quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Teta Assustada















Traumas do Estupro

O cinema da América do Sul tem na Argentina seu polo principal. Pode-se discutir a sequência, talvez seja Brasil, Chile e Uruguai, pela ordem de importância. Porém, o que é incontroverso é que o Peru não tem tradição de uma boa filmografia. Seus diretores são quase que desconhecidos do grande público. Porém, agora surge dirigindo com grande força Claudia Llosa- sobrinha do festejado escritor peruano Mário Vargas Llosa- já demonstra qualidades neste seu longa A Teta Assustada, com reconhecimento em vários países, entre eles aqui no Brasil, quando arrebatou o Kikito de Melhor Filme Latino, Melhor Diretora e Melhor Atriz para Magaly Solier no Festival de Gramado, edição de 2009. Tem também na bagagem o celebrado Urso de Ouro, para Melhor Filme no Festival Internacional de Berlim deste ano.

A premissa do longa parte dos medos e traumas da jovem Fausta que assiste, como ela mesmo enfatiza, todo o estupro de sua mãe de dentro da barriga, quando os fascínoras tentam fazer com que a estuprada comesse o pênis cozido do pai, preferindo morrer a cometer tal barbárie. Há enigmas a serem percorridos no desenrolar do drama, pois não é uma linguagem nada fácil para iniciantes. Terá muitas dificuldades em atingir uma parcela maior de cinéfilos, pois sua tendência será de não virar cult.

O filme traz diversas interpretações, diante de sua complexidade, tem todos os elementos para ser bom, mas deixa a desejar, por ser arrastado e abusa de elipses, como ao levar sua mãe para conhecer o mar em seu desejo derradeiro, há uma interrupção brusca. Tem no seu final a revelação das batatas florescendo com o medo da filha cada vez mais arraigado, não consegue se libertar das correntes que a amarram ao passado. Questiona o tio, porque só nascem flores como girassóis e margaridas no seu jardim, ao invés das protetoras batatas que injeta na sua vagina, como forma de precaução de seu medo claustrofóbico.

As pérolas são uma candente metáfora e evidenciam seu pessimismo com a vida junto aos homens, tendo sua patroa a deixado na estrada, descumprindo a promessa de lhe dar o colar. Assim como a desconstrução de sua vida está metaforicamente incutida no piano estatelado no chão, mesmo com sua reconstrução e a música eclodindo na plateia, querendo evocar uma perspectiva de uma vida com uma promessa de ser melhor, não prospera no final e o seu sentimento de raiva, angústia vai ao encontro do pessimismo da sua alma atormentada pelos seus traumas de infância. Não há verossimilhança e pode ser apontado como uma incongruência no roteiro, o fato da música ser uma personificação do mal, ao ser deixada ao relento como castigo, para purificar-se ou encontrar seus fantasmas da noite. Ficou dúbio e inconsistente.

A Teta Assustada reflete o clima que dá vazão ao entendimento das pessoas do povoado, bem como do medo da mãe pelos terroristas peruanos na década de 80, liderados pelo Sendero Luminoso e Túpac Amaru. Fausta é uma vítima das atrocidades vivida por sua mãe entre várias mulheres violentadas. O imaginário indígena arrola em seu repertório a doença da teta assustada, em que o leite materno secará por ser infectado ao ser transmitido pela mãe abusada à sua filha. O medo recordado pela jovem é devastador para seu futuro como mulher. Ao introduzir a batata em seu órgão genital acredita estar protegida de estupros que dilaceram seus pensamentos, mas acarreta numa infecção tortuosa por sangramento. Ao descrerem do próprio médico que atestará a causa diante das ramificações internas, pode-se perceber uma alegoria, como dos grupos sanguinários que lutam num país em convulsão e fundamentalmente desagregado pelas facções paramilitares.

