quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A Grande Aposta


Estouro da Bolha

Eleito pela Associação dos Produtores de Hollywood como o melhor filme de 2015, além de cinco indicações ao Oscar, entre as quais filme e direção, A Grande Aposta é uma narrativa linear da história de investidores financeiros que tiraram vantagem do colapso da economia mundial de 2008, que levou à bancarrota bancos, instituições financeiras e diversos empreendimentos imobiliários nos Estados Unidos e na Europa. O diretor Alan McKay atenua as falas repetitivas da linguagem em economês de títulos como CDOs, CDs, Swaps e Sup-primes, com explicações didáticas de especialistas daquele universo restrito de profissionais treinados e com conhecimentos que tornam a trama com ingredientes palatáveis razoáveis para os leigos da matéria. Para ser melhor compreensível segura o que pode a tecnicidades do jargão dos economistas.

Adaptado do livro de não-ficção A Jogada do Século, do jornalista Michael Lewis, publicado em 2010, aborda a trajetória do personagem Michael Burry (Chistian Bale), o excêntrico homem dos números em profusão, dono de uma empresa de médio porte, que decide investir muito dinheiro do fundo que coordena ao apostar que o sistema imobiliário quebrará logo. Previu com antecedência o desastre da crise econômica internacional provocada pela falência das hipotecas no ano de 2005. É tachado de louco pelos colegas investidores, tendo em vista que nunca ninguém havia apostado contra o sistema e obtido alguma vantagem. Ao saber da alegada bravata, o irrequieto corretor e narrador no filme, Jared Vennett (Ryan Gosling), percebe a oportunidade de ganhar muito dinheiro, passa a oferecer aos seus clientes os títulos teoricamente encalhados. Um deles é Mark Baum (Steve Carell), dono de uma corretora que enfrenta problemas pessoais desde que seu irmão se suicidou.

O cineasta faz o contraponto no enredo, ao colocar sorrateiramente dois neófitos na Bolsa de Valores que também querem auferir vantagens bilionárias apostando na desgraça alheia. Para isto, pedem ajuda a um consciente ex-executivo de banco de Wall Street, Ben Rickert (Brad Pitt), que vive recluso e afastado, por ora, das falcatruas, mas que enxerga uma maneira de abocanhar fortuna no alto risco das bolsas no sistema econômico que não tem o devido rigor da fiscalização pelos departamentos estatais. O famoso Wall Street Journal lava as mãos e deixa de investigar as maracutaias evidentes oriundas de fraudes escandalosas, diante da pífia alegação de uma cínica reputação. A bolha imobiliária está para explodir, através de um sistema viciado, na qual a má-fé impera em nome da cobiça exacerbada. Ninguém faz nada, embora haja fatos evidentes para a iminente quebradeira que fará com que muitas pessoas percam suas residências e empregos.

A Grande Aposta traça um painel sério sobre a farsa, em que a economia global é uma grande e neurastênica piada de fundo de quintal. Evidente que a culpa acabou recaindo como sempre nos coitados dos imigrantes que queriam ter vida digna e morar numa boa casa. Poucos dos fraudadores foram condenados e presos, a maioria se safou da prisão. A temática segue na esteira do bom longa-metragem O Lobo de Wall Street (2013), de Martin Scorsese, que conta a autobiografia de um canastrão e sedutor jovem aspirante a corretor da bolsa de Nova Iorque, ao faturar bilhões de dólares em golpes financeiros e constrói um império pelas especulações com trapaças e articulações fantásticas nos anos 1980 e 1990, num cenário de iates e lindas mulheres, tudo regado com champanhes e iguarias nas festas e encontros que se tornavam um transe beirando à Sodoma e Gomorra. Scorsese faz a crítica ao materialismo do homem ganancioso e sem limites pelo descontrole abissal. McKay faz um resumo de uma dolorosa história de cumplicidade maquiavélica da avidez especulativa, embora sem a contundência de Costa-Gavras em O Capital (2012), nem o feroz ataque ao capitalismo de David Cronenberg em Cosmópolis (2012), através daquele passeio pelas ruas pelo esquisito personagem acima dos mortais, trancafiado dentro de sua limusine blindada, uma espécie de bunker.

