sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Os 10 Melhores Filmes do Ano (2022)

 

Os 10 Mais e 05 Menções Honrosas

Já é final de ano e todos os críticos estão com suas listas de melhores filmes vistos nos cinemas e nas plataformas de streaming em 2022. Também elencamos o que se viu e ficou marcado como os 10 Mais e ainda 05 Menções Honrosas. Segue em ordem de preferência:

 01. Drive My Car, de Ryüsuke Hamaguchi (foto acima);

02. A Felicidade das Pequenas Coisas, de Pawo Choyning Dorji;

03. Ennio, O Maestro, de Giuseppe Tornatore;

04. Lamb, de Valdimar Jóhannsson;

05. O Acontecimento, de Audrey Diwan;

06. Um Herói, de Asghar Farhadi;

07. O Truque da Galinha, de Omar El Zohairy;

08. A Noite do Fogo, de Tatiana Huezo;

09. A Filha Perdida, de Maggie Gyllenhaal;

10. Marte Um, de Gabriel Martins.

Dos que não conseguiram constar nos 10 Mais, listamos algumas menções honrosas, que só não entraram por absoluta falta de espaço, tais como:

- Argentina, 1985, de Santiago Mitre;

- Tre Piani, de Nani Moretti;

- O Perdão, de Maryam Moghadam;

- O Festival do Amor, de Woody Allen;

- Elvis, de Baz Luhrmann.

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Argentina, 1985

 

O Julgamento

Ganhador do prêmio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema (Fipresci) no Festival de Veneza e indicado pela Argentina ao Oscar de Melhor Filme Internacional, Argentina, 1985, quarto longa-metragem do cineasta Santiago Mitre, busca o tricampeonato na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas em 2023, como fez a seleção de futebol na Copa do Catar neste ano. A História Oficial (1985), de Luis Puenzo, e O Segredo dos Seus Olhos (2009), de Juan José Campanella, foram os primeiros vencedores do Oscar. O cineasta é reconhecido pelas abordagens dos problemas sociais, econômicos e políticos de seu país. O diretor estreou em O Estudante (2011), ano marcado por convulsões sociais nos EUA, Chile e na Europa, tendo abocanhado mais de 20 prêmios em festivais pelo mundo. O segundo longa, Paulina (2015), foi laureado com o troféu principal da Semana da Crítica em Cannes, retratou a temática da violência contra a mulher de uma maneira pouco convencional, contextualizou a trama e jogou luz à história, tendo como subtema a justiça a serviço dos interesses pessoais de poderosos. Misto de drama político com familiar, A Cordilheira (2017), terceiro longa, é um instigante painel sobre os bastidores da política mesclado com os problemas pessoais de um chefe da nação abordados com esmero, bem construídos os personagens fictícios, mas facilmente identificáveis no cenário da época.

Mitre, de 42 anos, foi também roteirista dos filmes Leonera (2008), Abutres (2010) e Elefante Branco (2012), todos realizados por Pablo Trapero. Agora se debruça sobre os horrores da ditadura militar que deixou sequelas e marcas para sempre em seu povo. Dividiu o roteiro com Mariano Llinás, assim como já o fizera nas últimas duas realizações. Baseado em fatos reais, Argentina, 1985, disponível para assinantes do Amazon Prime Vídeo, se inspira na história de dois promotores públicos com uma equipe de jovens assistentes neófitos que terão a improvável missão de processarem os militares que comandaram e serviram ao duro regime de exceção estabelecido no país vizinho, de 1976 a 1983. O famoso Julgamento das Juntas, de meados de 1984 a setembro de 1985, foi o primeiro no mundo por um tribunal civil contra comandantes militares que tinham estado no poder. Ocorreu no governo de Raúl Alfonsin (1927-2009), eleito como primeiro presidente da fase da redemocratização. O personagem central Julio Strassera, chamado de “Louco” (1933-2015), brilhantemente encarnado pelo cultuado ator Ricardo Darín, em mais uma interpretação irretocável, tem na dócil esposa, Silvia (Alejandra Flechner) e no casal de filhos adolescentes, sua base familiar de sustentação.

