segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A Música Segundo Tom Jobim
















Tributo a um Gênio

Um filme sem diálogos ou depoimentos que normalmente são para endeusar o personagem homenageado. Então o veterano Nelson Pereira dos Santos, que dividiu a direção com a neta de Tom Jobim, Dora Jobim, em A Música Segundo Tom Jobim, optou pela boa música e o acervo fotográfico da carreira deste extraordinário cantor e compositor brasileiro que conquistou o mundo musical. Consagrando-se como um dos gênios de todos os tempos, cantando em português e muitas vezes também em inglês pelos palcos das Américas e Europa.

O fio condutor deste documentário em formato de videoclipe é essencialmente a música nas diferentes vozes e interpretações em vários idiomas, entre eles o italiano, o francês e o inglês. Sempre acompanhadas as músicas de imagens do acervo fotográfico do compositor, mostrando sua visão artística e pessoal. Um roteiro limitado às excelentes composições, sem falas ou menções de amigos, logo se afastou o oba-oba que pudesse atrapalhar a continuidade e o objetivo musical do longa. O cineasta optou por não legendar os cantores para não distrair o público, em afirmação sua, deixando para identificá-los somente nos créditos finais, numa arriscada decisão.

Inesquecíveis as cenas da clássica Garota de Ipanema sendo cantada por Tom e por diversos intérpretes em diferentes línguas estrangeiras. Mas quando canta com o "poetinha" Vinícius de Morais, a emoção é quase que incontrolável, pois eles vivenciam as coisas peculiares do Rio de Janeiro, que tanto amaram e veneraram em suas letras.

Um documentário que começa com a voz estridente de Gal Costa; flutua por Milton Nascimento; encanta com Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan, Chico Buarque, Fernanda Takai, Adriana Calcanhoto, Caetano Veloso e Miucha; na passagem de João Gilberto tocando violão para Elizeth Cardoso em Eu não existo sem você; extrapola em beleza artística no dueto com Frank Sinatra; e arrasa com a célebre interpretação de Elis Regina, em Águas de Março, onde a gauchinha mostra todos os seus recursos técnicos e vocais, num inspirado duelo com Tom, transforma numa obra-prima esta canção com eloquência como um primor registrado em vídeo.

Não é um filme somente para os fãs de Tom, mas para todos os apreciadores de música de qualidade, sem gritos e histerias, apelações ou baixarias. Não há nada parecido com Ai se eu te pego, de Michel Teló. As interpretações soam como sussurros nos ouvidos. É proibido levantar o volume da voz como na sempre lembrada Bossa Nova. Para os que não gostam do compositor, indo assistir poderão ter a grande chance de mudar seus conceitos equivocados. Sobre os que estão em dúvida se gostam ou não, dificilmente deixarão de aderir e cantarolar na saída do cinema, ao subirem no elevador ou entrar em casa. Por que não assoviar ou soltar a língua em Águas de Março ou Garota de Ipanema? Inclusive há a escolha do idioma que ficar melhor.

Um documentário que não vai sair ganhando festivais por aí, talvez nem ousasse tal intenção, mas ficará registrado na memória que controla a audição o som musical de Tom Jobim e todo seu inesgotável poder de criação, pois os gênios nunca deixam secar a fonte e estão sempre presentes para seus admiradores contumazes e os detratores.

A Música Segundo Tom Jobim ficará para ser lembrado e sorvido, daqueles de lavar a alma e deixar os ombros mais leves. Dá até para fechar os olhos e curtir todos os instrumentos musicais, em especial os acordes do velho e bom piano entoando as doces e saborosas composições com o gosto e a marca brasileira.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Simples Mortais



















Painel de Frustrações

Uma estreia razoável do diretor de Mauro Giuntini com este drama do cotidiano Simples Mortais, uma produção de 2007, que só agora chega nas salas de cinema do Brasil. Há uma boa relação comparativa com o documentário Um Céu Sobre os Ombros (2011), de Sérgio Borges, onde três criaturas aparentemente exóticas flutuam com seus dramas pessoais na cidade de Belo Horizonte, numa abordagem digna e bem retratada das vidas perturbadas, com uma direção bem equilibrada, ainda que pessimista do cineasta mineiro. Possivelmente teve inspiração no longa de Giuntini realizado quatro anos antes ao filme de Borges.