Os crimes do colarinho banco são enfocados de forma farsesca, pouca punição e roubalheira escancarada. A ambição é a mola propulsora da penúria financeira fulminante das bolsas de Wall Street propiciada pelos nefastos investidores que infestam aquele mercado, orbitando como urubus sem ética pela carne que lhes serão servidas como banquetes. Eis uma moldura movediça da canalhice e seus excessos verborrágicos para atingir os novos e futuros compradores no mercado de capitais que são demonstrados despudoradamente, sem se deixar levar pelo conservadorismo, o que é um ponto positivo. Um anticlímax num ambiente de surrealismo através de um ritmo narrativo dentro de uma atmosfera sóbria, coberto por sentimentos de desdouros. Mesmo que o diretor tente, pouco inova nos seus personagens no universo da safadeza dentro da ilegalidade, deixando seus heróis ou anti-heróis soltos e por vezes tornam-se conhecidos, dando mostras da sensação de estar diante do déjà vu nos padrões de Hollywood. Está longe de uma obra completa e eloquente, mesmo que se considere como provocadora, tem consistência na construção e desenvoltura do enredo para diálogos frios mesclados com doses contidas de humor neste interessante longa-metragem de reflexão sobre os efeitos nefastos da bolsa de valores na economia.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Spotlight- Segredos Revelados


















Pedofilia na Igreja

Baseado em fatos reais ocorridos no ano de 2002, em Boston, cidade do Estado de Massachusetts, no Leste dos Estados Unidos, o diretor Tom McCarthy, de Trocando os Pés (2014), consegue contar uma boa história que é um tema de preocupação para o atual Papa Francisco nos cerrados gabinetes do Vaticano: os relatos cada vez maiores da pedofilia incrustada na Igreja Católica. Através de um formato linear, a narrativa tem uma estrutura em ritmo documental, que abdica dos recursos de pirotecnia ou sensacionalismo barato, embora contenha algum romantismo na profissão do jornalismo investigativo, como bem retratado no clássico do gênero Todos Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula. Agora há o uso de celulares e computadores, distante dos tempos das redações com máquinas de escrever e uma nuvem de fumaça de cigarros, prende o público pelo desempenho sóbrio de um elenco coeso, através da segurança do diretor no instigante Spotlight- Segredos Revelados.

O drama aborda um grupo de jornalistas do famoso jornal The Boston Globe que estão mergulhados numa parafernália de documentos probatórios sobre diversos casos de abuso de crianças por padres da Igreja Católica. Inicialmente era um fato que não foi noticiado pela imprensa, pecado capital que merece reflexão, diante das circunstâncias apontadas na trama. Depois passou para treze e no desfecho chega a cento e trinta vítimas que não queriam falar por vergonha, humilhação e abalo psicológico. Com a troca de comando no jornal em 2001, Marty Baron (Liev Schreiber), ao assumir o cargo de editor-chefe, incentiva o grupo de incansáveis profissionais para buscar a informação correta e necessária de uma grave denúncia por reportagens especiais, após anos acobertada por influência política de famílias influentes católicas e personalidades interessadas em abafar uma repercussão negativa.

Por muitos anos, os líderes religiosos ocultaram os casos de estupros e abusos sexuais, transferindo os transgressores sacerdotes para outras regiões, ou colocando em clínicas com atestados médicos duvidosos, ao invés de puni-los pelas insanidades dos crimes tipificados como hediondos. McCarthy dá vida ao filme, mesmo que num desenrolar convencional, para desenvolver a trama de Spotlight- nome da equipe editorial responsável pelas matérias- em que três repórteres abraçam a causa com ardor: Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d’Arcy James), com ajuda solene do editor Walter Robinson (Michael Keton). Uma jornada para meses, anos, sobre a investigação de um caso rumoroso, como também foi do mafioso James Bulger com o FBI, nos anos de 1990. Mas a maior honraria à equipe foi ter vencido o prêmio Pulitzer, em 2003, pelas reportagens que originaram o longa-metragem de McCarthy.

