sexta-feira, 23 de julho de 2010

Os Incompreendidos













Continua Atual

François Truffaut com esta obra-prima Os Incompreendidos talvez não soubesse que estaria dando o passo inicial para a Nouvelle Vague em 1959. Filme que virou o marco desta nova escola francesa de se realizar cinema, a nova onda criada para revolucionar a cinematografia da França e mexer com os produtores desta indústria, onde o conteúdo e a reflexão estavam acima das produções vultosas e sem objetivos maiores que não fossem as arrecadações e seus lucros. Neste ano comemora-se 51 anos de existência profícua e bem-vinda. Além de Truffaut, um jovem crítico da poderosa revista que era uma verdadeira bíblia Cahiers du Cinéma, participaram também deste movimento Jean-Luc Godard, Claude Chabrol, Eric Rohmer e Jacques Rivette, como os mais destacados e consagrados.

O longa Os Incompreendidos continua atual e rejuvenescido pelo seu tema instigante como da adolescência com as relações familliares de um garoto que é expulso de casa e levado pelo padrasto até um Centro de Correção de Menores. Qual seu crime? Ser displicente em sala de aula, tal qual Clotário (na maiúscula atuação de Victor Carles) do inesquecível O Pequeno Nicolau (2009), de Laurent Tirard, que buscou e bebeu na inspiração do mestre Truffaut. O menino indisciplinado de Os Incompreendidos levou mais longe suas peraltices, inclusive pequenos furtos com coleguinhas de aula, sendo que a máquina de escrever manual surrupiada foi a gota dágua para sua mãe e o pai adotivo, tomando a drástica decisão de entregá-lo na delegacia policial distrital. Sofreu todo tipo de humilhação, até ser mandado para o reformatório.

A reflexão abordada por Truffaut é pontual ao examinar o microcosmo familiar com extrema sabedoria e demonstrar as cicatrizes deixadas como a mãe da garoto que não tem tempo para conversar ou discutir sobre as atividades escolares, tendo em vista que seu precioso tempo estava ocupado nas aventuras extraconjugais após o almoço, tal qual A Bela da Tarde (1967), do genial Luís Buñuel. Já o pai não biológico, mas afetivo por vezes, pois se esforçava bastante, tentando passar a imagem de um campeão e boa gente, apesar das piadinhas manjadas.

O universo das frustrações e humilhações já vinham desde os tempos da escola, onde o professor usava de métodos de rigor, inclusive o físico, como empurrões, o puxão de orelha literal como na acepção da palavra, achincalhamentos verbais inomináveis, quando havia discordância com o mestre. Os métodos tribais também se estendia no reformatório, como tapa no rosto e subtração da comida ao infrator que comesse o pão antes da refeição, embora a fome estivesse remoendo o estômago.

A violência exacerbada como método repressor que era característica basilar e considerada como correta pela pedagogia dos anos 50 é coloca em xeque e se debatia com insistência. Já hoje refutada veementemente como a clássica "palmadinha pedagógica", são elementos fundamentais e que inserem esta obra de Truffaut como uma autêntica obra-prima, que viria suceder dezenas de outros filmes sobre a repressão e os castigos violentos nas escolas e os centros de recuperação de jovens.

Do próprio Truffaut viria mais tarde outra obra-prima Na Idade da Inocência (1976). Mas recentemente talvez ninguém explorasse com tanta galhardia e qualidade como Laurent Cantet, com Entre Os Muros da Escola (2008). Já antes Ives Robert, com sua notável comédia dramática explorou com acidez, através do longa Guerra dos Botões (1962). Christophe Honoré foi magnífico com A Bela Junnie (2006). Porém, Jean Vigo celebrizou a rebeldia escolar com Zero de Conduta (1933), com outro extraordinário filme, possivelmente o primeiro a tratar com toda a veemência sobre transgressão e opressão.

As sequelas são apresentadas, expondo as entranhas e vísceras de forma exposta e contudente. O questionamento da uma penalização dita pedagógica mas incivilizada, com métodos antiquados e oriundos dos tempos dos homens das cavernas, estão claros e são permanentes nas entrelinhas desta película. Estão ausentes o apreço pelo carinho, o diálogo, o amor, a ternura, numa evidente crítica ao sistema e aos métodos superados de uma sociedade que vislumbra na agressão e na falta de diálogo seus elementos básicos e frágeis, com reflexo numa juventude à mercê de um objetivo mais digno e eloquente com seus anseios.

