Dizer que é um filme perturbador é pouco; dizer que é um inventário histórico, filosófico e intelectual, também seria um análise de reconhecimento menor, deste diretor irrequieto, desde os tempos que participou da célebre Nouvelle Vague na década de 50, insatisfeito com as rumos da indústria cinematográfica, juntamente com outros cineastas, tais como: François Truffaut, Alain Resnais, Éric Rohmer, Claude Chabrol e Jacques Rivette. Enfim, a abrangência no relato e na busca em flasbacks de episódios passados que permanecem marcantes, demonstram a qualidade da obra, que se insere desde já como um dos melhores filmes do ano.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Tetro
















Melodrama Familiar

Francis Ford Coppola realizou seu 21º. longa-metragem com Tetro, produção rodada no bairro La Boca, em Buenos Aires, e na região da Patagônia, na Argentina, sendo seu primeiro roteiro original desde A Conversação. É uma abordagem sobre as fraturas familiares, as distenções dos seus membros e os conflitos inerentes entre pais, filhos e irmãos, numa ótica convencional e de profundidade escassa, longe de suas grandes realizações do passado, como a trilogia de O Poderoso Chefão (1972, 1974 e 1990), Apocalypse Now (1979), O Selvagem da Motocicleta (1983), A Conversação (1974; porém, bem mais próximo dos fracassos como Velha Juventude (2007 - inédito no Brasil), O Fundo do Coração (1982) e Vidas sem Rumo (1983), entre tantas decepções.

A trama é baseada em sua própria família, como admitido nas entrevistas concedidas no Brasil, seguindo uma linha autobiográfica. Começa com a visita ao escritor recluso e sem sucesso, desaparecido dos EUA há mais de uma década, o irascível Tetro (Vincent Gallo), casado com a portenha (Maribel Verdú), pelo seu suposto irmão mais novo Bennie (Alden Ehrenreich), um jovem de 17 anos, que vai procurá-lo em Buenos Aires. A fuga de casa tem um segredo familiar e um mistério guardado a sete chaves. Já na recepção, fica evidente a frieza do encontro e a falta de afeto de Tetro para com Bennie, cobrado por este, na cena em que seu irmão se derrete de gentilezas e amabilidades familiares com pessoas desconhecidas, visivelmente para agredi-lo.

Aos poucos o nó vai se desatando e as revelações vão aflorando e desmistificando uma realidade sombria e nefasta, com a dureza impregnada naquela criatura perturbada, que guarda o enigma de seu pai autoritário à beira da morte, radicado em Nova York, tendo sido no passado um homem poderoso e egoísta, na pele do maestro famoso e inescrupuloso Carlo Tetrocini (Klaus Maria Brandauer, em grande atuação). Não é à toa que Coppola centra na figura do maestro, pois há a explicitude do resgate do seu pai, que era também um músico. O conflito arrasador entre pai e filho se estabelece no drama, afastando o filho mais velho definitivamente de um futuro promissor, ofuscado pela figura paterna que o atormenta e dilacera, mantida no silêncio, mas demonstrada na agressividade peculiar e nos seus escritos todos guardados nas malas de viagens.

O uso inadequado da ópera se mesclando com os rascunhos do longa Tetro e concluídos às pressas por Bennie indicam uma confusa salada de fruta, mal aproveitada e sem demonstração de força e vigor, num roteiro que se esvai e se perde num Festival de Teatro na Patagônia, em que é presidido pela escritora e crítica Alone (Carmem Maura), que inicia e termina tudo na mesma noite, de forma absurda e ridícula, com o intuito da premiação barata do herói que surge do nada e abocanha um prêmio já previsível chamado ironicamente de Parricida. O drama foge do contexto realista e da análise pontual que se espera de um diretor autoral, inclinando-se para um final convencional e pouco inteligente, naufraga e mergulha num melodrama novelesco.

O filme segue um caminho de acomodação pueril, embora tente rejeitar sua própria estrutura proposta de conflito familiar, falta o clímax e a profundidade de outras obras de outrora, neste que foi um extraordinário diretor que se notabilizou pela ambição e criatividade, dá sinais evidentes de que sua fonte parece ter secado, pois ainda que tenha buscado com todo o esforço, está cada vez mais distante daquelas películas que o consagraram, restando a impressão de esgotamento definitivo da inspiração, aparecendo somente a transpiração. Coppola tentou dar seguimento da sua filmografia marcada por belos dramas, parecendo num primeiro momento que iria conseguir se soltar das amarras dos fracassos, nos cenários e nas falas elaborados num rigor bem ao seu melhor estilo, optando pela magnífica fotografia em preto e branco uma tentativa válida e interessante, deixando o colorido das cenas para os flasbacks, como uma espécie de recordação e saudade dos tempos áureos. Mas o roteiro vai se desmanchando pela fragilidade e inconsistência dos personagens, deixando a indecisão se sobressair e a previsibilidade arrebatar o final.

É evidente que a grande revelação que se aguardava para o epílogo torna contraditório um filme realizado com pretensões maiores, tornando-o um grande novelão com um final lamentável, com mocinhos e bandidos, revelações dignas do padrão global, com direção de Daniel Filho; ou ainda quem sabe dos filmes-novelísticos do francês Claude Lelouch, não condizentes para um cineasta da capacidade de Francis Coppola. Apesar que a figura de Édipo fosse tentada com todo esforço na tragédia familiar, nos relacionamentos incestuosos explícitos e implícitos, tudo se perde e vira pó pela ingenuidade do final.

