quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Spotlight- Segredos Revelados


















Pedofilia na Igreja

Baseado em fatos reais ocorridos no ano de 2002, em Boston, cidade do Estado de Massachusetts, no Leste dos Estados Unidos, o diretor Tom McCarthy, de Trocando os Pés (2014), consegue contar uma boa história que é um tema de preocupação para o atual Papa Francisco nos cerrados gabinetes do Vaticano: os relatos cada vez maiores da pedofilia incrustada na Igreja Católica. Através de um formato linear, a narrativa tem uma estrutura em ritmo documental, que abdica dos recursos de pirotecnia ou sensacionalismo barato, embora contenha algum romantismo na profissão do jornalismo investigativo, como bem retratado no clássico do gênero Todos Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula. Agora há o uso de celulares e computadores, distante dos tempos das redações com máquinas de escrever e uma nuvem de fumaça de cigarros, prende o público pelo desempenho sóbrio de um elenco coeso, através da segurança do diretor no instigante Spotlight- Segredos Revelados.

O drama aborda um grupo de jornalistas do famoso jornal The Boston Globe que estão mergulhados numa parafernália de documentos probatórios sobre diversos casos de abuso de crianças por padres da Igreja Católica. Inicialmente era um fato que não foi noticiado pela imprensa, pecado capital que merece reflexão, diante das circunstâncias apontadas na trama. Depois passou para treze e no desfecho chega a cento e trinta vítimas que não queriam falar por vergonha, humilhação e abalo psicológico. Com a troca de comando no jornal em 2001, Marty Baron (Liev Schreiber), ao assumir o cargo de editor-chefe, incentiva o grupo de incansáveis profissionais para buscar a informação correta e necessária de uma grave denúncia por reportagens especiais, após anos acobertada por influência política de famílias influentes católicas e personalidades interessadas em abafar uma repercussão negativa.

Por muitos anos, os líderes religiosos ocultaram os casos de estupros e abusos sexuais, transferindo os transgressores sacerdotes para outras regiões, ou colocando em clínicas com atestados médicos duvidosos, ao invés de puni-los pelas insanidades dos crimes tipificados como hediondos. McCarthy dá vida ao filme, mesmo que num desenrolar convencional, para desenvolver a trama de Spotlight- nome da equipe editorial responsável pelas matérias- em que três repórteres abraçam a causa com ardor: Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matty Carroll (Brian d’Arcy James), com ajuda solene do editor Walter Robinson (Michael Keton). Uma jornada para meses, anos, sobre a investigação de um caso rumoroso, como também foi do mafioso James Bulger com o FBI, nos anos de 1990. Mas a maior honraria à equipe foi ter vencido o prêmio Pulitzer, em 2003, pelas reportagens que originaram o longa-metragem de McCarthy.

O cineasta coloca o espectador no interior da redação e o interliga com a correria das ruas pelos profissionais para apurar e descobrir os fatos novos, os entraves da burocracia no judiciário para liberar documentos tidos como sigilosos, os vários acordos realizados pelas vítimas com a Igreja e os embaraços da ética pelo advogado em relatar os conteúdos e valores assinados extrajudicialmente. Dentro de uma atmosfera recheada de polêmica, eis uma apropriada maneira de questionar e refletir sobre a complexidade do jornalismo investigativo responsável. Como é feito pelos erros e acertos, a motivação para justificar uma denúncia forte e perigosa, os riscos inerentes dos profissionais que poderão sofrer o furo da matéria pela concorrência, além do hermetismo hipócrita de uma Igreja ainda conservadora em parte, que não se importou com as profundas cicatrizes que deturparam o psicológico de seus fiéis ludibriados por padres que se utilizaram da fé para enganar e trapacear, uma temática recorrente que foi o foco de outras duas realizações: Má Educação (2004), de Pedro Almodóvar, e o recente O Clube (2014), de Pablo Larraín, premiado pelo Júri do Festival de Berlim no ano passado.

Bem recebido no Festival de Veneza, ainda que estivesse fora da competição, eleito como o melhor filme de 2015 pela Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos EUA, e várias indicações ao Oscar, entre as quais de melhor filme e direção, um drama que ressalta a importância da imprensa num Estado democrático de direito, o livre pensamento e sua função basilar de informar pelo bom profissional que faz a checagem da notícia, ouvindo todas as partes envolvidas direta e indiretamente. Contrapõe com os meios para atingir os fins da imprensa marrom, diante da ética pisoteada, na abordagem em O Abutre (2014), de Dan Gilroy, bem construído estruturalmente, em que também há a interação com o público. Outro filme que dá suporte ao drama norte-americano é a película de denúncias Abutres (2010), do argentino Pablo Trapero, que expõe a máfia obcecada pelos prêmios de seguros de acidentes de veículos automotores das mais de oito mil vítimas fatais por ano. Spotlight- Segredos Revelados é uma interessante amostragem por retratar com pujança a força de um jornalismo sério, com o cuidado dos princípios da boa, correta e fiel informação de credibilidade para denunciar a pedofilia de padres católicos

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