sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Paris

















Essência da Vida

Os filmes franceses definitivamente pululam com extrema qualidade na capital gaúcha. Já haviam estreado O Segredo Grão, Entre os Muros da Escola, Há Tanto Tempo Que te Amo, Bem-Vindo, A Culpa é do Fidel, o recente Horas de Verão e agora o magnífico Paris de Cédric Klapisch (Albergue Espanhol-2002 e Bonecas Russas-2005), tendo na frente do elenco Juliette Binoche como Élise e Romain Duris no papel do irmão Pierre.

Sobre a atriz Juliette Binoche, cabe um capítulo à parte. Mesmo que as pequenas rugas associadas às profundas olheiras já invadam delicadamente seu belo rosto, dando alguns sinais da idade, seu talento unido com sua clássica beleza e seu charme infinito, configura-se cada vez mais na síntese de uma das maiores atrizes francesas de todos os tempos, uma diva completa, ao lado das três maiores celebridades francesas como Catherine Deneuve, Brigitte Bardot e Fanny Ardant.

O longa Paris é um hino à vida, uma ode estridente pela vontade compulsiva de viver e continuar entre os mortais, quando dentro de um táxi , no caminho de sua casa até o hospital, onde fará um transplante com poucas chances de sobreviver, observa no caminho as pessoas andando pelas ruas, caminhando para o trabalho, passeando com seus cachorrinhos. Ou seja, numa bela elegia à vida, tudo que mais quer o personagem é desfrutar da beleza incomum das pequenas coisas, mínimas para alguns, superdimensionadas para outros. Pierre num sopro de desabafo sentencia com simplicidade mas com profunda comoção pela dor dos que não sabem se terão uma nova oportunidade: "Isto é Paris. As pessoas estão sempre reclamando. São muito rabugentas."

O ponto de partida de Paris é a doença grave do dançarino Pierre, que assiste pela janela do quarto o mundo desfilar de várias formas, orbitando pelos seus olhos tristes e pouco esperançosos, num painel da Cidade Luz atual. Observa com ardor a Torre Eiffel ao fundo em um belo contraste com o lindo arco-íris que teima em se exibir. Vê na aluna de beleza juvenil, que mora bem em frente, talvez um alento de futuro, embora se frustre com o passar dos dias. Há uma clara homenagem ao velho mestre do suspense Alfred Hithcock em Janela Indiscreta. Fica evidenciado o protesto pela dignidade da vida como bem maior, restando o libelo de contrariedade pela solidão, a angústia, a dor e a morte que andam às vezes de mãos dadas pelas ruas, bares, cafés e casas noturnas de uma grande metrópole. Há uma volúpia de anseio em Pierre pelo futuro que lhe escapa implacavelmente. Não há pieguice, mas uma trepidante luta que nunca cessa pelo fio de otimismo em continuar vivendo.

O diretor construiu um mosaico bem estruturado como já o fizera Robert Altman em Short Cuts- Cenas da Vida, costurando em várias histórias e entrelaçando-as na medida que se desenrola e avança o filme em seus 130 minutos que passam rapidamente. Além de Élise e Pierre que se unem para a reconstrução familiar, tendo na vida do irmão e a solidão pela separação da irmã com seus três filhos menores, os objetivos principais deste sensível drama francês. Ao contrário do filme Horas de Verão, onde há uma desintegração com a morte da matriarca, acarretando na desestruturação diante dos interesses pessoais e econômicos que levam para um final melancólico, embora haja uma inafastável revisão de valores culturais de um tempo.

No filme Paris há o conturbado relacionamento do professor universitário (Fabrice Luquini) com sua aluna e vizinha de Pierre, com comportamento enigmático e revelador no final. O irmão do professor é um engenheiro (François Cluzet) que vai descobrir toda sua ligação afetiva com sua ex-mulher, quando esta morre tragicamente, libertando-se parcialmente ao conhecer Élise, que sofre dolorosamente com a separação e a manutenção dos filhos. Há também os irmãos camaroneses, que esperam a vinda de outro irmão do país natal, para resolverem os difíceis problemas de documentação e locação de imóvel, padecendo pelos transtornos de comunicação, pois somente o irmão mais velho, de profissão gari, domina o idioma francês. Outra vez há a busca da estruturação mesmo com disputa familiar. Na galeria de personagens, desfila a dona da padaria com seus baguetes infalíveis, dando importância para as superficialidades em detrimento ao ser humano, demonstrando xenofobia explícita já vista no recente longa Bem-Vindos. Há a moça que só compra pela Internet frutas e verduras, conhecendo finalmente in loco uma imensa feira de hortifrutigranjeiros, assim como sua amiga que conhece carne num frigorífico. Ambas tentam seduzir os funcionários numa metáfora nos dias de hoje, quando há um distanciamento entre uma mulher e um homem de forma carnal, ocorrendo invariavelmete os relaciomentos on line. Por isso buscam a libertação dos computadores.

O final pode parecer dúbio, ao deixar margem para interpretações diversas, tornando-o ainda mais instigante, em que cativa pela poesia da brava luta de se viver e pela condição de não ser frágil mesmo com sua finitude. Somente uma obra-prima como Paris, poderia com seu discernimento e distanciamento de obras convencionais, narrar com sintonia fina pela sutileza toda a delicadeza de uma sociedade voltada para pequenas futilidades, esquecendo a essência das coisas mínimas.

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