Só resta aguardar pelo próximo longa prometido pelo cineasta, rezar e fazer algumas promessas para que haja a tão esperada reabilitação deste singular diretor, mas atualmente em franca decadência de inspiração.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos















Casais em Crise

Woody Allen é um diretor que mesmo se reinventando, ou ainda seguindo sua trajetória de comédia de costumes ou comédia dramática, seu sarcasmo e sua ironia sempre estão presentes como marcas registradas de sua obra. Neste seu último longa lançado Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos é um bom filme, que não chega a encantar e nem decepcionar no seu todo.

Embora os últimos filmes de Allen ficassem bem aquém de sua capacidade imaginativa de um cinema voltado para as inquietações e neuroses do dia a dia, Vicki e Cristina em Barcelona (2008) decepcionou quase que totalmente, por ser insosso e sonolento; O Sonho de Cassandra (2007), um pouco melhor, com alguma graça e finesse; Scoop- O Grande Furo (2006) com certa dose de ironia, era muito irregular e sucumbiu. Nada se compara com Zelig (2003), uma de suas obras-primas, assim como outras grandes realizações foram Dirigindo no Escuro ( 2002), Trapaceiros (2000); os notáveis Ponto Final- Match Point (2005) e Tudo Pode dar Certo (2009). Entretanto, talvez o maior filme do velho mestre seja A Rosa Púrpura do Cairo (1985), naquela que se consagrou como cena antológica do cinema, a saída do herói da tela e indo ao encontro da garçonete que assiste pela quinta vez a película, para fugir do martírio de sua vida cotidiana na época da Grande Depressão dos EUA. Há um forte relacionamento afetivo com o personagem fictício. Realidade e ficção se misturam e a mocinha tristonha passa a ter uma nova perspectiva de vida. Insuperável pela magia e pela beleza plástica deste fabuloso filme.

Seus personagens muitas vezes são reescritos, às vezes com bons resultados e em outros apenas discretos. Mais uma vez Allen parte dos desajustes familiares, como do casal formado pela pintora frustrada que sonha em ter sua galeria, a Sally (Naomi Watts), braço direito do seu chefe, o charmoso e renomado marchand Greg (Antônio Banderas); tem no marido, o médico e escritor Roy (Josh Brolin), mas que vive com problemas de tempo para ela, pois seus dotes literários estão decadentes e seus livros são constantemente rejeitados pelos editores. Porém, vê na vizinha do sugestivo nome Dia (Freida Pinto), que é uma noiva indecisa sua válvula de escape e fuga do casamento em crise. Ao apreciá-la pela janela, o filme presta duas solenes homenagens: uma ao mestre Alfred Hitchcock, pela sua obra-prima Janela Indiscreta (1954); e a outra, ao recente filme de outro mestre, desta vez Manoel de Oliveira, pela belo longa Singularidades de uma Rapariga Loura (2009).

Mas há mais casais conflitados, como os pais de Sally, que estão em processo de separação, tendo no pai Alfie (Anthony Hopkins), que busca seus prazeres numa pseudo atriz fútil, mais para uma prostituta de luxo, Charmaine (Lucy Punch); já a mãe Helena (Gemma Jones) se apaixona por um viúvo, que busca na sessão espírita seus contatos com a falecida e a consequente permissão para se casar novamente. Helena é mística e faz consultas regulares e segue rigorosamente as orientações da vidente Cristal (Pauline Collins), que não passa de uma charlatã barata. Tem até dia para emprestar dinheiro para a filha, mas não gosta do espírito da viúva, que com seus toques na mesa custa para deixar livre seu pretendente, numa grande ironia do destino.

Os desajustes dos casais em crises conjugais e as descobertas durante o desenrolar da trama são as molas mestras condutoras, com uma boa dose de humor, leva com habilidade e desenvoltura esta comédia de costumes, naquele cenário meticulosamente arrumado com todos os cuidados inerentes, especialmente as cenas externas de carros antigos mas esportivos deslizando pela glamourosa Londres. São cenas bem conduzidas que levam ao encontro dos velhos personagens remasterizados de Allen, bem elaborados e modernizados no presente.

A ironia fina e o sarcasmo estão presentes, até mesmo na sessão espírita, nas consultas da charlatã, dando ao esoterismo uma cutucada com classe, bem como as conturbadas relações dos emergentes descasados, deixando transparecer com clareza a monotonia e o desgaste dos metais no casamento. Ainda que não chegue a ser uma preciosidade esta película de Allen, seu estilo e sua marca estão presentes, como a estrutura bem elaborada do longa se mantém na sua forma clássica, conduzindo para a construção psicológica dos personagens sofridos e transtornados pelos relacionamentos no ocaso, aparecendo as fraquezas interiores que vão desfilando uma a uma e se mostrando com clarividência ao espectadores.

Allen nunca negou sua influência pelo cineasta da alma Ingmar Bergman e até já fez tributos em alguns de seus filmes, novamente presta homenagem quando Sally e Greg vão assistir uma bela ópera, tal qual no magnífico Morangos Silvestres (1957). Allen tem por característica quase sempre mergulhar no interior humano na busca obsessiva das neuroses presentes em seus personagens, dando soluções nada pragmáticas. Outro fator encontrado com frequência contumaz é o seu peculiar pessimismo, com conotações devastadoras em algumas situações, redundando no vazio existencial do ser e sua indelével e notável busca do amor e em outras até a paixão fugaz, tendo inevitavelmente desdobramentos que vão se esvaindo e muitas vezes se perdem num infinito de obstinados fracassos nas relações.

Assistir Woody Allen sempre é maravilhoso, mesmo que Você Vai Conhecer o Homem dos Seus Sonhos seja um filme menor na vasta filmografia deste genial diretor bergmaniano voltado para os acontecimentos do cotidiano, do amor, da paixão desenfreada, os fracassos do ser humano e o pessimismo com o mundo das pessoas amarguradas.