Há uma cena peculiar no hospital, quando o médico manda embora Fausta, porque esta não levou sua ficha, diz não ter tempo para procurá-la, pois atende mais de 80 pacientes por dia, com as filas se avolumando nas recepções, fica manifesta a crítica ao sistema de saúde pública no Peru. Chega a lembrar nosso velho e surrado SUS brasileiro.

Pode-se perceber algumas homenagens da diretora, entre elas aos filmes iranianos, como Gosto de Cereja (Abbas Kiarostami-1997), quando Fausta sobe a interminável escada naquele cenário desértico, tendo um viés explícito às produções no Irã. Também há uma referência ao diretor alemão Werner Herzog que dirigiu Fitzcarraldo em 1982, na cena em que o caminhão com um barco na carroceria entala no túnel. Não poderia faltar uma alusão à obra-prima Gritos e Sussurros (Ingmar Bergman-1972), quando no canto melodramático da mãe lamentando o abuso sexual sofrido. Lembra as três irmãs reunidas no quarto, naquele inigualável poema de amor, à beira da morte de Agnes que geme de dor através de gritos lancinantes de desespero. Acontece que Bergman é um só e talvez será sempre lembrado como o cineasta da alma, pela sua sutileza e o enorme contingente de seguidores que deixou na sétima arte. Há alguma semelhança, não inspiração, com o recente nacional A Festa da Menina Morta (Matheus Nachtergaele-2008), ao invocar no roteiro aspectos da crendices religiosas e de espíritos do bem e do mal, muito cultuado entre os indígenas. Fica claro esta crença, quando a personagem alerta para que não se caminhe junto a parede, para não ser pego pelas forças do além.

Apesar dos desacertos de roteiro e direção referidos, mas que não chegam a invalidar a obra, diante do encorajamento oriundo de uma produção peruana, que se não é definitiva, é ao menos alentadora. Mesmo sendo controverso, suscita discussões acirradas de num tema proposto como polêmico, leva para a análise da complexidade das propostas secundárias.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Confissões de Uma Garota de Programa























Terapia Sexual

O festejado diretor americano Steven Soderbergh já realizou coisas bem melhores. É de sua filmografia, obras como Traffic (2000), Eric Brockovich- Uma Mulher de Talento (2000), Doze Homens e Outro Segredo (2004), Doze Homens e Um Novo Segredo (2007), Che (2009). Porém, indiscutivelmente Sexo, Mentiras e Videotape (1989) é sua obra-prima, pelo arrojo e a qualidade singular deste filme que arrebatou o Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1989, na França, dando-lhe também o Prêmio de Melhor Diretor daquele ano, atingindo o ápice na carreira. Soderbergh não vem repetindo seus trabalhos anteriores, parece estar em declínio na suas criações cinematográficas, dando mostras já em Che, Parte I, filme que não decolou, apenas fez uma base para a Parte II, que ainda não estreou e se espera bem mais do apresentado.

Seu último longa Confissões de Uma Garota de Programa é, talvez, o menor filme deste cineasta que tem indiscutíveis qualidades como bom artesão. Ao escolher a musa do cinema pornô Sasha Grey, no papel principal como Chelsea/Christine, comete um atentado ao bom senso, maculando sua obra. É inegável que a atriz tem dotes físicos e uma certa beleza, mas para por aí. Seu desempenho é fraco, insosso, sem expressão e a representação artística inexiste. Limita-se a responder aos clientes famosos de Manhattan que lhe pagam muito bem para ser a namoradinha de aluguel, um monossilábico Yes ou No. Quando tenta dizer alguma frase, arriscando alguma ideia, nocauteia literalmente com o filme. Provavelmente será a vencedora do Oscar de 2010, na categoria de pior atriz, caso venha a ser indicada, devendo levar para casa o Trofeu Framboesa.