Simples Mortais não é tão bom quanto o documentário de Minas Gerais, pois peca em alguns excessos, tem planos excessivos e alguns diálogos maçantes e desproporcionais. O corte custa para entrar e as cenas se esvaziam em seus conteúdos. Não chegar a invalidar os méritos do filme, mas mascara em muito, especialmente as cenas do funcionário público viúvo Amadeu (Chico Sant'Anna), que nas horas vagas toca músicas sentimentais nos restaurantes para completar as finanças. Seu objetivo é incutir uma profissão com diploma universitário no filho Kdu (Eduardo Moraes), que quer seguir a carreira de músico do pai. Mas os diálogos entre estes dois personagens são longos demais e a cena da defecação da chave da porta é escatológica e desnecessária. Fica forçado pai e filho fumarem um baseado e projetarem um futuro, mesmo desejando ao jovem ser um grande homem.

As vidas vão se cruzando e Jonas (Leonardo Medeiros- sempre em ótima forma) demonstra suas frustrações como um escritor sem inspiração, pois vive um momento de fragilidade com sua esposa pragmática Kátia (Alice Stefânia), até surgir em seu caminho a sua musa inspiradora, a bela aluna de literatura Yara (Tatiana Muniz) na faculdade em que dá aulas. O casamento está abalado pela crise conjugal e até mesmo o pássaro engaiolado, fraterno amigo do intelectual nega-se a fugir, apesar de instigado. Esta cena simboliza como metáfora da prisão em que o casal se encontra e mesmo com o relacionamento corroído, o escritor tenta resistir ao extremo os encantos da provocante garota apaixonada por poesia.

No outro ponto do vértice está Diana (Narciza Leão), uma jornalista bem-sucedida que apresenta um famoso jornal televisivo à noite- numa referência ao Jornal Nacional- e faz entrevistas com deputados e senadores. Seu desencanto começa com a classe política, passa pela sua vida metódica e bate de frente com o marido, um ator de teatro que está indo à loucura, diante da ansiedade da mulher em engravidar a qualquer custo. Até seus encontros íntimos são agendados e seu trabalho é literalmente invadido, tudo em nome da fertilização e da obstinação em ser mãe.

Uma película em que os personagens acabam por se cruzarem. Há um encontro sugestivo da prisão humana no elevador regido pelo signo da desilusão. Uma cena bem elaborada e usada como alegoria para os descaminhos e sucessivas frustrações dos personagens de Giuntini, como num mosaico na gélida cidade de Brasília, com suas tensões e perturbações humanas. Tema encontrado de forma confusa no longa Insolação (2009), de Felipe Hirsch e Daniela Thomas; ou então no melhor de todos, por ser mais abrangente e profundo, que foi Brasília 18% (2006), do mestre Nélson Pereira dos Santos.

Um razoável longa-metragem sobre os problemas e estilos de vidas diferentes que se entrelaçam pela frustração e pela busca de soluções plausíveis que esbarram ora no acaso, ora nas próprias limitações contidas na personalidade de cada um. Os personagens vão se mostrando dentro de um painel em busca de suas realizações profissionais e afetivas, muitas vezes sem perspectiva e falta de um objetivo racional. É um tema bem batido no cinema, mas que fracassa nas mãos de alguns diretores e se sobressai com os mais talentosos.

Em Simples Mortais ficou no meio do caminho, um tema que aborda a solidão em uma cidade vazia pela frieza e a ausência de calor humano, numa metrópole corroída pelos fantasmas da empulhação e do jeitinho brasileiro, distante porém de uma qualidade mais efetiva, embora não invalide por completo a obra.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra
















Guerra e Amizade

O grande mote da trama usado por Steven Spielberg em Cavalo de Guerra é a profunda amizade, que desencadeia numa insuperável solidariedade entre o jovem Albert (Jeremy Irvine- boa atuação para um estreante) e o cavalo puro sangue Joey. Em decorrência é mostrado como pano de fundo as barbáries da I Guerra Mundial, onde Inglaterra e Alemanha se confrontam num duelo sangrento e belicoso, com duelos por terra entre soldados armados com pistolas, lanças, espadas, canhões e metralhadoras giratórias.