O cineasta coloca o espectador no interior da redação e o interliga com a correria das ruas pelos profissionais para apurar e descobrir os fatos novos, os entraves da burocracia no judiciário para liberar documentos tidos como sigilosos, os vários acordos realizados pelas vítimas com a Igreja e os embaraços da ética pelo advogado em relatar os conteúdos e valores assinados extrajudicialmente. Dentro de uma atmosfera recheada de polêmica, eis uma apropriada maneira de questionar e refletir sobre a complexidade do jornalismo investigativo responsável. Como é feito pelos erros e acertos, a motivação para justificar uma denúncia forte e perigosa, os riscos inerentes dos profissionais que poderão sofrer o furo da matéria pela concorrência, além do hermetismo hipócrita de uma Igreja ainda conservadora em parte, que não se importou com as profundas cicatrizes que deturparam o psicológico de seus fiéis ludibriados por padres que se utilizaram da fé para enganar e trapacear, uma temática recorrente que foi o foco de outras duas realizações: Má Educação (2004), de Pedro Almodóvar, e o recente O Clube (2014), de Pablo Larraín, premiado pelo Júri do Festival de Berlim no ano passado.

Bem recebido no Festival de Veneza, ainda que estivesse fora da competição, eleito como o melhor filme de 2015 pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos EUA, e várias indicações ao Oscar, entre as quais de melhor filme e direção, um drama que ressalta a importância da imprensa num Estado democrático de direito, o livre pensamento e sua função basilar de informar pelo bom profissional que faz a checagem da notícia, ouvindo todas as partes envolvidas direta e indiretamente. Contrapõe com os meios para atingir os fins da imprensa marrom, diante da ética pisoteada, na abordagem em O Abutre (2014), de Dan Gilroy, bem construído estruturalmente, em que também há a interação com o público. Outro filme que dá suporte ao drama norte-americano é a película de denúncias Abutres (2010), do argentino Pablo Trapero, que expõe a máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das mais de oito mil vítimas fatais por ano. Spotlight- Segredos Revelados é uma interessante amostragem por retratar com pujança a força de um jornalismo sério, com o cuidado dos princípios da boa, correta e fiel informação de credibilidade para denunciar a pedofilia de padres católicos

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Carol


Romance Proibido

Vem do independente cineasta e produtor cinematográfico norte-americano Todd Haynes o bonito e sensível drama familiar Carol, exibido pela primeira vez no Festival de Cannes. O roteirista Phyllis Nagy é o responsável pela livre adaptação do best-seller The Price of Salt, de 1952, da escritora Patrícia Highsmith, que na época assinou com o pseudônimo de Claire Morgan, diante da polêmica pelo tabu naqueles tempos sombrios sobre a literatura com a temática da homossexualidade feminina e a complexidade da moral e dos bons costumes. Também é a autora de outros dois livros transpostos para a telona: Pacto Sinistro (1950) e O Talentoso Ripley (1955).

Haynes é reconhecido pelo estilo perfeccionista ns suas realizações, especialmente na ambientação de seus filmes. Assim foi com Velvet Goldmine (1998), Longe do Paraíso (2002), em que retrata com ênfase as aparências falsas e o preconceito nos EUA dos anos de 1950, e Não Estou Lá (2007). Com cinco indicações ao Globo de Ouro e seis ao Oscar, Carol aborda o romance de costumes entre a jovem Therese Belivet (Rooney Mara- melhor atriz em Cannes por este papel) tem um emprego entediante na seção de brinquedos de uma loja em Manhattan, um namoradinho sem sal e uma vida pacata até conhecer a bela e elegante Carol Aird (Cate Blanchett- ótima interpretação, ao melhor estilo das divas do passado), uma cliente como qualquer outra que compra um presente de Natal para a filha. A química dos olhares e a sedução da loira misteriosa que esquece voluntariamente as luvas, vive um dilema com o divórcio conturbado pelo litígio com o marido (Kyle Chandler), um homem que representa uma falsa situação para os pais idosos, não aceita separar-se da mulher e usa a filha como um joguete, ameaçando a mulher com a guarda exclusiva e vigiada, em detrimento da compartilhada.