Os Incompreendidos só poderia ter sido dirigido por um mestre como François Truffaut, de notável sensibilidade ao realizar em 1959 este vigoroso filme que se sustenta no tempo e continua novo e atual. Ou pelo seu tema instigante sobre a adolescência, bem como por ser o longa precursor que tanto embalou os críticos e cinéfilos, emerge como uma erupção vulcânica que cimentou definitivamente a Nouvelle Vague.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Festival Varilux Cinema Francês (O Pequeno Nicolau)



O Pequeno Nicolau

A cinematografia francesa é especialista em realizar filmes sobre crianças. A abordagem quase sempre vem marcada pelas traquinagens gostosas, mostrando uma infância sadia, afastando o lado precoce e debruçando-se sobre os problemas de maneira eloquente, sem as basbaquices encontradas em realizadores americanos que preferem elevar num patamar superestimado ou subestimar os pimpolhos.

Dá prazer em assistir a este belo longa-metragem infantil O Pequeno Nicolau, dirigido exemplarmente por Laurent Tirard, um ex-jornalista da revista de cinema Studio Magazine, que dirigiu As Aventuras de Molière (2007), com um roteiro impecável de Alain Chabat e René Goscinny, uma fotografia perfeita de Denis Rouden, com elenco de primeiríssima qualidade da garotada, bem assessorados por Valérie Lemercier, como a mãe de Nicolau; Kad Merad como o pai do menininho; e a bela professorinha Sandrine Kiberlain, de atuação magnífica também como uma professora do interior da França em Mademoiselle Chambon (2009). Goscinny foi quem escreveu as histórias em quadrinhos e também é um dos criadores de Asterix e sua turma, publicadas originalmente de 1956 a 1964 na França, com o desenho de Jean-Jacques Sempé.

A trama mostra Nicolau (Máxime Godart) levando uma vida pacífica com seus amiguinhos do colégio, sempre atentos para aprontar uma boa sacanagem com alguém ou entre eles mesmos. Tudo é perfeito e maravilhoso no mundo encantado, até que um belo dia ouve a conversa do pai com a mãe pela porta entreaberta e coloca na cebecinha que terá um maninho e será posto de lado e que seus pais não terão mais tempo para ele. Acaba quase que surtando de pavor. Cisma que será abandonado definitivamente na floresta como o Pequeno Polegar. Tenta conquistar o velho amor maternal e paternal, fazendo um lobby para demonstrar que é imprescindível naquela casa. Mais desagrada do que agrada. Surge a ideia de fazer desaparecer com a criança que ainda nem nasceu, montando com seus amiguinhos várias estratégias e planos mirabolantes para um sequestro relâmpago. Assim é Nicolau, um menino bonito e desconfiado, com sentimentos de rejeição e com a floresta atormentando seus sonhos e com o estigma do imaginário irmão perturbando seu cotidiano até então intocável, fruto da conversa com o coleguinha frustrado Joaquim (Virgile Tirard) que tem fantasias que afloram e rondam sua mente.

Os planos para fazer sumir o nascituro é muito engraçado e por vezes chocante. Do painel de amiguinhos surge o "gordinho rechonchudo" sempre comendo e com tiradas satíricas de bom gosto. Outro garoto que se destaca é o intelectual, com boas ideias e um planejamento de dar inveja. Tem o "nerd", também reconhecido por ser "CDF" ou "dedo-duro", com seus imensos óculos ridículos de armação quadrada, aquele que tudo sabe e está sempre pronto para entregar um colega em aula para a professorinha simpática, até que num dia de azar é substituída temporariamente por uma professora durona, que logo faz o falso sabichão entrar em crise existencial, terminando por conhecer o castigo pelas mãos de Clotário (Victor Carles), de desempenho notável, roubando literalmente as cenas quando surge na tela, diante de sua personalidade com lapsos de memória, distraído e dorminhoco em aula. Esta cena é reveladora e sintetiza como numa alegoria os meandros do civilizado, bom caráter e humilde contrastando com a prepotência, egoísmo e subserviência.

Outras duas cenas emblemáticas. Uma, quando o ministro de Educação faz uma pergunta e um silêncio sepulcral se estabelece na sala, sem haver nenhum piscar de olhos dos garotinhos, revelando a síntese da repressão, pois os alunos foram orientados anteriormente para não se manifestarem, surgindo a opressão clássica. Em outra cena é sugerido o castigo pelo educador ao impagável Clotário, símbolo da distração e rebeldia às normas comportamentais de estilo, para escrever uma frase de retratação por mais de 200 vezes. O pseudoeducador ajuda e termina por redigir a maioria delas, pois há pressa em ir embora, revelando o simbolismo de uma latente corrupção nos bancos escolares.

