quarta-feira, 12 de janeiro de 2011
Abutres
Indústria da Indenização
Pablo Trapero é um diretor que aborda as situações cotidianas e sociais pouco exploradas pela mídia de uma maneira crua e fria, sem grandes alegorias e metáforas. Assim foi com o excelente longa-metragem Leonera (2008), seu melhor e mais profundo filme, discutindo sobre o sistema prisional argentino para uma detenta grávida e as consequências nefastas para os filhos recém-nascidos naquele lugar inóspito e imundo. Sem esquecer ainda que fizera antes outros belos longas como Nascido e Criado (2006) e Família Rodante (2004).
Agora desponta com esta película de denúncia Abutres (Carancho, na Argentina, é um animal que vive de restos de outros bichos), embora a trama tenha um viés pela inverossimilhança, trata da máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das mais de oito mil vítimas fatais por ano, aproveitando-se das brechas deixadas pelas leis reguladoras do trânsito naquele país. Abutres tem em seu personagem principal o advogado Sosa (Ricardo Darín), uma figura patética e inescrupulosa, mas boa pinta e hábil na conversa, já com sua habilitação cassada, monta com um outro colega na ativa, com auxílio de policiais corruptos e peritos que fraudam laudos, uma verdadeira indústria para receber dinheiro de seguros decorrentes de vítimas fatais ou inválidas de acidentes de carros, até forjando atropelamentos de conhecidos, tudo visando angariar cada vez mais indenizações das seguradoras. Não só tem o apoio da polícia corrompida, como acaba por trazer para seu lado uma jovem médica bonita, inexperiente, estressada e viciada em morfina, Luján (Martina Gusman- a esposa do diretor, também em elogiado trabalho em Leonera), com o intuito de locupletar-se com mais dinheiro sujo, pois buscado sem nenhuma legitimidade, abstendo-se da moral e dos princípios éticos norteadores da legalidade e do bom direito.
A película aborda a ética profissional, tanto a médica, como dos peritos, policiais, e especialmente dos bacharéis sem escrúpulos, também chamados pejorativamente de "advogado de porta de cadeia", que atuam tais como corvos na morte, obsessivos por lucros e ganhos fáceis, sem limites de qualquer pudor, perdendo a vergonha e perdendo o caráter inapelavelmente. Em situações análogas acontece também aqui no Brasil, em muitas capitais, com a indestrutível máfia das funerárias, quase sempre em conluio com profissionais da saúde que fazem as ligações diretas ou indiretamente, colocando os famigerados agentes funerários ou abutres carniceiros, na frente dos familiares das vítimas de trânsito, numa hora de dor e fragilidade, quando as emoções suplantam o equilíbrio e a racionalidade.
Trapero é um daqueles diretores que vai direto ao ponto, sem muitos rodeios, com um roteiro inadequado para ilações ou entrelinhas, afastando-se de quaisquer artifícios ou linguagem sugestiva por elipses. Peca, por vezes, em alavancar um drama e não se deter como um analista mais mordaz, como neste Abutres. Se o plano-sequência do hospital é eletrizante, deixando todos os espectadores embasbacados, assim como do acidente forjado, não se pode dizer da cena final, que mais parece de filmes e seriados americanos enlouquecidos pelo barulho e correria no trânsito.
Falta verossimilhança para uma abordagem eloquente, com o intuito de aplastar com contundência a proposta do roteiro. Embora o tema seja pouco explorado no cinema, existem muitos subsídios que dariam consistência para um filme mais sólido e de denúncia, como se propõe, mas fica emperrado no meio do caminho. O longa é bom e esclarecedor em vários tópicos, mas se deixa levar por uma fragilidade de condução no epílogo. Também há muitas cenas de pessoas acidentadas desnecessárias, que poderiam ter o recurso da elipse, para não massificar através de uma violência quase que gratuita.
O cineasta tem em sua filmografia filmes bem melhores, especialmente Leonera, mas sua proposta é válida, com poucas chances de arrebatar o Oscar, pois a concorrência é bem superior, mas os "velhinhos" da Academia quase sempre surpreendem, podendo até acontecer que Abutres, um longa bem interessante, mas longe do melhor cinema argentino, obtenha a estatueta máxima.
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