O Ciúme (La Jalousie )
Este é o quinto filme que Philippe Garrel realiza com seu
filho Louis, entre os quais estão A
Fronteira da Alvorada (2008), Amantes
Constantes (2005) e Um Verão
Escaldante (2011), que confessa: “O
Ciúme é um filme autobiográfico, no qual o meu filho Louis Garrel
interpreta o seu próprio avô aos 30 anos- a mesma idade que Louis tem hoje. A
ideia era falar sobre um caso de amor entre o meu pai e uma mulher, a qual me
causou admiração e provocou ciúmes na minha mãe, que era exemplar. Eu fui um
menino criado pela minha mãe (no filme, eu sou a menininha).” Seu primeiro
longa-metragem, Marie Pour Mémoire,
ganhou o Grande Prêmio do Festival du Jeune Cinéma de Hyères, em 1969.
Discípulo da Nouvelle Vague, ganhou o
Leão de Prata no Festival de Veneza de 1992 com J'Entends Plus la
Guitare , prêmio que voltaria a receber por Amantes Constantes, em 2005.
O amor com ciúme como consequência e, em alguns casos, a
traição como um ingrediente preponderante são temas sempre presentes no cinema
francês. O mestre François Truffaut obteve resultados magníficos com Jules e Jim (1961) e A Mulher do Lado (1981), assim como o
festejado Claude Chabrol retratou com eficácia em Ciúme- O Inferno do Amor Possessivo (1994). Da Finlândia veio outro belo filme
sobre a temática O Ciúme Mora ao Lado
(2009), dirigido por Mika Kaurismäki. Agora com O
Ciúme, o último longa de Garrel, a tradição se mantém com ardor e dor,
angústia e prazer, criado através de momentos de pura poesia dentro de uma
proposta aparentemente simples, na qual está presente o objeto recorrente do estado
emocional complexo envolvente de um sentimento provocado em relação ao medo da perda
pela traição da pessoa amada.
O cineasta disseca numa lúcida reflexão os atritos de relacionamento
surgidos no cotidiano, em que o teatro surge como pano de fundo dos personagens
envolvidos que representam não só a peça ensaiada para a apresentação, mas os
papéis da vida sem ficção e lançadas dentro de uma realidade inafastável e presente
na vida daquelas criaturas sofridas diante da incerteza do amanhã. O genial
Alain Resnais foi insuperável ao criar uma atmosfera de amor e tristeza de uma
existência que torna-se ficcional no cenário das interpretações pela estética
apurada com consistência e rigor no equilíbrio cênico, como visto recentemente
em Amar, Beber e Cantar (2014), um drama de sutilezas numa narrativa
leve e ao mesmo tempo profunda, bem como no longa anterior Vocês Ainda Não Viram Nada! (2011), em ambos fundiu-se o teatro
com a vigorosa obra do cinema.
A trama é dividida em duas partes: "Mantive os
anjos" e "Fogo na Pólvora". Centraliza em Louis (Louis Garrel-
de bom desempenho), um ator de teatro que vive em um modesto apartamento com a
atriz Cláudia (Anna Mouglalis- atuou em Gainsbourg:
O Homem que Amava as Mulheres (2010), de Joann Sfar e Coco Chanel & Igor Stravinsky (2009), de Jan Kounen). Levam uma
vida normal de dois apaixonados, embora com sérias dificuldades financeiras,
tendo em vista que a carreira dela vai de mal a pior, sem perspectiva de um
grande papel no futuro. O rapaz faz de tudo e mais um pouco para ajudá-la a
superar a crise e tenta arranjar um emprego para ela. Encontra tempo ainda para
ser um pai presente e manter-se próximo à filha Charlotte (Olga Milshtein) que
reside com a mãe (Rebecca Convenant) recém-separada, mas é provocada pela
garotinha que admira Cláudia, o que a faz sentir ciúmes da outra.
O cineasta conseguiu criar imagens realmente notáveis na fotografia
preto e branco melancólica de Willy Kurant, responsável pelas obras anteriores
de Garrel, como na sequência que indica a felicidade num passeio pelo parque em
família, ou na conversa entre pai e filha. Ou ainda a cena bíblica de uma
mulher que lava os pés de um idoso como se estivesse procurando expiar um
pecado. Mas logo surgem os fragmentos como cacos de vidros estilhaçado pela dor
da perda e da falta de sinceridade a dois, diante da troca atraiçoada do grande
amor em nome da segurança e da independência econômica. Ao desenvolver a
narrativa com a reconstrução do microcosmo familiar, busca essencialmente
um filme sobre a tristeza do ser humano e sua proximidade com a vida angustiada
do amor incondicional. É perfeita a dose de emoção e neste aspecto estão
presentes as grandes virtudes deste comovente drama que deixa fluir os traços
autobiográficos nostálgicos.
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