Os pais de Nicolau são interesseiros e grotescos, o pai é o legítimo puxa-saco do patrão, servindo de capacho para alcançar um posto mais elevado na empresa, embora seja um bonachão; a mãe é uma dona de casa, que fustiga o "amado" o tempo todo para que ele obtenha na marra uma promoção e melhore sua condição financeira. Só vê dinheiro na sua frente, planeja um jantar com o empresário e sua esposa, redundando num fiasco monumental, embebedando-se até cair por coma alcoólico, desaba com sua falta de civilidade. Para complicar um pouco mais o casal, tem o vizinho bisbilhoteiro que está sempre na cerca sem muro, ouvindo conversas indesejadas ou desejadas e fofoqueando.

O Pequeno Nicolau é um filme sobre crianças, mas para as crianças e os adultos. Tem como similares e referências duas obras-primas de François Truffaut, sendo uma o precursor da Nouvelle Vague, Os Incompreendidos (1959), e a outra Na Idade da Inocência (1976), de François Truffaut, drama mostrando a transição da infância para adolescência vista pela ótica de dois meninos. Outro memorável filme sobre a infância é O Balão Vermelho (1956), de Albert Lamorisse, fábula infantil do menino que solta o balão de um poste em Paris e dali para frente é seguido pelo objeto, sofre as chacotas dos mais velhos e dos adultos. Já em 1953, com o média-metragem O Cavalo Branco, Lamorisse fez outro filme indiscutível e magistral sobre infância, abordando um garoto que queria capturar um cavalo selvagem e disputava-o com vaqueiros adultos com a mesma intenção. Outro filme extraordinário sobre a infância vem do Irã, com direção de Jafar Panahi, O Balão Branco (1995), sobre uma menininha que quer comprar um lindo peixe dourado e gordinho, mas seu irmão tenta ajudar numa busca incessante pelo dinheiro, apronta algumas estrepolias pelo caminho.

Já nas cenas de sala de aula lembram em muito outra obra-prima francesa Entre os Muros da Escola (2008), de Lurent Cantet, sobre os reflexos da escola na sociedade perdida e desorientada, questionando os professores de ensinar para quem? Para que? A mostra da transgressão e a a capacidade da escola e dos docentes, bem como a sociedade e o microcosmo familiar, com a perda da energia em determinadas circunstâncias. A condensação nas salas de aulas de alunos conflitados e tensionados. Também a similitude com A Guerra dos Botões (1962), comédia dramática francesa de Yves Robert, numa sátira maravilhosa à guerra dos adultos, tendo como dois líderes estudantis de duas cidades adversárias, que se propõem a brigar e arrancam os botões dos casacos e confiscam os cintos, para que os pais os castiguem.

O longa tem a fantasia infantil nesta magistral obra, demonstrando toda espontaneidade e ingenuidade das crianças, nos seus devaneios delirantes de suas ideias e invenções dignas de pessoas ainda em formação, com um futuro que lhe causam dúvidas e um certo receio, vendo fatalismo até mesmo no nascimento de um irmão. Há as frustrações oriundas até do sexo do recém-nascido, demonstrando a insatisfação das pessoas sempre por algo que não está ao alcance próximo, mas que poderia ser simplificado, característica típica do ser humano e sua busca eterna pela realização pessoal ou pelo objetivo indefinido e distante. Mas Nicolau chora na última cena com a surpresa que lhe aguarda, pensando que nunca mais poderá ser feliz, deixa sua frase otimista e reflexiva nesta singular película: "Quando eu crescer, vou fazer as pessoas rirem."

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Em Teu Nome



Sonolenta Revolução

O diretor gaúcho Paulo Nascimento é um obstinado e trabalhador pela causa do cinema, especialmente no que se refere aos fatos e acontecimentos ligados ao Rio Grande do Sul. Sua trajetória é louvável pelo esforço e capacidade da dinâmica de tentar sempre, mesmo que seus produtos sejam refutados ou rejeitados pelos críticos e pelo grande público. Assim foi em Diário de um Mundo Novo (2005) e o decepcionante Valsa para Bruno Stein (2007), fracassos totais de público e hostilizados por boa parte da crítica especializada. Depois veio o filme infantil A Casa Verde (2009), sem receptividade dos espectadores, estreou em abril deste ano e logo saiu de cartaz, com passagem meteórica pelas salas, soçobrando como os anteriores, pela falta de criatividade de um produto melhor.