Uma relação dolorosa para a criança no cotidiano de um casamento em vias de extinção e que cada vez fica mais tumultuada a convivência no microcosmo familiar. Aumenta a tensão com a aproximação das duas mulheres envolvidas emocionalmente, acirra os ânimos ao extremo com o impedimento da filha passar o Natal na companhia da mãe, naquele instigante cenário romântico de neve intensa auxiliada pela bela trilha sonora de Carter Burwell. A viagem de carro para o Oeste soa como um grito de libertação para ambas, um corte das amarras do tabu e do preconceito enraizado numa sociedade aristocrática com suas futilidades inerentes numa Nova York dos anos 1950, inclusive por um judiciário conservador e machista em relação ao universo homossexual. A felicidade aparente de seus sorrisos e olhares reveladores esbarram num mundo heterossexual de ciúmes doentios e desilusões de um matrimônio fracassado. A personagem-título, ao se assumir publicamente, foi depauperada por um conceito residual estereotipado como absoluta e plena imoralidade no gesto autêntico da escolha ousada.

Carol é um filme sobre a difícil realidade de dois seres humanos que optaram por uma relação proibida na sociedade conservadora. A solução encontrada para dar guarida e prosseguimento ao idílio é a camuflagem dos encontros, sob pena de serem colocadas à margem das pessoas ditas como normais. Uma proteção da fúria dos moralistas pretensiosos em dominar os sentimentos de terceiros, alheios à liberdade de opção, como se fossem guardiões da ordem de um comportamento retrógrado. Um bom parâmetro é o sensível longa Flores Raras (2013), de Bruno Barreto, numa abordagem sobre uma relação homossexual conturbada no Rio de Janeiro, em 1956. O filme de Haynes é contido nas cenas de sexo, flutua pelos caminhos da sugestão e as carícias sutis das preliminares. Não tem o fervor do polêmico drama francês Azul é a Cor Mais Quente (2013), de Abdellatif Kechiche, que impactou com uma cena tórrida de sexo explícito num plano-sequência de intensidade e realismo em seis minutos, que causou furor e escandalizou os críticos e o púbico mais conservador em Cannes.

O realizador constrói uma atmosfera repleta de sutilezas, valorizando as imagens dos olhares e o toque delicado de uma ponta de dedo numa parte do corpo, transições que são elaboradas com requintes delicados do tempo que avança, sem a pressa do cotidiano para criar a expectativa para liberar as emoções contidas. Não há exageros apelativos do prazer para retratar a explosão ardente refreada. Cabe ressaltar que não se trata de uma obra sobre duas mulheres que transam o tempo todo, porque não é um filme panfletário gay, muito antes pelo contrário. Há uma boa construção psicológica das personagens pelo cineasta, que trata com imparcialidade as fragilidades das duas personagens como reveladoras descobertas com uma dose moderada de erotização, intercaladas por momentos marcantes de silêncios necessários para o desenvolvimento do enredo com o vínculo da união. Sem acenar com facilidades demagógicas para resolver problemas complexos, ou bradar na defesa de uma causa, deixa a força do magnetismo do amor ser mais forte do que tabus e preconceitos. Uma reflexão dos costumes e do moralismo religioso e familiar retratados com profundidade nos pequenos detalhes de uma grande paixão pela lente de um diretor com olhar de ternura e compreensão.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Os Oito Odiados