Strassera tem dificuldades para montar sua força-tarefa, diante das negativas recorrentes de seus colegas experientes. Ou por medo ou por estarem alinhados ao nefasto regime sanguinário com indisfarçáveis tendências fascistas, com o velho e surrado discurso de eliminarem os comunistas. Encontra respaldo e apoio no assistente Luís Moreno Ocampo (Peter Lanzani- de boa atuação), um filho de militar que tem a mãe uma admiradora do sistema, inclusive ela frequentava as missas com integrantes da alta cúpula militar. Seu mentor, Alberto (Norman Briski), traz palavras de sabedoria, embora muito debilitado. O diretor teatral, Carlos Somigliana (Claudio Da Passano), faz uma dobradinha interessante para a defesa oral do protagonista no tribunal. A dupla de promotores manda a equipe formada de jovens advogados e estagiários a pesquisarem os processos com as respectivas provas para tentar colocar na cadeia os principais líderes da Ditadura Militar. Os promotores sofrem ameaças e pressões políticas e militares a pararem com as investigações. Mas o julgamento, finalmente, aconteceu em 22 de abril de 1985, com cerca de 530 horas de audiência, 850 testemunhas, sendo 709 casos julgados e sentenciados pelos juízes León Arslanian, Ricardo Gil Lavedra, Jorge Torlasco, Andrés D'Alessio, Guillermo Ledesma e Jorge Valerga Aráoz.

O drama político aborda com clareza e boa didática os depoimentos das vítimas do regime, com relatos escabrosos de estupros e pessoas desaparecidas. Mitre conduz com discernimento para contar esta triste história que traz marcas indeléveis de um passado tingido pelo sangue, marcado pela desumanidade e o rompimento com os direitos humanos. Entre os acusados, sentaram no banco dos réus os comandantes do Exército, tenente-general Jorge Rafael Videla; da Marinha, o almirante Emilio Eduardo Massera; da Aeronáutica, o brigadeiro-general Orlando Ramón Agosti; e o presidente da República no período de 22 de dezembro de 1981 a 18 de junho de 1982, general Leopoldo Galtieri. Embora todos condenados, o sucessor de Alfonsín, Carlos Menem (1930-2021), concedeu indulto aos militares, que foram anulados posteriormente. Videla, que nunca se arrependeu do que fez, acabou sendo novamente julgado e preso, tendo morrido aos 87 anos na prisão, em 2013. As vítimas eram mencionadas como culpadas pelo descalabro político e social que vivia o país, na visão de seus algozes travestidos de salvadores da pátria. Jogavam pesado com a bandeira da corrupção sendo desfraldada, através de artimanhas e malefícios advindos dos porões palacianos e dos quartéis, tudo a serviço da grande farsa da patriotada.

A construção narrativa é dinâmica e exemplar, dosada com momentos de emoção, seriedade e um espaço para humor com leveza. As revelações do passado vêm à tona e explodem como cataclismos de uma convulsão social pelos segredos guardados como fantasmas enjaulados e amordaçados. No meio do turbilhão dos processos que se desenvolvem nos tribunais, aparece a degradação humana que campeava nas cúpulas diretivas de alianças de direita com um governo ditatorial e genocida, onde mais de 30 mil pessoas desapareceram e milhares foram mortas. Um ambiente de tensões e desdobramentos escusos onde os mortais ficaram à mercê e sequer imaginaram os resultados e o quanto lhes custariam. Abafar os horrores ocorridos seria mais tenebroso ainda. A Argentina e o Brasil têm muitas semelhanças nos capítulos mais brutais de sua história, mas a justiça brasileira está longe de adotar o lema “NUNCA MAIS’ para aprender com seus erros.

Mitre não menciona o perdão judicial de Menem por pressão das Forças Armadas com leis sendo promulgadas para beneficiar os militares presos, o que revela uma falha ou opção grosseira no roteiro, embora não invalide a obra. O longa cumpre seu papel de apresentar as abjetas violações e torturas de um regime autoritário dos mais cruéis que se tem notícia. Disposto a eliminar a oposição por se autointitular infalível e eterno no comando, mas que a História apontará a verdadeira realidade dos ditadores e suas derrocadas, mais cedo ou mais tarde. Os julgamentos e as condenações perpétuas para alguns dos acusados são um bálsamo de energia, com a esperança no desfecho da sentença: “Nunca Mais”. Fica a visão doentia dos homens obcecados pelo poder e seus envolvimentos com situações escabrosas, dignas de repugnância pelos seus atos hostis e irascíveis numa sociedade calada pela censura e as barbáries cometidas nos porões para calar uma sociedade carente de líderes verdadeiros. Um drama contundente na sua conjuntura temática das causas e efeitos pelas imagens e diálogos com força de grande expressividade, com rostos e olhares de certa perplexidade diante de algumas surpresas escondidas pelos militares argentinos em seus crimes hediondos contra a humanidade.