Confissões... peca na estrutura, no roteiro e nas pífias atuações do elenco. Falta aprofundamento nas questões levantadas como as eleições no EUA, onde há uma tímida preferência por Barack Obama, nas apostas em dinheiro dos comuns e mortais americanos. Alguns homens dentro de um avião jogam todas suas fichas no candidato negro como o grande vencedor para governar seu país. O diretor dá uma preferência antiquada por cenários luxuosos em interiores, com pouca luminosidade, refutando completamente os exteriores, num claro e prosaico desleixo. Dá a impressão que está com vontade de livrar-se logo do filme que tem eternos 78 minutos de duração.

O longa vai andando como pode, solto, com confissões surradas de uma moça de programa em vídeo digital, num paradoxo às suas produções grandiosas e de cunho social comprometidas com um cinema de arte. Surgem temas interessantes como a grande quebradeira de empresas e bancos americanos nos dias atuais, mas não há uma reflexão profunda. O diretor conduz para a terapia do sexo com uma plausível e boa solução dos problemas.

Entre um cliente que fala o tempo todo de seus problemas econômicos e familiares, esquece para surpresa de Chelsea, de um relacionamento íntimo; logo entra em cena outro cliente falcatrua com promessas de filmar a vida da prostituta, iludindo-a com viagens ao exterior, entre elas para Dubai, num engodo clássico, deixando-a tristonha; há a patética aparição do parceiro/companheiro que esboça um artificial ciúme, embora se conforme de imediato com a situação. Finca pé apenas para que sua "amada" não viaje com clientes nos finais de semana, sob pena de perdê-lo. E segue a babaquice do roteiro, com desdobramentos inverossímeis. Há o arrependimento de um "senhor sensato" ao falar com a filha, deixa de completar uma "glamourosa viagem", bem como o judeu que fala em ouro e dinheiro num epílogo que revela a continuação da saga da jovem na atividade da profissão mais antiga do mundo.

Ressalte-se que é um filme onde há todos os requintes, inclusive com temas a serem abordados com um olhar crítico. A prostituição sempre que levada ao cinema pode render bons filmes, como muitas vezes trai e detona seu realizador. É inegável que o tema é delicado e sutil em sua apreciação, com poderes de uma visão séria. Mas o diretor encontrou na fórmula da superficialidade resumir essa descartável realização sem inspiração.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Paris

















Essência da Vida

Os filmes franceses definitivamente pululam com extrema qualidade na capital gaúcha. Já haviam estreado O Segredo Grão, Entre os Muros da Escola, Há Tanto Tempo Que te Amo, Bem-Vindo, A Culpa é do Fidel, o recente Horas de Verão e agora o magnífico Paris de Cédric Klapisch (Albergue Espanhol-2002 e Bonecas Russas-2005), tendo na frente do elenco Juliette Binoche como Élise e Romain Duris no papel do irmão Pierre.

Sobre a atriz Juliette Binoche, cabe um capítulo à parte. Mesmo que as pequenas rugas associadas às profundas olheiras já invadam delicadamente seu belo rosto, dando alguns sinais da idade, seu talento unido com sua clássica beleza e seu charme infinito, configura-se cada vez mais na síntese de uma das maiores atrizes francesas de todos os tempos, uma diva completa, ao lado das três maiores celebridades francesas como Catherine Deneuve, Brigitte Bardot e Fanny Ardant.

O longa Paris é um hino à vida, uma ode estridente pela vontade compulsiva de viver e continuar entre os mortais, quando dentro de um táxi , no caminho de sua casa até o hospital, onde fará um transplante com poucas chances de sobreviver, observa no caminho as pessoas andando pelas ruas, caminhando para o trabalho, passeando com seus cachorrinhos. Ou seja, numa bela elegia à vida, tudo que mais quer o personagem é desfrutar da beleza incomum das pequenas coisas, mínimas para alguns, superdimensionadas para outros. Pierre num sopro de desabafo sentencia com simplicidade mas com profunda comoção pela dor dos que não sabem se terão uma nova oportunidade: "Isto é Paris. As pessoas estão sempre reclamando. São muito rabugentas."