Finalmente chegou o tão esperado Em teu Nome, uma cinebiografia baseada na vida do jovem estudante de engenharia e ativista político, de origem humilde, nascido em Passo Fundo e hoje juiz da Justiça Militar gaúcha, João Carlos Bona Garcia (Leonardo Machado). Preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), logo após o Golpe Militar de 1964, por envolver-se com a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), que tinha seus ideais baseados na doutrina comunista de Che Guevara e Fidel Castro, sendo seu mentor e líder o capitão Carlos Lamarca, que veio liderar o célebre sequestro do embaixador suíço Giovanni Eurico Bucher, trocado por um grupo de 70 presos políticos, entre eles o jovem Bona, no auge da ditadura comandada pelo truculento general Garrastazu Médici, que estava na presidência do país. O longa se arrasta de forma sonolenta, mostrando as passagens pelo exílio de Bona e sua companheira Cecília (Fernanda Moro), pelas capitais Argel, Paris e Santiago do Chile, secundados pelo professor (Nelson Diniz) e sua namorada (Sílvia Buarque), o fiel escudeiro (Sirmar Antunes) e Cesar Troncoso que brilhou no filme uruguaio O Banheiro do Papa (2007), com atuação destacada e eficiente. Também no elenco Marcos Paulo como um delegado torturador e sádico.

O roteiro é bem pragmático quase simplório, parte do assalto a um carro por dois universitários ligados a VPR. Mostra a aproximação na faculdade de uma garota mimada e confusa a Bona, logo se apaixonam e voltam a se encontrar no exílio, passam por muitas dificuldades financeiras e saudades do Brasil, nascem os filhos e a vida fica ainda mais complicada para o casal. Há a incipiente passagem pela Ilha do Presídio de Bona e seus companheiros , as visitas da namorada, mas com o sequestro do embaixador suíço, que vem como tábua de salvação, Bona é banido para o Chile em 1971 com outros 69 presos políticos. Peca por muitas obviedades e singelezas, como o interrogatório artificial, embora o delegado fosse um sádico, as cenas estão longe do realismo, ficando na periférica demonstração de ausência de terror, ou se aproximando mais de uma conversa informal. Outro pecado capital está na montagem e na edição, existindo vária cenas de som posteriores as imagens passadas com diálogos soltos, como se fosse um delay.

A direção é frouxa e Leonardo Machado não chega a convencer em seu papel principal, embora não seja um mau ator, fica devendo, bem como Fernanda Moro como a companheira está sem um mínimo de dramaticidade, de fraca atuação, longe de uma pessoa sofrida no exílio. Porém o ator uruguaio Cesar Trancoso está sobrando no filme, tem carisma e não precisa de comando, pois seu talento está sempre fluindo.

Em Teu Nome está longe de ser um grande filme, embora não seja um fracasso total, decepciona pelo que se esperava dele, apesar de arrastar-se em algumas cenas, falta o clímax e o envolvimento no drama, pois não podemos esquecer que estamos no meio da maior ditadura do Brasil, sob os auspícios o General Médici, em plena década de 70. Há a explosão de outro golpe na América, desta vez no Chile, sob o comando de outro general, o Pinochet, um dos maiores sanguinários que passaram pela Terra, fuzilando pessoas inocentes ou que tinham ideias contrárias ao regime, em pleno Estádio Nacional.

Mas no filme de Nascimento a emoção está ausente, a profundidade fica distante e os fatos acontecem linearmente. Poderia se inspirar no talvez maior filme sobre a ditadura no Brasil, o extraordinário Pra Frente, Brasil (1983), de Roberto Farias, onde o futebol é usado como símbolo de anestésico de um povo embriagado pela conquista da Copa do Mundo de 1970 , no México, enquanto isso os presos políticos eram torturados barbaramente na celas ao som dos gols de Pelé, Tostão e Jairzinho. Outro filme recente que mostra bem as cicatrizes abertas da ditadura militar, embora muito contestado tem seus méritos, Lula, o Filho do Brasil (2009), de Fábio Barreto. Ainda que existisse alguma propaganda política, não pode ser excluídas as virtudes de apresentar uma nação conturbada e sugada pelo estado de exceção, onde os direitos políticos inexistiam, passando longe de uma plena democracia.

Nascimento conduz Em Teu Nome de forma rasa sem grandes voos. Os fatos se sucedem, com acontecimentos que deveriam ser priorizados, mas acabam por se banalizarem, pois não há o convencimento. Fica a ditadura militar numa esfera de planície, sem um avanço crítico contundente, mais na base de depoimentos pessoais, como se fosse algo instantâneo. Bona diz que não se arrependeu, mas as sequelas não chegam a aparecer num horizonte de contestação, sobrando uma frase forte da jovem torturada: "Tira a roupa, fique nua". E Nascimento continua devendo um bom filme.