quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

London River- Destinos Cruzados



Diferenças Étnicas e Religiosas

O diretor franco-argelino Rachid Bouchareb é um cineasta voltado para os preconceitos étnicos dentro dos países europeus, especialmente França e Inglaterra, onde ele tem realizado suas películas doloridas e questionadoras, abordando as diferenças raciais, os conflitos religiosos e a independência dos povos massacrados pelo imperialismos dos mais fortes e donos de um poder econômico que suplanta as camadas menos abastadas.

A trajetória de Bouchareb tem como marco o notável longa-metragem Dias de Glória (2006), ao abordar em 1943, a saga de milhares de soldados das colônias francesas na África irem lutar na Europa na 2ª Guerra Mundial e ajudar a libertar uma pátria-mãe na qual nunca antes haviam estado, lidando com o preconceito existente ao mesmo tempo em que lutam pela vitória da França. Já Fora da Lei (2010), debruça-se sobre os problemas enfrentados pelos descendentes da Argélia para conquistarem sua independência da França, acontecendo somente em 1962, depois de um banho de sangue, onde morreram milhares de inocentes, tanto argelinos como franceses. Abre feridas e toca em questões cruciais como a luta pela independência da Argélia dentro da França e a existência de guerrilhas francesas estimuladas por suas autoridades, onde a história se sobrepõe as barbáries e agressões explícitas apresentados de maneira nua e crua, sem abusar da violência gratuita. A luta dos povos africanos colonizados, saturados e cansados de serem humilhados pelas suas colônias imperiais, começaram a dar um basta, tendo a Argélia despontada como uma das primeiras a se rebelar, tem a dignidade e o orgulho deste cineasta em colocar com toda contundência neste filme universal e maior.

Agora Bouchareb lança seu último longa London River- Destinos Cruzados, tendo por mote os pais à procura de seus filhos desaparecidos na capital Londres incendiada, numa Inglaterra de diferenças multiétnicas, porém efervescente por atos terroristas com dezenas de mortes em atentados, num filme silencioso e que tem na busca incessante de dois jovens enamorados sumidos num certo dia de julho de 2005. Percebe-se a inspiração no longa iraniano O Caçador (2010), de Rafi Pitts, bem como avança na xenofobia e abordagem extraordinária em Bem-Vindo (2009), de Philippe Lioret e o não menos apreciável e devastador O Visitante (2007), de Tom McCarthy. Mas também encontra similitude pela aproximação religiosa cristã com muçulmano e ataques terroristas no belíssimo Hadewijch (2009), de Bruno Dumont

A obstinada procura e o desespero daqueles pais, sendo que Elisabeth (Brenda Blethyn, melhor atriz em Cannes por Segredos e Mentiras (1996), em mais uma notável atuação), é uma mãe viúva que toca uma pequena propriedade rural numa ilha inglesa; o outro é o técnico ambiental Ousmane (Sotigui Kouyaté, em grande desempenho, vindo a falecer em abril de 2010, aos 73 anos, vencendo antes em fevereiro, como melhor ator no Festival de Berlim), um pai que vive na França, mas originário de um país distante da África. Nenhum dos pais sabiam o que realmente faziam seus filhos em Londres. Prova cabal do desconhecimento e ausência paterna. As cenas vão mostrando e plasmando uma evidência, tendo Ousmane visto seu filho pela última vez na África, quando ainda era criança, como confessa em tom culposo. Elisabeth admite que perdeu o contato com sua filha, mesmo deixando recados e mensagens suplicantes no celular, a falta do retorno é a indicação da perda do vínculo familiar.

A angústia avança e os dias conduzem para um pessimismo realista do bem maior que são seus filhos. A polícia não tem resposta concreta para aquelas criaturas que aos poucos vão deixando as diferenças de lado e os preconceitos para trás, especialmente Elisabeth, uma inglesa que simboliza todo o racismo e diferenças éticas estampados e deflagrados nas atitudes e palavras jocosas para com Ousmane, aquele africano pobre e pai do namorado de sua filha. Cria-se uma amizade entre os pais que acabam dormindo, como bons amigos, no mesmo apartamento que abrigara o casal desaparecido. Há o respeito de seus espaços e dos dias melancólicos que vão se passando com a velocidade da dúvida e da esperança perdida, após as peregrinações por hospitais e necrotérios, reduzindo as diferenças religiosas e unindo-os pela fé.

Apesar de não ser o que de melhor realizou Bouchareb, tendo em vista que Fora da Lei, sua obra-prima, que deve estrear no Brasil neste verão, e que passou recentemente na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, e o magnífico Dias de Glória; fica o legado e a proposta sensível e sutil deste cineasta das indiferenças e preconceitos, neste bom longa-metragem London River- Destinos Cruzados, que tem emoções dentro da razoabilidade, nunca fora de ponto, afasta a pieguice com classe, deixando uma boa reflexão para os defensores da xenofobia.

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