O ponto de partida de Paris é a doença grave do dançarino Pierre, que assiste pela janela do quarto o mundo desfilar de várias formas, orbitando pelos seus olhos tristes e pouco esperançosos, num painel da Cidade Luz atual. Observa com ardor a Torre Eiffel ao fundo em um belo contraste com o lindo arco-íris que teima em se exibir. Vê na aluna de beleza juvenil, que mora bem em frente, talvez um alento de futuro, embora se frustre com o passar dos dias. Há uma clara homenagem ao velho mestre do suspense Alfred Hithcock em Janela Indiscreta. Fica evidenciado o protesto pela dignidade da vida como bem maior, restando o libelo de contrariedade pela solidão, a angústia, a dor e a morte que andam às vezes de mãos dadas pelas ruas, bares, cafés e casas noturnas de uma grande metrópole. Há uma volúpia de anseio em Pierre pelo futuro que lhe escapa implacavelmente. Não há pieguice, mas uma trepidante luta que nunca cessa pelo fio de otimismo em continuar vivendo.

O diretor construiu um mosaico bem estruturado como já o fizera Robert Altman em Short Cuts- Cenas da Vida, costurando em várias histórias e entrelaçando-as na medida que se desenrola e avança o filme em seus 130 minutos que passam rapidamente. Além de Élise e Pierre que se unem para a reconstrução familiar, tendo na vida do irmão e a solidão pela separação da irmã com seus três filhos menores, os objetivos principais deste sensível drama francês. Ao contrário do filme Horas de Verão, onde há uma desintegração com a morte da matriarca, acarretando na desestruturação diante dos interesses pessoais e econômicos que levam para um final melancólico, embora haja uma inafastável revisão de valores culturais de um tempo.

No filme Paris há o conturbado relacionamento do professor universitário (Fabrice Luquini) com sua aluna e vizinha de Pierre, com comportamento enigmático e revelador no final. O irmão do professor é um engenheiro (François Cluzet) que vai descobrir toda sua ligação afetiva com sua ex-mulher, quando esta morre tragicamente, libertando-se parcialmente ao conhecer Élise, que sofre dolorosamente com a separação e a manutenção dos filhos. Há também os irmãos camaroneses, que esperam a vinda de outro irmão do país natal, para resolverem os difíceis problemas de documentação e locação de imóvel, padecendo pelos transtornos de comunicação, pois somente o irmão mais velho, de profissão gari, domina o idioma francês. Outra vez há a busca da estruturação mesmo com disputa familiar. Na galeria de personagens, desfila a dona da padaria com seus baguetes infalíveis, dando importância para as superficialidades em detrimento ao ser humano, demonstrando xenofobia explícita já vista no recente longa Bem-Vindos. Há a moça que só compra pela Internet frutas e verduras, conhecendo finalmente in loco uma imensa feira de hortifrutigranjeiros, assim como sua amiga que conhece carne num frigorífico. Ambas tentam seduzir os funcionários numa metáfora nos dias de hoje, quando há um distanciamento entre uma mulher e um homem de forma carnal, ocorrendo invariavelmete os relaciomentos on line. Por isso buscam a libertação dos computadores.

O final pode parecer dúbio, ao deixar margem para interpretações diversas, tornando-o ainda mais instigante, em que cativa pela poesia da brava luta de se viver e pela condição de não ser frágil mesmo com sua finitude. Somente uma obra-prima como Paris, poderia com seu discernimento e distanciamento de obras convencionais, narrar com sintonia fina pela sutileza toda a delicadeza de uma sociedade voltada para pequenas futilidades, esquecendo a essência das coisas mínimas.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Horas de Verão

















Desagregação Familiar

O diretor Olivier Assayas mostra toda sua competência neste extraordinário Horas de Verão. O filme despertou curiosidade e foi um dos mais aclamados e frequentados na última Mostra de Cinema de São Paulo, em 2008. Com um elenco de primeira qualidade, esta película tem o mote na matriarca Hélène Berthier (Edith Scob) ao completar seus 75 anos na linda mansão rural. Por ser sobrinha e manter a guarda de requintada obra do grande pintor Paul Berthier, reúne a família- os três filhos e os netos- para uma espécie de inventário em vida dos quadros, móveis antigos e objetos valiosos do seu tio famoso, além da preocupação com o destino que será dado à sua residência.

