terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Boyhood- Da Infância à Juventude


Passagens do Tempo

Richard Linklater conquistou fãs pelo mundo com sua badalada trilogia do “Antes”, através de realizações de pouca ambição estética, em que havia mais transpiração e menos inspiração para um público limitado, embora cativo e atento aos lançamentos, que começou com Antes do Amanhecer (1995), Antes do Pôr do Sol (2004) e Antes da Meia-Noite (2013). Agora dá um salto de qualidade com Boyhood- Da Infância à Juventude, um projeto mais consistente e demorado que levou 12 anos rodando com os mesmos atores sendo reunidos de 2002 a 2013, sem se preocupar com indicações ou datas nos períodos que se desenvolvia a história. Amparado pela sensibilidade para abordar a temática da evolução do ser humano com o passar do tempo, numa abordagem sem estereótipos da transição da criança para a fase adulta e seus anseios à flor da pele, acompanhados pelo desenrolar dos pais e suas dificuldades para encontrar o parceiro certo, especialmente no que se refere à mulher, numa reflexão com ternura dolorida numa temática sobre o futuro de todos.

O drama de Linklater conta a vida com os percalços inerentes de um casal de pais divorciados (Ethan Hawke e Patricia Arquette) e dos filhos Mason (Ellar Coltrane- começou com 6 e terminou aos 18 anos as filmagens) e Samantha (Lorelei Linklater, filha do diretor). O foco da narrativa está na trajetória do menino ao retratar a relação dos filhos durante a fase do amadurecimento com os enroscos e turbulências em mais de uma década dos pais e seus novos romances, com cenas dramáticas e por vezes até engraçadas, além de muitos diálogos de bom nível, deixando as imagens como plano secundário, como no belo epílogo repleto de naturalidade, diante da beleza das situações simples como se fosse um piquenique. Ou antes, no retrato da emoção da mãe orgulhosa ao ver o filho se formar no ensino médio, já se preparando para a faculdade, através do canto familiar numa bonita roda, em que todos estão com as mãos entrelaçadas como forma de união.

A história mostra uma mãe e suas dificuldades em reconstruir a vida com a sina de arranjar companheiros alcoólatras e violentos. Luta para alcançar seu objetivo de formar-se no nível superior, às vezes parece distante e melancólica com o que lhe reserva o destino. Já o pai parece ser um bon vivant, ligado ao meio musical, faz campanha para Obama e odeia Bush. Porém, tem um caráter duvidoso, como nas cenas da carteira do dinheiro que esquece no carro e do automóvel que prometera para o filho e não lembra mais. Quer fazer do garoto um predador das menininhas, quase sempre ausente nas horas difíceis, ressurge nos bons momentos para mostrar um lado pouco preocupado com um futuro promissor, numa característica bem descolada, mas demonstra afeto e algum vínculo paternal, ao mostrar-se preocupado com a gravidez indesejada e precoce da filha que poderia acontecer. As idas e vindas das relações do pai e as frequentes mudanças de cidades, ou seja, com o equilíbrio da vida, deixam os filhos à margem de uma convivência mais próxima da estabilidade.

Outro acerto inquestionável é a prazerosa trilha sonora com canções diversificadas, que brindam a plateia com Yellow, do Coldplay, Band on the Run, de Paul McCartney, passa por Blink 182, Daft Punk, Pharrell Williams, Foo Fighters, Wilco e até Lady Gaga. Um filme belo pela agridoce singeleza que deixa circunstâncias que agravam e logo depois atenuam a caminhada de Mason em situações comuns cercado por pessoas que também crescem e buscam um futuro, bem secundado pela presença da irmã Samantha, que cria uma personagem marcante e não menos importante na trama que se desenrola com vagar e lucidez nas passagens do tempo. As transições dos irmãos estão bem colocadas e inseridas dentro de um inteligente roteiro singular de Linklater, com a sincronia do envelhecimento natural dos atores desde o início das filmagens, o quer faz o espectador ir percebendo na tela a realidade quase que naturalista do tempo que flui. A acertada direção leva para uma realização que remete para ideias em detrimento da parafernália dos efeitos especiais que pululam o cinema.

Além de ser uma obra instigante no todo, Boyhood- Da Infância à Juventude retrata as dúvidas e os caminhos que os adolescentes procuram em suas vidas futuras, por isto é inevitável a comparação pela similitude de conteúdo dos questionamentos na infância com os excelentes filmes brasileiros de trama aparentemente simples, mas de muita complexidade, entre os quais: Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho, Antes que o Mundo Acabe (2009), da gaúcha Ana Luiza Azevedo, e As Melhores Coisas do Mundo (2010), de Laís Bodanzky. Reconhecido no Festival de Berlim, Linklater recebeu o Urso de Prata de melhor direção, enfatiza o latente aspecto sombrio nos rostos de seus personagens, como no da mãe e do protagonista. Na relação com o futuro, o filho sente que existem outras fronteiras para serem desbravadas e seu mundo é muito maior que imagina em relação ao cotidiano que deixará para trás, faz refletir sobre uma triste beleza dos prazeres e desprazeres da adolescência que se distancia do universo juvenil com a iminência da difícil passagem para o mundo adulto repleto de preconceitos e complicações inerentes pela transição.

Também lembra o filme Em Paris (2006), de Christophe Honoré, onde os irmãos moravam com o pai, pois a mãe os abandonara para viver uma vida livre, após a morte trágica da filha; neste quem sai é o pai a ganhar o mundo, ficando a mãe cuidando dos filhos. O vazio existencial dá lugar para as brincadeiras e os conflitos na busca das conquistas, tendo por objetivo principal ser um vencedor no contexto geral, como incentiva o pai ao protagonista, pois assim os olhares estarão voltados para o conquistador, numa clara alusão da busca insistente de uma autoafirmação e uma identidade ainda debilitada. É forte a influência de Honoré sobre relação e o núcleo familiar com os jovens na escola e seus problemas fluentes da tenra idade, como a perda da virgindade e a tentativa de se aproximar da mais encantadora aluna como fatores que apenas servem de combustão para questionar situações mais abrangentes e profundas entre jovens pré-adolescentes diante das arraigadas idiossincrasias, buscando suprir as lacunas deixadas pelo pai ou a mãe, bem como os conflitos que se estendem neste drama original sobre os fragmentos familiares do tempo que passa.

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