Destinos da Vida
A estreia na ficção de Carolina Jabor não empolga e quase
que decepciona em Boa Sorte, ao contar uma história numa narrativa linear, baseado no conto Frontal com Fanta, de Jorge Furtado,
autor do roteiro com seu filho Pedro. O enredo é pouco consistente ao filmar a
trajetória de João (João Pedro Zappa) que é internado numa clínica psiquiátrica
pelos pais (Felipe Camargo e Gisele Fróes), por apresentar problemas
comportamentais depressivos e visões esquisitas que o atormentava
frequentemente. Lá conhece Judite (Deborah Secco), uma soropositiva dependente
química de todas as drogas imagináveis e já em fase final de sua existência, da
qual tem consciência plena. Recebe o carinho da avó (Fernanda Montenegro) que
lhe empresta alguma solidariedade afetiva, mas faz questão de frisar não ter
culpa na atual situação da neta.
O romance do casal coloca os personagens no mesmo
caminho, com a paixão que arrebata os dois a continuidade é improvável no
futuro traçado. A reabilitação do rapaz poderá vir pelo amor que constrói, sem
se importar com os empecilhos do HIV que não o farão sentir repulsa ou revolta,
pelo contrário, joga-se de corpo e alma, como conduz a cineasta para a relação
afetiva com culpa de Judite, que demonstra ser boa moça ao armar um fato
inusitado para salvar seu príncipe e fazê-lo entrar nos trilhos para
recuperar-se de uma pseudodoença, contrário às consultas da cautelosa médica
(Cássia Kis Magro), como demonstra o roteiro equivocado.
O filme não chega a inovar e há alguns momentos de lirismo pueril
no relacionamento do casal, mas a saga da doença incurável faz o longa navegar
pelas águas dos ajustadinhos e simpáticos mocinhos vítimas do destino que lhe
aplicou uma punição pelo infortúnio do acaso. Carolina, filha de Arnaldo Jabor,
não é uma neófita, pois já tem duas experiências ao codirigir com Lula Buarque
dois documentários: Milton Nascimento- A
Sede do Peixe (1997) e O Mistério do
Samba (2008). Em seu terceiro longa demonstra firmeza na direção, sem se
deixar trair pelo maniqueísmo ou descambar para o melodrama fácil. Esbarra num
roteiro frágil e mais afeito para uma minissérie televisiva, previsível e recheado
de baboseiras, entre as quais coisas que somem e aparecem do nada, talvez por
cacoete de Furtado e suas histórias para a telinha global.
Boa Sorte tem uma
proposta da procura de autoafirmação redentora, mas derrapa no vício de contar
a condenação do ser humano por um fato atípico e sua vitimização em excesso,
embora consiga fugir com algum mérito das lágrimas fáceis que partem corações,
mas não evita a compaixão desmedida. Neste aspecto e num cenário similar, Laís
Bodanzky foi soberba em Bicho de Sete Cabeças
(2001), ao mergulhar seus personagens no inferno do hospício e criticar o
sistema do modus operandi que existia
na época, como os choques elétricos e clima de tensão e horror ali existente;
ou no extraordinário e premiado O
Estranho no Ninho (1975), de Milos Forman, com Jack Nicholson; ou ainda em Garota, Interrompida (1999), de James Mangold,
com Winona Ryder. Carolina busca a piedade e envereda pelo lado bonzinho dos
personagens, sem estruturá-los psicologicamente de maneira convincente, com um
humanismo adequado sem extrapolar, para explorar os erros e acertos e suas
fraquezas e vicissitudes. Peca pelo maneirismo e pela fuga de uma abordagem
mais profunda da complexidade reflexiva.