Meses após, acontece o previsto, morre Hélène, a desagregação familiar começa a tomar vulto, numa metáfora sobre a perda dos valores éticos, morais e da identidade da França. A reunião inaugural festiva e alegre com a mãe, já revela uma tensa realidade contida nos planejamentos dos três irmãos, com seus propósitos e objetivos diferentes, pois estão dispersos pelo mundo, sem uma identidade mais emotiva e sequer coesa. O carinho e o afeto consanguíneo ficam distantes e sobrepõe clara e manifesta vontade de interesses próprios. Os anseios do irmão mais velho pela manutenção da integridade e do núcleo são rapidamente derrotados por uma expressa vontade dos outros dois pelo desfazimento dos bens materiais que ainda os cercam e o os mantêm reunidos, visando um futuro longe da cultura e dos valores da França. Seus méritos como essência de cinema são irrefutáveis.

Adrienne (a sempre bela e estonteante Juliette Binoche) é designer de moda nos EUA, planeja seu futuro com filhos e o marido em Nova York, tem como aliado seu irmão caçula Jérémie (Jérémie Renier), um própero empresário já radicado e com vínculos econômicos e sociais na China de um mercado de trabalho escravo e contestado. Nesse embate há o irmão mais velho Fréderic (Charles Berling), professor universitário e economista- o único a manter-se em Paris-que tenta conservar e manter a unicidade do núcleo familiar prestes a se deteriorar. Visivelmente contrariado, demonstra toda sua derrota pessoal, pois apesar da luta incessante em manter viva a memória dos Berthier e do velho casarão de reminiscências da infância e juventude, das reuniões e passatempos de férias da criançada, vê evaporar seus ideais de preservação.

Horas de Verão lembra o filme japonês de mesmo nome de Yasujiro Ozu, que trata das relações familiares e as transformações do Japão no século 20, com o início da globalização. Assayas aborda de forma profunda o fim de uma era glamourizada, onde a cultura e a economia eram fatores sólidos e essenciais da velha Europa e a França fazia parte como um sustentáculo bem consolidado. Hoje há a China, emergente na Ásia, como um poderoso país de uma economia quase que indestrutível. Contrapondo temos os EUA sempre eficaz e fortalecido também pela sua economia, mesmo que às vezes abalroada como recentemente pela bancarrota violenta do sistema bancário, segue em frente com luz própria. A corrosão é fulminante e os sonhos e devaneios dão lugar para uma geração nova que terá uma missão de carregar com tenacidade algo que está enfermo e pedindo socorro.

O diretor filma em longos planos, fazendo o espectador atingir o êxtase ao flutuar pelos intermináveis jardins floridos de uma época que deixa saudades. Sua crítica é sutil ao velho sistema oligárquico, onde uma riqueza exuberante como a abordada está em extinção. O longa termina com uma pálida luz de esperança nos olhos e desejos da neta que não mais verá uma era em ocaso, num cenário bonito mas que impiedosamente corroído pela desconstrução nesta obra-prima francesa filmada com dor, angústia e tristeza de um tempo que ficou para trás, restando somente a ilusão de uma arte construída num país que terá que rever seus valores.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Inimigo Público nº. 1- Instituto de Morte



