Resquícios do Racismo

Quentin Tarantino em sua última frase de Bastardos Inglórios (2009) dizia: "acho que essa é a minha obra-prima". E era mesmo. Um filme recheado de ironia fina, com uma violência não violenta, apesar do paradoxo, mesmo com a vingança explícita do massacre da família estampada no rosto da judia-francesa, reescreveu a história de forma consagradora. Embora houvesse algumas restrições pela facilidade dos abusos pela força, arrasou com Django Livre (2012), ao dar nova conotação à saga no efervescente e original faroeste, dando oportunidade aos escravos do Sul dos EUA, dois anos antes da sanguinolenta guerra civil (1861-1865), em mandar para os ares os brancos que tanto lhes oprimiram. Foi a vingança escravocrata no Velho Oeste contada pelo irrequieto e inesgotável cineasta, assim como fizera em Bastardos Inglórios, seguiu a mesma estética narrativa desde o prólogo com as cenas sequenciais da urdida trama.

Os Oito Odiados veio para fechar a trilogia das fábulas históricas. Como uma sequência implícita de Django Livre, Tarantino retorna ao gênero do faroeste apresentando novamente os caçadores de recompensa, que agora buscam abrigo no Armazém da Minnie, lugar que serve de pousada durante uma tempestade de neve que durará dias. Ali serão debatidos e questionados resquícios que sobrevieram da guerra dos confederados entre sulistas e nortistas nos EUA. John Ruth (Kurt Russell) transporta numa diligência a prisioneira famosa e barraqueira Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) à cidade de Red Rock, que espera trocar por boa quantia de dinheiro aquela mulher que sofre agressões físicas constrangedoras. No caminho, encontram o caçador de recompensas major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), único negro do elenco, que está levando alguns cadáveres para o mesmo destino e receber o prometido valor em espécie. No trajeto, darão carona para o futuro xerife Chris Mannix (Walton Goggins), prestes a ser empossado na mesma cidadezinha que segue a caravana. Diante da intensa nevasca, o grupo busca alojamento no mesmo local em que outros desconhecidos estão abrigados sorrateiramente.

O realizador recria um cenário de teatro operístico para um tiroteio verbal nas primeiras cenas. Uma lavagem de roupa suja sobre os meandros e consequências da sanguinolenta guerra civil que durou quatro anos, tendo na figura de Abraham Lincoln, o 16º presidente norte-americano, algumas ironias e indagações sobre sua conduta de paixão por uma causa que lhe doía, como a triste cultura escravocrata, representado no longa pelo personagem magnificamente interpretado por Samuel L. Jackson, enfatizado no epílogo pela suposta carta que recebeu do presidente, que foi tema do filme Lincoln (2012), de Steven Spielberg. Mas aos poucos o tom da conversa sobe e há o estouro iminente entre os oito viajantes enclausurados com suas astúcias à flor da pele. Começam a descobrir os segredos do passado uns dos outros, ninguém é santo ou bonzinho, a maldade dos homens está onipresente como num ninho de cobras criadas e sedentas para destilar o veneno, levando para um inevitável confronto de ideias e provocações entre eles, como do general confederado racista (Bruce Dern) que adora massacrar negros, terá no protagonista um encontro inesperado e revelações surpreendentes sobre o filho do sulista. Fecha o elenco central o caubói silencioso (Michael Madsen), o carrasco voluntário Mobray (Tim Roth) e o mexicano Bob (Demián Bichir).

A cena inicial arrebata o espectador com a belíssima trilha sonora de Ennio Morricone, um craque em composições para westerns. Filmado em 70 mm Panavision, com ênfase na largura da tela, embora pudesse ser prejudicado pelo sistema digital que não daria a mesma amplitude, mas que paradoxalmente pouco se nota, tendo em vista que as imagens não são realizadas a céu aberto, ao apresentar um palco fechado como num teatro. Tarantino se diverte fazendo cinema e brinca com o espectador sem perder a seriedade ao satirizar os brancos, cria uma espécie de fábula moderna colocando os negros como seres em vantagem. Não abre mão de ser responsável pelos roteiros de seus filmes, por isto já obteve dois Oscar de originalidade em Pulp Fiction (1994) e Django Livre, cria em Os Oito Odiados um anticlímax com sugestão de um final antecipado. Divide em atos como numa ópera, deixando para o desfecho o tradicional banho de sangue exagerado, sendo que antes apresenta diálogos contundentes em seu lado mais literário.