O longa-metragem é um drama de guerra mesclado com aventura, baseado no livro homônimo de Michael Morpurgo, publicado em 1982, tem um resultado bem satisfatório. Spielberg volta a abordar a guerra, como fizera em A Lista de Schindler (1993), em como conseguir salvar mais de mil judeus dos campos de concentração e O Resgate do Soldado Ryan (1998), ambientado durante a Batalha da Normandia na II Guerra Mundial, começando com o desembarque de soldados americanos na Praia de Omaha, no famoso Dia D, como parte da operação para libertar a França ocupada pelos alemães.

Agora em Cavalo de Guerra, os ingleses atacam os alemães de forma surpreendente, saindo os ingleses fulminantes das macegas para o enfrentamento com os rivais, num mar sanguinolento de lutas ferozes dos antagonistas. Ao avançar o filme, os confrontos e o entrincheiramento dos soldados, lembram em muito as cenas inesquecíveis e dolorosas do magnífico clássico Glória Feita de Sangue (1957), do mestre Stanley Kublick, onde os franceses nas trincheiras da I Guerra Mundial recusavam-se a continuar um ataque aparentemente impossível de se vencer.

Tanto no filme de Kublick como no de Spielberg há a presença opressora metafórica dos arames farpados prendendo o heroico animal equino, logo após sua ensandecida cavalgada, como símbolo da resistência da vida e a solidariedade. Porém, já há outras inspirações neste aspecto, como no longa O Corcel Negro (1979), de Carroll Ballard, onde um corajoso garotinho e um selvagem garanhão árabe, perdidos em uma ilha isolada, logo estão envolvidos numa grande amizade; bem como no longa Spirit- O Corcel Indomável (2002), de Kelly Asbury e Lorna Cook, conta a história da conquista do oeste americano, no século XVII, através de um cavalo selvagem que se apaixona por uma égua e faz amizade com um jovem índio lakota.

Spielberg mergulha na amizade e nos confrontos desta odisseia repleta de aventuras dentro da guerra, usando toda a magia do cinema com seus sons perfeitos, como nos trotes dos cavalos pelo chão e com uma trilha sonora impecável assinada pelo célebre John Willians. Há uma esplendorosa fotografia que torna emblemático o longa naquele céu alaranjado no epílogo, para mostrar a cena do reencontro radiante de felicidade, depois da venda de Joey pelo pai de Albert, sem oposição da mãe submissa, para a cavalaria inglesa, visando pagar as dívidas para não perder todas as terras, como no épico E o Vento Levou (1939), de Victor Fleming. A busca incessante do jovem pelo seu animal de estimação se notabiliza, logo após seu pai ter negociado por motivos econômicos, e por vezes fica em segundo plano. O diretor fica à vontade para mostrar a imbecilidade e seus paradoxos intrínsecos, como na magistral cena do encontro de soldados de lados opostos tentando salvar o animal do emaranhado de arames. Novamente a solidariedade se faz presente e surge um fio de esperança para a paz celebrada de forma definitiva pelo badalar dos sinos da igreja que promulga um basta para o infortúnio e a estupidez humana.

Resta o afeto e a amizade dos dois animais nem tão irracionais, diante da expressão singular no olhar através da câmera, bem como a inequívoca e sensível cena do reencontro entre o cavalo ferido e quase sacrificado com seu dono sem visão momentânea. Ou seja, uma eloquente metáfora da cegueira humana, quando novamente a imbecilidade se faz presente na execução iminente por parte dos ingleses, sob o pífio argumento do sacrifício benéfico. Mas os alemães também cultuam execuções, como dos dois soldadinhos desertores ingênuos e medrosos. Não há mocinhos de nenhum lado. Todos têm defeitos, matam e sentem medo da guerra com seu poder bélico ultrajante e arrebatador da desconstrução familiar. As mortes se sucedem sem escrúpulos, absurdas e abjetas, sem o menor sentido da existência civilizatória, neste muito bom filme antibelicista e sobre a eterna amizade, com a marca registrada do cineasta.