Inimigo Francês

Agora virou moda com os filmes realizados em duas partes. Assim foi com Che (Steven Soderbergh) que passou a primeira parte há alguns meses e terá a sequência final a ser lançada no Brasil, provavelmente até o final deste ano. Já tínhamos visto outro filme sobre gângteres mitológicos, o correto Inimigos Públicos (Michael Mann), interpretado por Johnny Depp e Marion Cottillard, sobre a vida de John Dillinger, o inimigo público nº. 1 dos EUA, na época da Grande Depressão americana em 1929. Pois não é que a França também tem sua história para contar e o seu "herói" é Jacques Mesrine (Vicent Cassel) no filme Inimigo Público nº. 1- Instituto de Morte, que engordou 20 quilos para estrelar seu personagem, com direção de François Richet, tendo arrebatado três prêmios César na França - semelhante ao Oscar-, como de melhor diretor, ator e direção de arte. Ainda ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Tóquio. Foi rodado em 9 meses as duas partes.

Para não ser diferente de Che, chegou a Parte I e a Parte II virá no final do ano, mostrando as incursões no crime de seu gânsgter, com toda perseguição da polícia até seus últimos dias de vida por emboscada. Numa trajetória marcada por espetaculares fugas de prisões consideradas de alta segurança para a década de 60. Só resta aguardar as continuações das referidas segundas partes destes filmes.

O filme é uma cinebiografia do lendário bandido francês Mesrine, baseada em livro escrito na prisão pelo próprio protagonista. Filho de comerciantes bem-sucedidos, tem uma clara e manifesta aversão ao passado do pai, por ter colaborado com a Alemanha na Ocupação Nazista de Hitler na França. Agride com palavras sua mãe, mulher forte e com gênio dominador. Sua família próspera começa a se dilacerar com os pequenos roubos de Mesrine em Paris na década de 60. Entra para a Frente de Libertação da Argélia e na década 70 adere a um outro movimento de luta para libertar Quebéc do Canadá. Aflora seu sentimento libertário, a partir das torturas impostas pelo exercito francês contra os separatistas argelinos.

As lutas sociais de independência são o mote do filme, decorrendo daí os diversos assaltos para arrecadar fundos para as lutas e combates sociais, tornando Mesrine respeitado por onde anda, uma espécie de ícone libertário nos moldes de Ernesto "Che" Guevara, sobrepondo a vida pacata daquele homem nascido na pequena cidade de Clichy no interior da França. Mas há um mentor e conselheiro para seus atos subversivos, Guido (Gérard Depardieu), com personalidade cruel, ex-combatente frio e sanguinário, não perdoa traições e sequer demonstra algum tipo de arrependimento.

Há cenas deprimentes como a solitária da prisão, sofre torturas e vive em condições sub-humanas, lembrando em muito o filme estrelado, por Steve Mc Queem, no célebre Papillon. Sua vida é conturbada, mesmo não tendo o charme e o glamour de Dillinger, um apaixonado por sua bela graúna Billie Frechete em Inimigos Públicos, casa-se duas vezes, primeiro com a espanhola Sofia (Elena Anaya), com quem tem dois filhos, e, depois com Jeanne (Cécile de France), uma mulher que o segue na luta armada por seus ideais de libertação.

Há algumas irregularidades no roteiro, como na cena patética em que Mesrine retorna à prisão que fugira com um comparsa e tentam libertar outros presidiários, com muitos tiros e cenas que lembram os velhos filmes de aventura hollywoodianos, esquecendo que se deveria trilhar uma linha mais lógica e voltada para ruptura social e separatista. Porém, o que se vê está mais para velhas e surradas películas policiais americanas.

O longa não consegue decolar com naturalidade, faltando fluidez e sobrando superficialidades. Há altos e baixos na sequência, com indefinições de roteiro quanto a proposta a ser apresentada e desenvolvida. Fica tudo muito artificial, com o alijamento de uma profundidade do tema proposto. Parece que há uma preocupação em alicerçar e cimentar uma estrutura para a continuidade que haverá com a Parte 2. Só que o tiro sai pela culatra, pois afunda quando avança, tal qual areia movediça. Faltou definição, quem sabe poderá ser resgatada e venha surpreender na continuação.