O faroeste tem os ingredientes de um diretor com seu notável senso de deboche, embora visto por parte da crítica como precursor da violência no cinema pela câmera lenta com cor vermelha pelo sangue abundante, faz seu registro próprio da história reparadora, tem no humor irresponsável uma presença sempre escrachada nos seus trabalhos convergentes para a crítica corrosiva. Pode parecer uma falsidade, mas o que interessa é o prazer paradoxal da ilusória vitória, com a explosão do irresignado negro para seus pseudos dominadores. Não poupa ninguém, inexistem anjos, sobram malfeitores em profusão. A sequência de tiros no epílogo remete para Bastardos Inglórios, com abundância de sangue esguichando dentro de uma violência incontida presente como ingredientes de uma luta dura, sem ser gratuita. Nada mais execrável e violento do que o horror da escravidão de uma raça depauperada brutalmente da escravatura que dá vazão para a vingança e as injustiças contra a negritude num EUA pré-guerra civil. É a catarse da herança de uma raça humilhada, mas que pelas tintas fortes do diretor busca a redenção e a dignidade esfacelada no tempo. São temas encontrados com melhor estilo em Django Livre pela beleza plástica e a astúcia de um jogo de xadrez naquele longa magistral e superior. Ao desafiar a história e fazer seu julgamento próprio nos três filmes da trilogia, abordando situação de pessoas que pela tolice tornaram-se irracionais ao extremo pelas suas preferências raciais, retrata um independente cinema de verdades e mentiras num delírio salutar. Os Oito Odiados é um bom filme, mesmo com sabor de déjà vu.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Táxi Teerã


Liberdade Cerceada

O cinema iraniano está de volta com todo seu vigor, simplicidade, discussões sobre a censura e suas restrições e uma notável reflexão da política neste perturbador filme Táxi Teerã, interpretado e dirigido magnificamente por Jafar Panahi, foi o vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2015. O cineasta tem na sua filmografia os ótimos O Balão Branco (1995), O Espelho (1997) e O Círculo (2000), sendo este ganhador do Leão de Ouro e o Prêmio Fipresci no Festival de Veneza daquele ano, já demonstrava segurança de elenco, enredo forte e com uma grande dose de dramaticidade, sem se deixar amedrontar pela tirania.

Panahi está voltado essencialmente paras as coisas do cotidiano da metrópole de seu país. Filma com naturalidade esta mescla de documentário simulado com drama em boa dose de humor. Instala duas câmeras dentro de um táxi e começa a dirigir pelas ruas de Teerã, apanhando supostos clientes, desenvolve conversas com os passageiros fictícios durante os curtos trajetos e observa as pequenas discussões sobre a política do país, entre as quais está uma professorinha de ideias avançadas que debate com um defensor da pena de morte, bem como a advogada que preferiu vender flores, por não ter proteção do Conselho da classe para defender o estado de direito dos cidadãos. Os costumes locais estão presentes nas personagens das duas senhoras e seus peixinhos com dia e hora certa para devolvê-los na fonte da praça como manda a lenda. A saúde pública é abordada no acidente de trânsito, através do péssimo estado do hospital público com uma burocracia ferrenha. Impressiona também a falta de liberdade de expressão, na qual não pode haver críticas ao regime totalitário, como da sobrinha do motorista que faz curso de cinema e aprende que não há espaço para falar mal do sistema, somente situações com finais felizes são possíveis desenvolver para obter recursos do governo e ter distribuição comercial. A jovem atriz está perfeita no papel, uma espécie de alter ego de Panahi para questionar o universo da sétima arte. Mas há ainda o vendedor de produtos de filmes piratas que nunca chegarão ali, logo reconhece o diretor e começa a falar sobre cinema e questiona sobre a realidade ou a ficção dos passageiros como atores disfarçados.

