sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Seleção de Filmes Bourbon (O Ciúme)


O Ciúme (La Jalousie)

Este é o quinto filme que Philippe Garrel realiza com seu filho Louis, entre os quais estão A Fronteira da Alvorada (2008), Amantes Constantes (2005) e Um Verão Escaldante (2011), que confessa: “O Ciúme é um filme autobiográfico, no qual o meu filho Louis Garrel interpreta o seu próprio avô aos 30 anos- a mesma idade que Louis tem hoje. A ideia era falar sobre um caso de amor entre o meu pai e uma mulher, a qual me causou admiração e provocou ciúmes na minha mãe, que era exemplar. Eu fui um menino criado pela minha mãe (no filme, eu sou a menininha).” Seu primeiro longa-metragem, Marie Pour Mémoire, ganhou o Grande Prêmio do Festival du Jeune Cinéma de Hyères, em 1969. Discípulo da Nouvelle Vague, ganhou o Leão de Prata no Festival de Veneza de 1992 com J'Entends Plus la Guitare, prêmio que voltaria a receber por Amantes Constantes, em 2005.

O amor com ciúme como consequência e, em alguns casos, a traição como um ingrediente preponderante são temas sempre presentes no cinema francês. O mestre François Truffaut obteve resultados magníficos com Jules e Jim (1961) e A Mulher do Lado (1981), assim como o festejado Claude Chabrol retratou com eficácia em Ciúme- O Inferno do Amor Possessivo (1994). Da Finlândia veio outro belo filme sobre a temática O Ciúme Mora ao Lado (2009), dirigido por Mika Kaurismäki. Agora com O Ciúme, o último longa de Garrel, a tradição se mantém com ardor e dor, angústia e prazer, criado através de momentos de pura poesia dentro de uma proposta aparentemente simples, na qual está presente o objeto recorrente do estado emocional complexo envolvente de um sentimento provocado em relação ao medo da perda pela traição da pessoa amada.

O cineasta disseca numa lúcida reflexão os atritos de relacionamento surgidos no cotidiano, em que o teatro surge como pano de fundo dos personagens envolvidos que representam não só a peça ensaiada para a apresentação, mas os papéis da vida sem ficção e lançadas dentro de uma realidade inafastável e presente na vida daquelas criaturas sofridas diante da incerteza do amanhã. O genial Alain Resnais foi insuperável ao criar uma atmosfera de amor e tristeza de uma existência que torna-se ficcional no cenário das interpretações pela estética apurada com consistência e rigor no equilíbrio cênico, como visto recentemente em Amar, Beber e Cantar (2014), um drama de sutilezas numa narrativa leve e ao mesmo tempo profunda, bem como no longa anterior Vocês Ainda Não Viram Nada! (2011), em ambos fundiu-se o teatro com a vigorosa obra do cinema.

A trama é dividida em duas partes: "Mantive os anjos" e "Fogo na Pólvora". Centraliza em Louis (Louis Garrel- de bom desempenho), um ator de teatro que vive em um modesto apartamento com a atriz Cláudia (Anna Mouglalis- atuou em Gainsbourg: O Homem que Amava as Mulheres (2010), de Joann Sfar e Coco Chanel & Igor Stravinsky (2009), de Jan Kounen). Levam uma vida normal de dois apaixonados, embora com sérias dificuldades financeiras, tendo em vista que a carreira dela vai de mal a pior, sem perspectiva de um grande papel no futuro. O rapaz faz de tudo e mais um pouco para ajudá-la a superar a crise e tenta arranjar um emprego para ela. Encontra tempo ainda para ser um pai presente e manter-se próximo à filha Charlotte (Olga Milshtein) que reside com a mãe (Rebecca Convenant) recém-separada, mas é provocada pela garotinha que admira Cláudia, o que a faz sentir ciúmes da outra.

O cineasta conseguiu criar imagens realmente notáveis na fotografia preto e branco melancólica de Willy Kurant, responsável pelas obras anteriores de Garrel, como na sequência que indica a felicidade num passeio pelo parque em família, ou na conversa entre pai e filha. Ou ainda a cena bíblica de uma mulher que lava os pés de um idoso como se estivesse procurando expiar um pecado. Mas logo surgem os fragmentos como cacos de vidros estilhaçado pela dor da perda e da falta de sinceridade a dois, diante da troca atraiçoada do grande amor em nome da segurança e da independência econômica. Ao desenvolver a narrativa com a reconstrução do microcosmo familiar, busca essencialmente um filme sobre a tristeza do ser humano e sua proximidade com a vida angustiada do amor incondicional. É perfeita a dose de emoção e neste aspecto estão presentes as grandes virtudes deste comovente drama que deixa fluir os traços autobiográficos nostálgicos.

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