sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Boa Sorte


Destinos da Vida

A estreia na ficção de Carolina Jabor não empolga e quase que decepciona em Boa Sorte, ao contar uma história numa narrativa linear, baseado no conto Frontal com Fanta, de Jorge Furtado, autor do roteiro com seu filho Pedro. O enredo é pouco consistente ao filmar a trajetória de João (João Pedro Zappa) que é internado numa clínica psiquiátrica pelos pais (Felipe Camargo e Gisele Fróes), por apresentar problemas comportamentais depressivos e visões esquisitas que o atormentava frequentemente. Lá conhece Judite (Deborah Secco), uma soropositiva dependente química de todas as drogas imagináveis e já em fase final de sua existência, da qual tem consciência plena. Recebe o carinho da avó (Fernanda Montenegro) que lhe empresta alguma solidariedade afetiva, mas faz questão de frisar não ter culpa na atual situação da neta.

O romance do casal coloca os personagens no mesmo caminho, com a paixão que arrebata os dois a continuidade é improvável no futuro traçado. A reabilitação do rapaz poderá vir pelo amor que constrói, sem se importar com os empecilhos do HIV que não o farão sentir repulsa ou revolta, pelo contrário, joga-se de corpo e alma, como conduz a cineasta para a relação afetiva com culpa de Judite, que demonstra ser boa moça ao armar um fato inusitado para salvar seu príncipe e fazê-lo entrar nos trilhos para recuperar-se de uma pseudodoença, contrário às consultas da cautelosa médica (Cássia Kis Magro), como demonstra o roteiro equivocado.

O filme não chega a inovar e há alguns momentos de lirismo pueril no relacionamento do casal, mas a saga da doença incurável faz o longa navegar pelas águas dos ajustadinhos e simpáticos mocinhos vítimas do destino que lhe aplicou uma punição pelo infortúnio do acaso. Carolina, filha de Arnaldo Jabor, não é uma neófita, pois já tem duas experiências ao codirigir com Lula Buarque dois documentários: Milton Nascimento- A Sede do Peixe (1997) e O Mistério do Samba (2008). Em seu terceiro longa demonstra firmeza na direção, sem se deixar trair pelo maniqueísmo ou descambar para o melodrama fácil. Esbarra num roteiro frágil e mais afeito para uma minissérie televisiva, previsível e recheado de baboseiras, entre as quais coisas que somem e aparecem do nada, talvez por cacoete de Furtado e suas histórias para a telinha global.

Boa Sorte tem uma proposta da procura de autoafirmação redentora, mas derrapa no vício de contar a condenação do ser humano por um fato atípico e sua vitimização em excesso, embora consiga fugir com algum mérito das lágrimas fáceis que partem corações, mas não evita a compaixão desmedida. Neste aspecto e num cenário similar, Laís Bodanzky foi soberba em Bicho de Sete Cabeças (2001), ao mergulhar seus personagens no inferno do hospício e criticar o sistema do modus operandi que existia na época, como os choques elétricos e clima de tensão e horror ali existente; ou no extraordinário e premiado O Estranho no Ninho (1975), de Milos Forman, com Jack Nicholson; ou ainda em Garota, Interrompida (1999), de James Mangold, com Winona Ryder. Carolina busca a piedade e envereda pelo lado bonzinho dos personagens, sem estruturá-los psicologicamente de maneira convincente, com um humanismo adequado sem extrapolar, para explorar os erros e acertos e suas fraquezas e vicissitudes. Peca pelo maneirismo e pela fuga de uma abordagem mais profunda da complexidade reflexiva.

O grande acerto do drama que merece um registro à parte é Deborah Secco, magérrima ao emagrecer 11 quilos, sem glamour, cabelos picotados e sem viço, carrega o filme com competência e talento ao lado novato e eficiente Zappa. A atriz revela mais uma vez seu carisma e domínio cênico, como já fizera em Bruna Surfistinha (2011), de Marcus Baldini, na qual foi maravilhosa fazendo aquela menina meiga, dócil, ingênua, com cara de santa do pau-oco, mas ao mesmo tempo tinha um tempero feminino especial de uma conquistadora singular. Boa Sorte tem um desfecho ortodoxo e de certo modo previsível, mas o filme se não é elogiável, decepciona em parte para os mais exigentes, porque cinema é mais que simplórios alertas e conselhos fugazes, deixando uma lacuna no vazio existencial, para um epílogo que beira o autoajuda, com a presença recorrente do amor reabilitatório do recomeço pelo fim sombrio.

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