Depois de realizar dois filmes em forma de manifesto como libelo pela liberdade, soando como um brado dolorido pela prisão domiciliar decorrente da expressa ordem de não poder filmar: Isto Não é Um Filme (2011) e Cortinas Fechadas (2013), agora o diretor obteve o benefício da progressão de regime para ter direito de sair de sua residência, ao ser condenado por apoiar a oposição na eleição presidencial de 2009. Mostra ousadia e coragem para retratar a própria situação caótica que se encontra. O longa tem uma estrutura que lembra em muito o excelente Jogo de Cena (2007), onde se mistura ficção e realidade, sendo sugerido ao espectador adivinhar o que é uma e o que é outra. Como se fosse um jogo de espelhos das personagens comuns com as atrizes convidadas. Panahi segue esta linha de forma admirável, também apontado por alguns críticos como inspiração no conterrâneo Abbas Kiarostami no filme Dez (2002). No prólogo há o indício de um documentário, com as câmeras dentro do veículo em movimento para os aspectos do dia a dia que estão acontecendo nas cercanias das ruas e avenidas, enquanto isto pessoas do povo entram no táxi e despejam suas angústias, mágoas, aflições, desejos e insatisfações, com a mediação do diretor-taxista e sua condução como um terapeuta numa sessão de análise recheada de complexidades.

Táxi Teerã tem um ritmo ágil, diante de um roteiro enxuto criado para se adaptar às restrições impostas, boa montagem, pouco parece que o realizador é um prisioneiro e filma clandestinamente limitado no espaço de um carro-cárcere com janelas e espelhos retrovisores para acompanhar os personagens nas suas intimidades devassadas, como são usadas pelos órgãos repressores, como uma alegoria irônica. Eis um grito contra a opressão pela beleza do cinema que está inserida nestes detalhes da simplicidade mesclada com inteligência, o que torna um drama com o estilo documental, passa pela ação, transita pelo suspense, na qual o epílogo registra com um poder de cena magistral sobre o direito inexistente do cidadão em se expressar numa nação de uma cultura religiosa xiita extremada. É visível que o Poder Judiciário se submete ao regime de exceção, sendo a pena de prisão decretada sem a ampla defesa, uma característica das ditaduras que relegam o estado de direito dos compatriotas a planos secundários fragilizados, realçado pelo diálogo da advogada vendedora de rosas.

A escuridão na tela é a sutil metáfora da cegueira advinda de um sistema ultrapassado e sem um mínimo de liberdade, mas que mesmo assim não consegue inibir a criatividade que não tem limites para o cinema inovador e empolgante de um marginalizado cineasta de oposição. Um filme que aflora a dignidade pelo seu poder metafórico de abordar nas entrelinhas as questões proibidas no Irã, usando a sensibilidade para mesclar a arrogância estatal com a delicadeza dos personagens-atores em seu conteúdo de oprimidos contestadores. Há os dissabores e as complexidades das relações dos iranianos com sua pátria mãe, numa estrondosa alegoria montada num contexto, como se fosse um jogo de xadrez, faz uma desassombrada declaração de insubordinação contra o despotismo.

Cinema Victória Reabre Atividades


























Cinema Victória Reabre Atividades

Uma ótima notícia para os cinéfilos: reabriu dia 01 de janeiro de 2016, na sexta-feira passada, todo remodelado e com sistema digital, o charmoso Cinema Victória de Porto Alegre. Localizado no Centro Histórico, com entrada pela Av. Borges de Medeiros e pela Travessa Acilino de Carvalho (Rua 24 horas), ressurge para o cenário cinematográfico uma lenda do patrimônio da arte, um dos últimos cinemas de rua que está agora dentro de uma galeria.